Nerópolis (GO) - Ariel Grunkraut tem apetite por negócios. Foi sócio-fundador do Burger King, ex-CEO da Zamp, controladora da rede de fast food no Brasil, entre 2022 e 2024, e teve uma longa passagem pela Ambev, onde começou como trainee e chegou à área comercial. No final de 2024, assumiu a presidência da Kraft Heinz no País com uma missão bem clara à frente: acelerar a operação brasileira da empresa.
Depois de um ciclo de pouco mais de 10 anos de M&As, quando abocanhou companhias nacionais como Quero e Hemmer, e de ter investido R$ 1 bilhão nos últimos cinco anos, a multinacional americana está entrando em um novo ciclo de consolidação no mercado brasileiro.
“A Kraft Heinz é uma empresa de sucesso no país. Não existe nenhuma demanda de turnaround no Brasil. Pelo contrário, é uma demanda de continuidade e de aceleração”, diz Grunkraut em entrevista ao AgFeed, que visitou nesta semana duas fábricas da companhia em Goiás, localizadas nas cidades de Nerópolis e Nova Goiás, além de uma propriedade rural em Cristalina (GO), que produz tomates para a companhia.
O movimento da operação nacional acontece em meio à cisão anunciada pelo comando global da companhia no início de setembro. Após anos de prejuízos e constantes trocas de CEO, a Kraft Heinz anunciou, há poucas semanas, que vai se dividir em duas até o segundo semestre de 2026.
Uma das empresas terá foco mundial, mantendo sob seu guarda-chuva as marcas icônicas como a Heinz, de ketchup e outros molhos, e o cream cheese Philadelphia, entre outras.
Já a outra empresa vai se voltar ao mercado da América do Norte, reunindo rótulos como Oscar Meyer, marca conhecida nos Estados Unidos por suas salsichas para cachorro-quente e embutidos e que teria, segundo especulações do mercado, a JBS como uma das interessadas.
“De um lado tem a North American Groceries, com marcas centenárias em uma empresa muito rentável, muito geradora de dividendos, só que que não tem um crescimento expressivo e não tem uma presença global. E esse é um perfil de empresa que tem uma necessidade de capex, de especialização e foco”, explica o CEO da empresa no País.
“E do outro lado você tem uma empresa com muitos mercados para crescer, como África do Sul, Argentina, Índia e China, por exemplo”.
Dessa forma, com o redesenho da operação, o Brasil deve ganhar ainda mais protagonismo nos negócios, antecipa Grunkraut. “Nada muda no primeiro momento com o Brasil, só que muitas coisas acontecem. O Brasil, agora, está dentro de uma empresa de faturamento de US$ 15 bilhões. A nossa representatividade como país ganha relevância”, afirma.
A Kraft Heinz não abre os números específicos da operação brasileira, mas o CEO diz que o ano de 2025 tem sido “excepcional” em vendas, desempenho e market shares. “Estamos muito satisfeitos”, diz o CEO.
Os bons resultados da operação brasileira têm sido reconhecidos inclusive pelo quartel-general da empresa nos Estados Unidos, que fica em Chicago, no estado de Illinois.
Listada na Nasdaq, a empresa destacou, em uma apresentação aos investidores, durante a divulgação dos dados do segundo trimestre deste ano, que a expansão das margens da companhia na categoria mercados emergentes – que abrange Brasil e outros países da América Latina – foi impulsionada especialmente pela recuperação da operação brasileira, com crescimento acelerado da marca Heinz e redução de custos.
“Nos últimos dois reports, o Brasil aparece como um dos destaques positivos de crescimento, principalmente com a marca Heinz, na qual temos mais investido, principalmente neste ano", afirma Grunkraut.
Hoje, o Brasil é um dos cinco países listados como prioridade para a companhia, explica o CEO. “Nosso papel por aqui é de crescimento e o Brasil tem gerado muito crescimento em 2025”, avalia.
Das fazendas às fábricas, tomate 100% nacional
Nas fazendas do interior do estado de Goiás, coração da empresa por fornecerem sua matéria-prima, a Heinz conseguiu vencer uma barreira importante que gerava muitos custos.
