Exatamente às 18h25 desta terça-feira, 25 de março, a juíza da 4ª Vara Cível da comarca de Sinop (MT), Giovana Pasqual de Melo, decretou mais um revés na luta do Grupo Safras para buscar uma solução para sua grave crise financeira.

Em um despacho suscinto, de apenas seis páginas, a magistrada indeferiu um pedido de tutela cautelar, protocolado na sexta-feira, 21 de março.

Assim, frustrou a intenção do conglomerado – que possui negócios nas áreas de originação, comercialização e processamento de grãos, além de usina para a produção de biodiesel –, que buscava impedir seus credores de “procederem com constrições, bloqueios, retiradas, reintegrações de posse, busca e apreensão ou quaisquer outras medidas que prejudiquem o funcionamento dos requerentes” – no caso, as três empresas que formam o grupo, a Safras Agroindústria, a Safras Bioenergia e a Safras Armazéns.

Negou também outra solicitação do Safras que constava na petição, assinada pelo advogado Elias Mubarak Junior e obtida pelo AgFeed, para que fossem suspensos os efeitos de uma decisão da 1ª Vara Cível de Cuiabá, que na semana passada determinou a reintegração de posse de uma esmagadora de grãos, pertencente à empresa Carbon Participações, mas subarrendada ao Grupo Safras.

Segundo a juíza, “não se encontram preenchidos os requisitos legais e objetivos indispensáveis à concessão da medida excepcional”.

Ela considerou indevida a tentativa de utilização da lei que rege a recuperação judicial e as falências para paralisar os efeitos da reintegração de posse, mas, ao final de sua decisão, abriu as portas para que, no mesmo processo, o Safras ingresse com o pedido de RJ.

“Por economia processual, faculto às requerentes que emendem a petição inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, formulando pedido adequado de recuperação judicial, se assim entenderem pertinente”, escreveu.

Para os advogados do grupo, o “evento recente grave” da tentativa de reintegração de posse da esmagadora foi determinante para a busca da cautelar.

No documento, eles afirmam que o Safras é o operador da planta industrial e que, sem ela, a empresa corre “severo risco de solução de continuidade”.

O embroglio da planta industrial é complexo, mas apenas mais um entre os diversos que resultaram no buraco que engoliu o Safras.

Conforme mostrou o AgFeed em reportagem publicada na sexta-feira, em torno dessa planta se formou uma esteira de arrendamentos e subarrendamentos, contestada agora pela Carbon, que passou para o seu controle ao assumir a massa falida da empresa Olvebra Indústria e Comércio.

Em seguida, a Carbon arrendou-a para a Allos Participações, que, segundo o processo, repassou a posse da unidade para a Copagri, adquirida e incorporada pelo Grupo Safras em 2023. Já o Safras teria também subarrendado novamente, agora pra a trading Engelhart, pertencente ao banco BTG Pactual.

Segundo o pedido de cautelar protocolado agora, o Safras entrou em paralelo com um “procedimento de mediação perante a Câmara privada”, buscando uma solução junto à Carbon e a Allos.

A versão Safras da crise

A petição protocolada pelo Safras serve como uma resumo da versão do grupo para sua situação atual. No documento, o advogado faz um relato da história da empresa e elenca fatos que, segundo os administradores da companhia, a teriam levado ao limite da viabilidade econômica - e já aponta, de fato, para o caminho da RJ.

Constituído em 2010 por Pedro Moraes Filho e Dilceu Rossato, ex-prefeito de Sorriso, “dois empreendedores profundamente vinculados ao setor agropecuário”, o grupo calcou-se nas relações com produtores locais como base para sua rápida expansão.

“A relação de amizade entre os fundadores evoluiu para uma parceria empresarial sólida, alicerçada na confiança mútua”, diz o texto. E cita como filosofia central do negócio a “máxima adotada pelos fundadores: ‘primeiro, a gente faz amigos, depois a gente faz negócio’".

Pelo relato dos advogados, os problemas financeiros do Safras começaram a se revelar com a piora do cenário macroeconômico, nos últimos dois anos, sobretudo em função da oscilação do preço da soja.

