Faltando duas semanas para a Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola do Brasil, a gigante mundial de máquinas agrícolas John Deere se apressou em apresentar ao mercado o que terá de novo para conquistar o produtor brasileiro e lidar com o ano desafiador, especialmente no setor de grãos.
Um dos destaques é o produto que já é comercializado nos Estados Unidos, o chamado See & Spray, que consiste atualmente em uma espécie de kit de hardware e softwares capazes de identificar com precisão onde estão as plantas daninhas e só aplicar o herbicida no local e na quantidade necessária.
O sistema é composto de câmeras instaladas nos bicos dos pulverizadores que identificam, por meio da diferenciação de cores, por exemplo, onde há presença de erva daninha. Desta forma, os bicos e jatos são acionados individualmente para uma aplicação seletiva e um tratamento localizado.
As culturas em linha também podem ser extraídas pelo pulverizador, permitindo o tratamento direcionado das ervas daninhas localizadas entre as linhas.
“Nós já vendemos essa tecnologia nos Estados Unidos, mas defensivos lá são diferentes, por isso estamos fazendo a venda agora no Brasil, a partir da Agrishow, mas será por enquanto um lote limitado, para os primeiros interessados, assim os produtores podem receber as orientações sobre o uso correto desta tecnologia”, disse ao AgFeed o diretor de marketing da John Deere para a América Latina, Rodrigo Bonato, após um almoço com jornalistas em São Paulo.
O executivo diz que o potencial desta tecnologia é atingir “100% de adoção”, já que vai ser vendido como kit, então pode ser acoplado aos antigos pulverizadores ou ao adquirir um novo. A linha disponibilizada chamada “Select” abrange tratamentos pré e pós emergentes.
Este é um dos motivos para a decisão da John Deere de fazer um investimento na fábrica que já possui em Catalão, no estado de Goiás, onde são produzidas colhedoras de cana e pulverizadores.
A empresa não deu detalhes sobre o investimento, já que o anúncio está marcado para o próximo dia 22 em uma cerimônia com o governador Ronaldo Caiado. O valor do investimento também não foi revelado. Desde junho do ano passado, a John Deere já anunciou mais de R$ 500 milhões em investimentos no Brasil, incluindo a compra de terrenos e melhorias nas unidades.
Bonato disse que o projeto de Goiás inclui a produção de pulverizadores que saiam da fábrica já com o See & Spray instalado, o que deve ocorrer “daqui a alguns anos”. Até lá seguirá o modelo de venda de kit, em separado. O custo não será apenas por adquirir o produto mas sim proporcional ao uso da tecnologia e a economia gerada por ele.
Segundo a John Deere, este sistema é capaz de reduzir em mais de 90% os gastos com defensivos. “O índice mais baixo atingido com o uso da tecnologia trouxe uma economia de 53%”, afirmou Bonato.
“O custo do herbicida na agricultura brasileira é muito alto, muito maior que nos EUA, porque aqui há maior pressão de erva daninha, por isso acreditamos que todo o produtor que tem pulverizador vai querer colocar essa tecnologia”, acrescentou.
Outro destaque na edição deste ano da Agrishow será “a maior colheitadeira do mundo”, a X9, que no ano passado foi mostrada mas ainda não estava sendo comercializada.
A venda no Brasil, porém, também será restrita a um lote de 50 unidades. O produto é fabricado nos Estados Unidos e os primeiros clientes que fecharem a compra serão levados até lá para receber o produto.
Ajuste de produção
O diretor de vendas da John Deere Brasil, Marcelo Lopes, que também participou do encontro com os jornalistas, ressaltou que nem tudo está ruim para o agro este ano, citando o bom momento da cana, por exemplo. Não por acaso a fábrica que receberá o anúncio de investimentos na próxima semana também está relacionada ao segmento canavieiro.
De qualquer forma, Lopes admitiu que espera uma retração no mercado em 2023 entre 5% e 10%, principalmente pelo comportamento do produtor de grãos que espera uma melhora no preço de produtos como a soja e também confia na queda da taxa de juros ao longo do ano, adiando investimentos.
“Esta ligeira redução nas vendas em relação ao ano passado faz com que a John Deere precise ajustar a produção e também os estoques”, afirmou Marcelo Lopes, ao AgFeed.
