Indaiatuba (SP) - A John Deere teve um ano complicado, assim como todo o setor de máquinas agrícolas. Precisou demitir mais de 3 mil funcionários ao redor do mundo e viu seu faturamento recuar.

No Brasil, a companhia não quis puxar o freio de mão por completo, ainda que tenha reduzido sua velocidade.

Por aqui, a John Deere também precisou demitir pessoas - em setembro, dispensou 150 pessoas em sua fábrica de colheitadeiras de Horizontina (RS) - e passou a operar com capacidade reduzida.

Em contrapartida, a multinacional norte-americana manteve a construção de um projeto, anunciado há um ano, que sinaliza que de fato está apostando suas fichas na agricultura brasileira.

A partir da próxima semana, a empresa vai iniciar as atividades do seu primeiro centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação no Brasil, na cidade de Indaiatuba (SP), a 99 quilômetros da capital paulista, onde a John Deere possui duas fábricas.

Um grupo de jornalistas participou do lançamento oficial nesta quinta-feira, 5 de novembro, que também contou com a participação de representantes do governo do estado de São Paulo e do governo federal.

A estrutura, que ocupa um espaço de 500 mil metros quadrados, foi construída ao longo do último ano. É a primeira do tipo erguida pela companhia na América Latina. Até então, a John Deere tinha centros de pesquisa e inovação nos Estados Unidos e na Europa.

“Quando nós entendemos que os centros de engenharia dos Estados Unidos e da Alemanha estavam sendo altamente demandados pelas nossas necessidades, vimos a necessidade de ter o nosso próprio centro de pesquisa”, afirmou Antonio Carrere, vice-presidente de vendas e marketing da John Deere no Brasil.

Ao todo, 110 pessoas vão trabalhar no novo empreendimento, que custou R$ 180 milhões aos cofres da companhia, investimento feito inteiramente com recursos próprios.

Com a criação do centro de pesquisa, a ideia da companhia de máquinas e equipamentos é conseguir desenvolver tecnologias mais adequadas ao contexto latino-americano, segundo Cristiano Correia, vice-presidente de Sistemas de Produção da John Deere para a América Latina.

“No Brasil, com a agricultura tropical, temos duas safras. Entre você colher a primeira safra e ter a capacidade de colher a segunda safra, há uma janela muito curta e muitas vezes, chovendo. Isso não é uma realidade nos Estados Unidos, por exemplo”, afirmou Correia ao AgFeed.

Nos últimos anos, já desenhando produtos específicos para as necessidades do mercado brasileiro, a companhia lançou uma colhedora de cana de duas linhas CH950, especificamente para atender ao setor sucroalcooleiro, e uma colhedora de grãos desenhada especificamente para pequenos e médios produtores.

A intenção agora é alavancar a criação de produtos específicos para o mercado brasileiro.

“Vamos desenvolver cada vez mais tecnologias com características que os nossos clientes precisam por engenheiros, agrônomos brasileiros, gente que conhece o Brasil”, acrescenta Correia.

Em paralelo, a companhia também continuará a adotar tecnologias desenvolvidas fora do Brasil em sua operação nacional.

É o caso, por exemplo, de uma parceria com a famosa rede de internet via satélite Starlink, da empresa SpaceX, de Elon Musk.

A John Deere vai instalar em cima da cabine de suas máquinas equipamentos capazes de se comunicar com os satélites.

Dessa forma, em locais onde não há sinal de internet local, as máquinas poderão ser acompanhadas em tempo real, melhorando a produtividade e fomentando a agricultura de precisão.

A companhia tem feito testes e, a partir de janeiro, começará a colocar esse projeto oficialmente em operação, que está sendo realizado no Estados Unidos e no Brasil.

“Muito da tecnologia, parte do que existe hoje e muito do que está por vir, dependerá de conectividade para enviar e receber dados das máquinas, para se comunicar com as máquinas, para os clientes se comunicarem entre si nos equipamentos e para as concessionárias se comunicarem com os clientes nos equipamentos”, afirmou Jahmy Hindman, CTO global da John Deere, que esteve presente no lançamento do centro de pesquisa, ao AgFeed.

Pelas dificuldades de acesso à rede que possui e pela dimensão territorial, o Brasil é parte relevante desse projeto, segundo Hindman.

“Há desafios de conectividade com os agricultores nos Estados Unidos também, mas isso é mais prevalente no Brasil. Por aqui, há mais agricultores enfrentando esse tipo de problema”, afirmou.

“Além disso, também há o problema de escala aqui. São muito mais hectares cultivados por fazenda do que nos Estados Unidos. O tamanho das operações pode ser maior e, como consequência, a logística de como gerenciar essas grandes operações se torna mais importante”, emendou o CTO global da companhia.

Cenário para 2025

Depois de já ter recuado em 2023, o setor de máquinas agrícolas chegou ao fundo do poço neste ano, ao registrar uma queda de 25% em seu faturamento, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), influenciado pela baixa das commodities.

Para o próximo ano, a tendência é de que o setor volte a registrar crescimento, ainda que modesto.

Antonio Carrere, o VP de vendas e marketing, também disse esperar que o ano seja de “estabilidade”. “A indústria no Brasil deve estar similar em 2025 ao que foi em 2024”, afirma.

Outros mercados devem sofrer mais em sua avaliação. “Deve haver um recuo grande, de dois dígitos nos Estados Unidos, por exemplo, e na Europa.”

Ele evitou, porém, fazer comentários sobre números de vendas e faturamento da John Deere e se limitou a dizer que a perspectiva global da empresa é de que os resultados sigam enfraquecidos ao redor do mundo.

“Nós já projetamos que os resultados de 2025, de forma absoluta, vão ser piores que o de 2024”, afirmou ele.

A escalada do dólar, por sua vez, que vem operando na faixa de R$ 6 nos últimos dias, é um ponto de atenção para a operação no Brasil.

De um lado, a cotação de fato beneficia os produtores pela valorização dos ganhos vindos das commodities. Mas de outro, destacou ele, o câmbio pressiona a indústria, que acaba pagando mais caro nos insumos para a fabricação de seus produtos.

“A variação cambial gera um estresse muito grande para a indústria. Hoje a desvalorização do real gera prejuízos e gera estresses desnecessários para a empresa”, admitiu Carrere.

Mesmo essa situação não parece tirar o ânimo da operação brasileira da John Deere. Um indício disso é que a companhia projeta fazer o maior lançamento de produtos da sua história no ano que vem, durante a próxima edição da Agrishow, em Ribeirão Preto (SP).

“Vamos trazer colheitadeira de grãos, vamos trazer pulverizadores novos, e vamos reforçar plantadeiras que nós lançamos no Agrishow do ano passado. São vários produtos impactando positivamente várias cadeias de produção, soja, milho, algodão, cana-de-açúcar”, afirmou,

Esses lançamentos, e também o próprio projeto do centro de pesquisa, estão dentro de um plano da companhia de investir aguardando um momento de retomada de ciclo agrícola e, por consequência, de dias melhores para o setor de máquinas.

“Nós já estamos investindo para quando o ciclo retome, que nós entendemos que vai retomar em algum momento do tempo, nós já vamos estar preparados”, disse.

O repórter viajou a convite da John Deere