Desde o ano passado a companhia utiliza apenas tomates cultivados no País para produzir a pasta da fruta, base de seus produtos. Antes disso, desde que começou a fabricar o ketchup Heinz no Brasil, em 2013, a companhia precisava trazer o insumo produzido no estado americano da Califórnia para abastecer sua operação brasileira, o que aumentava a despesa da operação.
“Isso traz custos menores pela necessidade de desembolso e working capital menor”,aponta Grunkraut.
Essa medida é decorrente de um intenso trabalho de campo coordenado pelo diretor de agricultura da empresa no país, Lucas Paschoal, e uma equipe de cerca de 40 colaboradores que trabalham nessa área.
Eles trabalham a todo vapor no momento para garantir que o fim da safra de tomate deste ano – que começa geralmente em julho e se encerra em outubro – esteja perfeita. “Estamos no “pico” da safra”, diz Paschoal.
Além do trabalho de sua equipe, a Heinz conta com o apoio de produtores de Goiás para obter os tomates que utiliza em sua produção – a multinacional não possui fazendas, mas compra os frutos de terceiros.
Um desses produtores é a Fazenda Cupim, localizada em Cristalina (GO). Dos 1,7 mil hectares da propriedade, 350 hectares são dedicados exclusivamente ao cultivo de tomates específicos para utilização industrial.
Os frutos cultivados seguem o padrão de qualidade exigido pela multinacional. Os tomates da Heinz são menores do que o tomate de mesa, vendido nos supermercados e feiras, lembrando bastante o formato do tomate italiano. Apesar do tamanho menor, os frutos têm um sabor menos ácido e mais consistência.
“Você corta o tomate de supermercado e vê que ele tem muito líquido. Este tem pouco líquido dentro”, explica Ariel Grunkraut, o CEO, referindo-se aos produtos colhidos na Cupim.
“Ele tem uma consistência, que é a consistência ideal, principalmente para a gente produzir ketchup e produzir molhos de tomate”, complementa Lucas Paschoal, diretor de agricultura.
As diferenças do tomate convencional para o tomate industrial não estão apenas no formato: o processo produtivo também é diferente desde a origem, a começar pelas mudas utilizadas no campo, que utilizam cultivares desenvolvidas pela HeinzSeed, divisão de sementes da companhia, especialmente para a produção industrial, mirando maior produtividade.
Ao longo dos anos, novas sementes vão sendo introduzidas no campo e testadas periodicamente nas fazendas. “Nós estamos com mais de 30 sementes diferentes sendo testadas junto com os fazendeiros para que a safra do ano que vem já possa ser beneficiada dessas últimas novidades que foram desenvolvidas lá fora”, explica Grunkraut.
No cultivo, mais diferenças: todo o processo é feito de forma mecanizada, do preparo de solo e plantio à colheita – se diferenciando do tomate de mesa, que utiliza trabalho manual em seu processo de produção.
“A colhedora tem um seletor, que seleciona os melhores tomates. Aqueles tomates que não atendem, principalmente o parâmetro de cor, a gente deixa no solo para enriquecer a matéria orgânica, pensando em diminuir a utilização de fertilizantes nos próximos anos”, explica Paschoal.
Todo o processo produtivo segue padrões de sustentabilidade estipulados pela companhia. Os tomates nunca são cultivados no mesmo talhão onde foram plantados na safra anterior para que o solo não sofra perdas.
Além disso, no tratamento dos frutos, muito suscetíveis à pragas e doenças, são utilizados os habituais defensivos químicos, mas também produtos biológicos.
Na Fazenda Cupim, além dos tomates para a Heinz, também são plantadas outras culturas agrícolas como soja, milho e feijão. Para garantir a saúde do solo entre uma cultura e outra, são utilizadas culturas de cobertura como nabo, entre outras.
“Se você ficar plantando sucessivamente, ela vai acabar esgotando o solo com aquele nutriente. Então você faz a rotação para ter sustentabilidade”, diz Cristiano Denis, gerente geral da fazenda.
Todas as fazendas que produzem para a Heinz no Brasil possuem a certificação internacional Farm Sustainability Assessment, criada pela SAI Platform, organização dedicada ao avanço da agricultura sustentável na cadeia de abastecimento alimentar.