“A queda exponencial do preço no primeiro semestre/2023 represou as ordens de venda do grão estocado nos armazéns”, argumenta o documento.

Outro ponto relevante, de acordo com a peça, foi a aquisição da empresa paranaense Copagri, também em 2023. Juntamente com ativos de armazenagem e o arrendamento da esmagadora, “houve a absorção de um passivo relevante pelo Grupo Safras, bem como diversos investimentos necessários na planta de esmagamento de soja, afetando diretamente o caixa da companhia”.

Chama a atenção também o fato de a companhia incluir entre os motivos de sua situação atual a dificuldade de seus gestores em integrar times e sistemas da Safras e da Copagri, “significativamente distintos”.

“Isso gerou colossal complexidade”, aponta a petição. “Embora se trate de algo da praxe da atividade empresarial, o que agravou a situação foi o fato de que a consultoria responsável pela estruturação e construção do desenho do SAP teve sua falência decretada na fase final de implementação do sistema”.

E prossegue: “Assim, em dezembro/2023, a companhia iniciou a operação no novo sistema com um desenho incompleto, gerando significativos prejuízos para a operação e contabilidade”.

Esse fato, segundo os advogados, “dificultou – para não dizer que quase inviabilizou” a consolidação das demonstrações financeiras da Safras Armazéns nos últimos dois anos.

“Hoje eles alegam que nem sabem para quem devem”, afirma ao AgFeed um produtor com créditos a receber do grupo. De fato, na petição o Safras informa à Justiça não ter conseguido, até o momento, consolidar a lista de credores.

Finalmente, o pedido de cautelar indica as dificuldades em acessar linhas de financiamento como outro ponto crucial para levar o Safras à condição de inadimplência em uma série de dívidas.

“Altos investimentos em capex da usina de etanol de milho e na esmagadora de soja sem a utilização de Project Finance contribuíram para prejudicar a situação de caixa do grupo e sua capacidade em honrar com despesas financeiras de curto prazo”.

De parceiro a vilão

A rede de relacionamentos construída pelos sócios explica o impacto e a mobilização em torno do caso na região de Sorriso.

Na petição, a causa é avaliada em cerca de R$ 145 milhões. Mas o próprio Safras admite que as dívidas do grupo superam R$ 1,5 bilhão, sendo 70% com vencimento de curto prazo.

No município, maior produtor de soja do País, especula-se que possa ser de mais de R$ 2 bilhões. “Isso sem contar uns R$ 500 milhões de gente que entregou soja a eles e não faturou”, afirma ao AgFeed um produtor rural que tem valores a receber do grupo.

A prática, segundo o agricultor, é comum na região. “Como o produtor rural paga imposto de renda sobre o que emiti de nota, eles entregam a soja para essas tipo a Safras e eles ficam com o crédito lá em grão. Aí, quando querem o dinheiro, emitem a nota e o cara paga”, conta ele. Para esse tipo de operação, não há documento, é tudo feito no fio do bigode.

“Então, os produtores estão perdidos, eles vão perder. O desespero em Sorriso é um negócio assim, você conversa com os produtores e só tem choradeira. Todo mundo tinha um tantão de soja faturado e um tantinho não faturado. De cada 10 pessoas com quem você fala, 5 ou 6 tinham alguma coisa lá”.

Assim como os números, as versões que se ouvem nas conversas com credores e produtores locais diferem do que apresenta a petição protocolada pelo Safras.

O rumoroso caso da esmagadora é um exemplo. Para muitos que entregaram sua soja à empresa, quem opera de fato hoje a planta é a Engelhart, do BTG Pactual, e não o Safras, como diz o documento.

No fim da semana passada, um oficial de justiça esteve no local para notificar a companhia sobre a decisão de reintegração de posse.

Lá, segundo um dos credores ouvidos pelo AgFeed, ele teria ouvido de um dos funcionários: “O Safras não tem mais nada aqui, aqui é tudo BTG hoje”.

Isso, segundo esse credor, que acompanha de pertoi a evolução do processo, seria relatado no auto de constatação do oficial de justiça.
A relação do Safras com o BTG Pactual é outra questão ainda a ser esclarecida. Na cidade, uma história corrente é a de que a trading controlada pelo banco teria feito uma proposta de aquisição do grupo em 2023, que teria sido recusada pelos sócios do Safras.

