Os nomes, as empresas e a propriedade envolvidos na transação são estelares. Ainda assim, o negócio foi feito de forma discreta, sem nenhum alarde, como preferem os seus protagonistas.
O comprador é José Batista Júnior, também conhecido nos meios da pecuária e da política como Júnior Friboi. Ex-presidente e ex-acionista da JBS, ele é filho de José Batista Sobrinho, fundador do maior grupo de alimentos com base em proteína animal do mundo, e irmão de Joesley e Wesley Batista, que comandam a holding familiar J&F.
A aquisição foi feita através da JBJ Investimentos, holding que reúne os negócios de Júnior, entre eles a JBJ Agropecuária, dona de uma das maiores operações de confinamento e um dos maiores vendedores de gado para abate no Brasil.
Do lado vendedor está outro clã ilustre no meio empresarial brasileiro. Os irmãos Pedro e Alexandre Grendene comandam uma potência da indústria calçadista, mas também deixaram sua marca, nas últimas quatro décadas, como pecuaristas de elite.
Donos da Nelore Grendene, eles formaram um plantel de primeira linha para a comercialização de genética da raça dominante na pecuária de corte no País.
Por fim, o objeto da operação concluída recentemente entre as partes: a Fazenda Ressaca, propriedade emblemática e centenária localizada no município de Cáceres, no Mato Grosso.
Rumores sobre a negociação entre as partes começaram a surgir na região ao longo da semana passada. A reportagem do AgFeed confirmou com fontes próximas às empresas que um acordo foi fechado.
A informação também foi ratificada ao site Portal Mato Grosso pelo gerente da Nelore Grendene, Ilson Corrêa.
Não há informações sobre valores, mas eles certamente chegam à casa das centenas de milhões de reais. Considerando o valor médio do hectare na região de Cáceres, em torno de R$ 16,3 mil, os 37,5 mil hectares da Ressaca, valeriam mais de R$ 610 milhões.
A propriedade está, no entanto, bem além da média dos imóveis rurais brasileiros. Erguida às margens do rio Paraguai, trata-se de um ponto de referência no meio da pecuária, seja pela beleza e qualidade de suas instalações, seja pelo resultado da produção realizada ali.
A Ressaca é hoje uma verdadeira usina produtora de touros PO, ou seja, de genética pura de origem Nelore, voltados para melhoramento de rebanhos em nível comercial.
A imponente sede começou a ser construída na virada do século 19 para o século 20 pela família espanhola Vilanova Torres, que pretendia erguer ali um moderno engenho para a produção de açúcar e álcool.
Para isso, mandaram trazer da Europa equipamentos da melhor qualidade, que chegaram ao local por via fluvial, depois de subirem os rios Paraná e Paraguai.
Suas paredes externas são forjadas com pedras cortadas a mão e possuem 1,20 metro de espessura. Os detalhes arquitetônicos são no estilo Art Deco.
Os irmãos Grendene compraram a propriedade em 1982. Ali, no ponto de transição entre os biomas Pantanal, Cerrado e Amazônia, costumavam realizar dois leilões anuais desses animais. Em cada um, chegavam a vender cerca de 1,5 mil touros.
Segundo o site da Nelore Grendene, a fazenda seria o coração do “maior projeto de genética PO do Brasil”. A propriedade conta com laboratórios avançados e utiliza tecnologia de ponta para a seleção dos melhores animais para a reprodução. Cerca de 16 mil hectares são destinados à pecuária, em regime ILPF. Nos últimos anos, o grupo iniciou também o cultivo de soja.
O rebanho da empresa – que possui também propriedade em Andradina (SP) – é formado por 30 mil cabeças para produção em larga escala, 6 mil matrizes PO e 2 mil novilhas PO.
Maior do Brasil
A incorporação da Fazenda Ressaca é parte de um plano ambicioso de Júnior Batista. Segundo descrito no próprio site da JBJ Agropecuária, o projeto da empresa é ser “o maior grupo de gado de corte do Brasil”.
Ex-CEO da JBS, o empresário deixou o grupo fundado por seu pai – e que ele ajudou a transformar em uma gigante – em 2013, quando decidiu enveredar pelo meio político e vendeu sua participação na J&F aos irmãos. Júnior chegou a ser pré-candidato ao governo de Goiás em 2014.
Na época, dizia que pretendia se tornar investidor em diferentes negócios e declarou que não entraria em negócios concorrentes aos da família.
Mas a indústria da carne está em seu DNA e ele não demorou a regressar ao negócio. Na JBJ, incorporou uma dezena de propriedades rurais, nas quais atua com a pecuária em ciclo completo – cria, recria e engorda.
E, em 2014, adquiriu o frigorífico Mataboi Alimentos, depois rebatizado para Prima Foods, que hoje tem três unidades – em Araguari (MG), Santa Fé de Goiás (GO) e Cassilândia (MS).
A vocação de Júnior para o setor é inegável. A JBJ hoje é um colosso na produção de gado das raças Nelore e Angus. Nos confinamentos da empresa, com capacidade estática de 126 mil animais, são terminadas cerca de 200 mil cabeças por ano.
Uma parte desse rebanho é encaminhado aos frigoríficos próprios. A imensa maioria, entretanto, segue para os frigoríficos da JBS, de quem a JBJ é um dos principais fornecedores.
Os negócios entre as duas empresas são frequentes – e, por conta de regras de governança, comunicadas à CVM, já que a a JBS é companhia listada na B3 e a JBJ pertence a um familiar dos seus controladores.
Uma pesquisa aos arquivos do órgão regulador do mercado de capitais apontou que no ano passado, 13 “transações entre partes relacionadas” envolvendo os dois grupos foram comunicadas, sempre tratando da venda de gado para abate.
Os valores são vultosos: no total, foram R$ 412,3 milhões pagos à JBJ pela venda de gado para abate. Outros R$ 1,08 bilhão foram informados como “fornecimento de gado com entrega futura (180 dias)”.