“Somos a única operação da agroindústria, do segmento de tomates no Brasil, que tem essa certificação”, diz Paschoal.
Feita a colheita, os produtos seguem em caminhões para as fábricas da Heinz. Como os tomates são muito perecíveis, as plantações precisam estar sempre próximas das unidades industriais para que o transporte e o descarregamento dos frutos aconteçam rapidamente.
A transformação é feita em menos de 24 horas após a colheita. Assim que os caminhões chegam carregados de tomate à planta de Nerópolis, a carga de tomate é analisada para a avaliação de critérios como PH, quantidade de açúcar e a cor dos frutos.
Se passam na análise, seguem para o processo produtivo. Se forem rejeitadas, são encaminhadas diretamente à compostagem.
Depois, os frutos passam por um longo processo de lavagem até serem enviados para o processamento das pastas, que são transformadas em ketchups, mostardas e maioneses das marcas Heinz, Hemmer e Quero.
Cada bisnaga de 397 mililitros requer entre 9 a 13 tomates, a depender dos frutos utilizados. Depois de fabricado, são remetidas para os CDs da companhia em Goiás e Santa Catarina para posterior comercialização.
Rápido crescimento
Apesar de o ketchup Heinz ser o preferido dos consumidores americanos, comercializado desde o longínquo ano de 1876 nos Estados Unidos, a marca chegou ao Brasil apenas em 2013, após a empresa ter comprado, dois anos antes, a Quero Alimentos, companhia de molhos, condimentos e conservas, por R$ 1,2 bilhão em valores da época.
A marca rapidamente ganhou força no mercado nacional, desbancando concorrentes estabelecidos há mais tempo no mercado como a multinacional Hellman’s, da Unilever, e a brasileira Cepêra.
Mais recentemente, a companhia adicionou ao seu portfólio as marcas Hemmer e BR Spices, adquiridas em 2021.
Mesmo com um catálogo robusto nas gôndolas, ainda falta um tempero a mais, na avaliação de Grunkraut. “Quando a gente olha o potencial das marcas que a gente tem no Brasil, elas estão muito subdesenvolvidas”, avalia Grunkraut
“O ketchup Heinz, por exemplo, já é a marca de ketchup mais vendida no Brasil. Só que o ketchup é um produto que está presente hoje em 80% dos lares brasileiros e a Heinz só está presente em 18%. Por isso vemos que, mesmo sendo a marca preferida e líder em market share, tem muita oportunidade de destravar mais valor no Brasil todo”, explica Grunkraut.
“É a marca que mais cresce, que é a marca número 1 no mundo inteiro, só que ela não está presente onde ela deveria estar.”
A ideia é também tornar a Hemmer mais conhecida nacionalmente. “A Hemmer é muito forte no Sul do Brasil, mas ela ainda é pouco conhecida em São Paulo, Rio, Minas, Mato Grosso… Norte, Nordeste, menos ainda”, avalia o CEO.
Empresa tradicional de Blumenau (SC), conhecida principalmente pelas mostardas que produz, a Hemmer foi adquirida pela Heinz em 2021 e ainda está em processo de integração à empresa.
Situação semelhante vive a BR Spices, empresa de temperos com sede em Jandira (SP), comprada pela Heinz também há quatro anos. “A marca BR Spices é uma marca maravilhosa, muito concentrada em São Paulo, e ninguém conhece [fora da capital paulista]”, diz.
Mesmo na Quero, marca estabelecida desde os anos 1990, Grunkraut vê possibilidades de crescimento. “É uma marca muito conhecida no Centro-Oeste, Norte e Nordeste, mas que não é tão forte no Sul e no Sudeste, só que ela é bastante complementar [à estratégia da companhia].”
Pela necessidade de integração e maximização do valor dessas marcas, novas aquisições não estão a caminho no momento, diz Grunkraut. A ideia da companhia no Brasil, segundo ele, é se concentrar nas quatro marcas que possui – Heinz, Hemmer, Quero e BR Spices – para expandir suas operações no País.