A partir de então, a conversa teria evoluído para o arrendamento de armazéns e o subarrendamento da planta de esmagamento em Cuiabá. “Na verdade, eles venderam armazéns dois armazéns para o BTG”, diz o credor, que não quis se identificar.

O AgFeed obteve cópia de documento em que, de fato, as duas partes negociam um acordo comercial. Nele, o Safras se compromete a ceder a operação de pelo menos 50% da operação da unidade ao BTG Pactual, que, por sua vez, ficaria responsável pela aquisição de toda a soja originada pela companhia.

Procurada pelo AgFeed já no escopo da reportagem sobre a reintegração de posse, a Engelhart afirmou em nota que “nunca foi responsável pela operação da fábrica” e que mantinha um contrato de prestação de serviços para o processamento de soja, “sendo a operação de total responsabilidade do fornecedor”.

A relação com a Flowinvest

Também pairam questionamentos e rumores sobre outro relacionamento do Safras, este com o fundo de investimentos paranaense Flowinvest.
Para muitos, a Flowinvest seria hoje a verdadeira controladora do grupo e estaria por trás das decisões recentes da gestão do Safras.

“Eu cheguei a ser procurado pela Flow recentemente para renegociar as dívidas do Safra”, aponta um credor ao AgFeed.

Circula em alguns grupos de produtores e empresários locais a cópia da minuta para a elaboração um memorando de entendimento, a que a reportagem teve acesso, oferecendo à Flowinvest a opção de compra de 60% do Safras.

A data do documento é de 17 de janeiro de 2025, mas ele aponta que a relação é mais antiga, vindo pelo menos desde meados do ano anterior.

Procurado pelo AgFeed, o CEO da Flowinvest, Luiz Henrique Wolf, negou que o fundo tenha interesse em assumir o controle do Safras. " Nosso objetivo é receber o nosso crédito e continuar apoiando a empresa em suas atividade e potencial crescimento da empresa", afirmou, em mensagens encaminhadas à reportagem.

Segundo ele, as negociações do grupo com credores "não fracassaram".

"Estamos em contato continuo com a empresa e outros credores para encontrar a melhor alternativa para todos. Sempre acreditamos que quando a reestruturação é boa para empresa se torna consequentemente boa para os credores e a continuidade do negócio".

A sede da Flowinvest fica em Maringá, no Paraná. É para lá que os escritórios do Safras foram transferidos recentemente, no bojo de uma tentativa de reestruturação que seria comandada pelo executivo Carlos Eduardo de Grossi Pereira, o Cacá.

No início de fevereiro passado, ele contou ao AgFeed que havia sido chamado por Pedro Morais Filho para essa missão, abrindo mão da posição de vice-presidente da GT Foods, gigante do setor avícola.

Hoje, Cacá já não está mais na empreitada.

Segundo credores ouvidos pelo AgFeed, Dilceu Rossato teria também se mudado para Maringá, para ficar mais longe da pressão dos antigos parceiros de negócios de Sorriso.

Ainda de acordo com os credores, ele e o sócio Moraes Filho teriam transferindo bens para os nomes das ex-esposas, de forma a proteger o patrimônio.

O AgFeed tem procurado por ambos através dos advogados que os representam nas diferentes causas, seja a da reintegração de posse, seja no pedido de cautelar. Na terça-feira, o escritório de Elias Mubarak Junior informou que o advogado só se pronunciaria a partir desta quarta-feira.

A expectativa é que, diante da rejeição de seu pedido, o Safras busque uma nova alternativa para obter proteção judicial contra execuções.
Enquanto isso, a tensão aumenta no Mato Grosso. “Acho que vai ser o maior escândalo de calote do agro do Mato Grosso nos últimos 25, 30 anos”, afirma um produtor lesado.

“Vai ser muito grande, porque, como tem fundos e CRAs associados ao Safras e à Copagri, isso vai envolver CVM, isso vai envolver o controle financeiro nacional. Eu acho que isso vai ser muito ruim”.

Com reportagem de Gustavo Porto.