No mês de março a multinacional anunciou um “layoff”, ou seja, uma paralisação das atividades, a princípio por 60 dias, em sua fábrica de Horizontina, no Rio Grande do Sul.
“Mas o ajuste ocorreu em todas as fábricas”, admitiu o diretor de vendas, afirmando que a expectativa era de que o primeiro trimestre fosse melhor, o que não se confirmou.
Ele explica que em cada localidade a empresa optou por um modelo de ajuste, pois com altos estoques nas redes de concessionárias era necessário reduzir produção.
“Algumas param por alguns dias, outras reduzem ritmo e levam assim ao longo de um certo tempo”, explicou. A orientação vale para os principais produtos, exceto “para a colhedora de cana, que está em um momento a parte”, reforçou o executivo.
Sobre o lançamento de novas tecnologias na Agrishow, Lopes disse que podem ajudar na motivação do agricultor em seguir investindo, porém, a expectativa é de que tragam mais benefícios nos próximos anos, garantindo um portfólio mais forte, “sem um impacto tão relevante e imediato em vendas”.
“Democratizando” plataformas digitais
O diretor de marketing da John Deere também destacou que o software de gestão de fazendas oferecido pela empresa, o “Operations Center”, que funciona para máquinas e aplicações, está passando a operar num modelo semelhante ao “open banking”, quando o cliente pode monitorar em apenas um aplicativo os dados de contas bancárias de instituições diferentes.
“Nós temos várias empresas conectadas, estamos por exemplo anunciando agora com a Totvs, o produtor que tem o ERP dele, antes precisava digitar manualmente dados de colheita ou de aplicação, agora poderá fazer o upload diretamente lá”, explicou.
Com um único aplicativo, segundo Rodrigo Bonato, o produtor conseguirá monitorar dados de toda a frota dele, inclusive dos fabricantes concorrentes da John Deere.
“O nosso operations center é como se fosse o teu Android ou IOS, é a plataforma de conexão, aí você cria vários aplicativos que se conectam a tua base de dados”, disse ele.
A empresa informou ainda que vai lançar na Agrishow o que chama de “John Deere Precision Upgrades”. É um recurso que permite que tecnologias avançadas sejam aplicadas em equipamentos da marca de gerações anteriores, bem como de outros fabricantes ou, até mesmo, caminhões utilizados na logística da fazenda.
A estratégia de atualização, segundo a companhia, está relacionada às metas de avançar na conectividade. A John Deere já possui 650 mil máquinas conectadas globalmente e a expectativa é alcançar 1,5 milhão até 2026.
Etanol e biodiesel
A John Deere anunciou que mostrará na Agrishow 2024 um motor a etanol com capacidade de 9 litros que ainda está na fase de “conceito”, mas começará a ser testado no interior do Brasil ainda este ano.
O anúncio do desenvolvimento de um motor a etanol foi feito globalmente no ano passado, durante uma feira, na Alemanha. A multinacional tem como foco ajudar empresas no processo de descarbonização não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos, que é grande produtor de etanol de milho.
Rodrigo Bonato ressaltou, porém, que os testes em campo, se derem certo, podem viabilizar o lançamento comercial de máquinas movidas a etanol daqui a alguns anos. Ele diz que se houver qualquer intercorrência, quando o produto for exposto as condições de clima e temperatura do Brasil, em campo, poderia haver retrocessos, por isso prefere não estimar quando este tipo de trator começa a ser vendido no País.
O executivo também conversou com o AgFeed sobre as possibilidades em relação ao uso de 100% de biodiesel em tratores e colheitadeiras. Segundo Bonato, uma das fazendas da Amaggi vai operar com B100 em toda a sua frota, já a partir do plantio da safra 2024/2025, o que será um importante teste.
“O Brasil sendo o maior de soja no mundo, é muito fácil pensar no uso de biodiesel, mas é uma questão de adaptação da indústria, precisa ser um biocombustível de qualidade mais elaborada, será uma questão de demanda e oferta, mas tem um potencial muito grande, pode chegar a revolucionar a frota brasileira”, avaliou o diretor.
Caso os testes sejam bem sucedidos no projeto da Amaggi, a expectativa é que a opção do B100 seja oferecida a outros clientes, mas uma comercialização mais ampla também deve levar alguns anos, segundo ele.
“Estamos tranquilos em relação ao funcionamento do motor, o teste é muito mais relacionado à questão da durabilidade, ver se ela fica como o planejado”.