“Nós temos quatro fábricas no Brasil com muitas oportunidades. Temos que ainda entregar valor nessas últimas aquisições que a gente fez”, avalia o CEO da companhia no País.
Grunkraut não divulga números de investimentos, mas afirma que a companhia aportou mais de R$ 1 bilhão em suas plantas de Goiás e Santa Catarina. “Todo ano tem capex, mas o número não é fixo. Às vezes, um novo produto, com uma nova linha, exige mais investimentos em determinado ano, por exemplo”, diz.
Nessa linha de geração de valor, uma das estratégias da companhia envolve dobrar seus investimentos em marketing neste ano, diz Grunkraut, ainda que sem citar números concretos.
A Kraft Heinz está com novas campanhas publicitárias da Heinz no mercado – reforçando a marca frente aos seus concorrentes – além de ter patrocinado a final do reality show Master Chef, franquia internacional cuja versão brasileira é produzida pela TV Bandeirantes, e de lançar uma edição limitada da maionese Heinz comemorativa de Halloween.
À espera da cisão
Se Kraft Heinz se diz satisfeita com seus resultados no Brasil, globalmente, a companhia continua registrando números fracos. No primeiro semestre deste ano, por exemplo, registrou uma queda de 4,8% em suas vendas orgânicas, recuando para US$ 12,3 bilhões.
Na categoria de mercado emergentes, que abrange Ásia e países da América Latina, o indicador foi positivo, com alta de 5,7% nas vendas, chegando a US$ 1,392 bilhão. Houve crescimento de dois dígitos no continente latino-americano no segundo trimestre, explicou a Kraft Heinz na apresentação a investidores.
Mas os resultados da operação latina não foram capazes de estancar a crise na companhia, que vai passar por uma grande transformação até o ano que vem, quando vai se dividir em duas empresas em uma tentativa de reorganizar a casa.
O movimento representa um ponto final na fusão entre Kraft Foods e Heinz, idealizada em 2015 pelo megainvestidor Warren Buffett e pelo trio do 3G Capital – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles.
A história começou quando Buffett, líder da firma de investimentos Berkshire Hathaway, e o trio do 3G se uniram para comprar a Heinz, em 2013. Dois anos depois, Buffett e os brasileiros do 3G conseguiram fundir as duas empresas com a promessa de criar a quinta maior empresa de alimentos e bebidas do mundo na época.
Mas os planos não saíram conforme o esperado, talvez pelo gigantismo da Kraft Heinz – desafiando a política de corte de custos e maximização de ganhos adotada pelo 3G Capital nas empresas que mantém participação – e também por uma tendência crescente dos consumidores nos últimos anos de buscar alimentos associados à ideia de saudabilidade.
“Não é mais possível construir algo no negócio de alimentos como fizemos no ramo de cerveja. Tentamos, não deu certo e vamos consertar”, chegou a dizer Lemann em 2019, em referência ao sucesso em termos de gestão e receita alcançados pelo 3G com a Ambev.
Tentativas vieram, com trocas de CEOs e venda de ativos, mas o 3G deixou o board da companhia e foi diminuindo progressivamente a posição na companhia até zerá-la no fim de 2023, quando vendeu os 16,1% restantes.
Já a Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, ainda é a maior acionista da Kraft Heinz, com uma participação de 27,5% na companhia, que tem um valor de mercado estimado hoje em cerca de US$ 30,8 bilhões.
No início do mês, logo após a cisão ter sido anunciada, Buffett disse, em uma entrevista à rede CNBC, que a fusão não será capaz de resolver os problemas da empresa.
Resta aguardar os próximos passos da reorganização, mas, se depender do Brasil, a operação global da “nova” Kraft Heinz deve ter um importante incremento.
O repórter viajou a convite da Kraft Heinz.
Resumo
- Com novo CEO, Ariel Grunkraut, filial brasileira da multinacional americana ganha relevância em meio a processo global de cisão
- Kraft Heinz deve reforçar operação comercial de marcas como Heinz, Quero, Hemmer e BR Spices, depois de tornar o País autossuficiente no fornecimento de tomates
- Companhia anunciou há algumas semanas que vai se dividir em duas, mas mudança não deve ter impactos em seus negócios no País