Ninguém duvida do potencial do mercado de irrigação no Brasil. Comparado com outras grandes potências agrícolas, sobretudo os Estados Unidos, o País tem uma baixa relação de áreas irrigadas em relação ao total cultivado – e a certeza de que as incertezas climáticas vão ser a regra a partir de agora faz do uso controlado dos recursos hídricos uma necessidade cada vez mais óbvia aos agricultores.
Mas ninguém duvida, da mesma forma, de que o avanço da irrigação na agropecuária brasileira seria bem mais rápido se o capital necessário para investimentos nessa área não fosse tão escasso e caro e a infraestrutura necessária para a instalação de sistemas irrigantes, tão deficiente.
São problemas visto como oportunidades por Hiran Moreira e João Rebequi, experientes executivos egressos da Valmont, companhia americana que está entre as líderes desse mercado.
Os dois se desligaram quase que simultaneamente da multinacional – onde ocupavam, respectivamente, as funções de diretor agronômico no Brasil e vice-presidente global de Desenvolvimento e Estratégia – há cerca de dois anos. E embarcaram juntos em um conceito original: a irrigação por assinatura.
“É uma reunião de ideias e um propósito em comum que reuniu três pessoas”, afirma Moreira ao AgFeed. O terceiro na lista de fundadores da Iara, o negócio que os uniu, é Marcelo Godoy de Oliveira, controlador da Cogny, holding que tem sob seu guarda-chuvas empresas de insumos biológicos e biotecnologia, como Simbiose, Bioma, Biagro, Biograss e Biojet.
Foi a crença no mercado que fez Oliveira, profundo conhecedor do agro brasileiro, embarcar no projeto como uma espécie de sócio capitalista, aportando garantias que abriram portas para que o conceito conseguisse levantar os recursos necessários e, assim, fechar sua primeira etapa, como define Moreira, CEO da empresa, com números expressivos.
“Ele disponibilizou umas áreas que ele tem e entrou com a garantia real para que a gente conseguisse também um custo mais acessível para o capital”, diz Moreira sobre o sócio Oliveira.
Assim, a Iara fechará 2025 com 26 pivôs centrais operando em fazendas de seus “assinantes”, irrigando uma área total de cerca de 2,8 mil hectares nos estados de Goiás, Bahia, Pará, Piauí e Minas Gerais, além de um projeto na Argentina, junto a um fornecedor de batatas para a americana McCain.
A empresa aportou cerca de R$ 20 milhões nesses dois anos. “Estamos abrindo uma segunda etapa de mais R$ 20 milhões”, aponta.
“Estamos captando linhas de investimento junto a fundos, junto a parceiros que têm grande interesse de que a gente possa gerar esse financiamento”, completa.
Apenas para o ano que vem, a expectativa da Iara é investir mais 15 milhões, superando, em dezembro de 2026, os 40 pivôs instalados e se aproximando de 4 mil hectares irrigados.
Em cinco anos, a meta é chegar a 300 projetos ativos.
Além disso, o braço de consultoria da Iara já elaborou, segundo Moreira, mais de 80 mil projetos, que, se somados, seriam capazes de movimentar aproximadamente R$ 2 bilhões no mercado de equipamentos de irrigação.
O modelo de assinatura adotado hoje pela companhia começou a ser desenhado ainda nos tempos em que Moreira atuava na área de leasing da Valmont. Ele conta ter sido o responsável pela instituição dessas operações, que, em dois anos, foram responsáveis por mais de R$ 200 milhões em projetos de irrigação com pivôs na multinacional.
Na Iara, a irrigação por assinatura se assemelha ao leasing ou à locação de equipamentos, sistemas já usados por outras companhias e que vêm ganhando espaço no mercado por reduzir a necessidade de capex por parte do produtor para instalar equipamentos de alto valor em suas propriedades.
O projeto de irrigação, segundo Moreira, é o investimento mais alto que tem, em termos de maquinário, no agro. “Nossa empresa provê a parte toda de equipamentos dos projetos, ou seja, pivôs centrais, adutoras, motobombas, toda a parte de equipamento”, conta. “Isso pode significar até 80% do investimento do projeto”.
O diferencial está na possibilidade de o produtor rural optar por planos com diferentes combinações de prazos e serviços incluídos. Assim, os contratos, que variam de no mínimo três a até 10 anos, podem incluir desde somente a locação dos equipamentos para combos que trazem também a gestão da irrigação, manutenção preventiva anual, seguros e ferramentas de monitoramento hpidrico das propriedades.
“Temos uma plataforma de balanço hídrico e a gente configura as características dos coeficientes de uso de água das culturas, fazemos o monitoramento climático com a estação meteorológica, configuramos as características de crises hídricas e do solo e definimos a data de plantio”, explica.
“Podemos monitorar a quantidade de lâminas semanais e orientar como distribuir as irrigações com o melhor custo possível, considerando as diferentes tarifas de energia ao longo do dia”.
Outra opção de serviços, para as propriedades em que ainda não há infraestrutura energética necessária para a instalação dos sistemas de irrigação, inclui também um projeto de usina fotovoltaica.
Em média, segundo Moreira, os contratos fechados até agora variam de sete a dez anos.
A Iara passou ainda oferecer a alternativa de fazer operações de leaseback, em que compra o equipamento da fazenda e loca para o próprio agricultor.
A alternativa tem levantado interesse de irrigantes que precisam levantar capital para quitar dívidas de curto prazo ou têm interesse de investir em outro projeto e precisam de recursos.
Moreira conta, por exemplo, o caso de um cliente que passada por uma sucessão e estava definindo as fazendas que ficariam para cada filho.
“Um dos filhos dele precisava pagar um determinado valor para a irmã para ficar com aquela fazenda independente para ele. Para equacionar a questão, a solução foi remunerar a irmã vendendo todo o projeto de irrigação para a Iara. Nós compramos o projeto e ele nos paga a locação”.
Moreira discorre sobre outras possibilidades e vantagens da irrigação por assinatura. Cita que, para a pessoa jurídica que está no regime de apuração do imposto de renda por lucro real, todo o custo em locação é lançado como despesa – ou seja, o pagamento à Iara reduz o lucro operacional e, assim, a incidência do imposto de renda, revertendo um terço de todo o custo da locação através de dedução fiscal.
Outro caso é de um arrendatário, que quer ter o sistema mas não investir em uma terra que não pertence a ele. “Ele também ‘arrenda’, o pivô e, com isso, multiplica a geração de valor por hectare, dilui o custo do arrendamento dele, sem imobilizar recursos, nem buscar financiamento para aquilo”, diz.
Os exemplos demonstram, segundo ele, a flexibilidade do modelo e a praticidade de viabilizar, em prazos mais rápidos, a adoção da irrigação.
“Se o produtor entra hoje numa rota de financiamento pelo BNDES ou pelo Banco do Nordeste, por exemplo, é uma longa espera de meses”, explica.
No caso da Iara, como a aquisição do equipamento é feito pela própria empresa, que possui parcerias e convênios com fabricantes, ele afirma conseguir entregar o equipamento na fazenda em cerca de 60 dias.
A análise de crédito do agricultor é feita internamente – com o apoio da estrutura já existente na Simbiose, de Marcelo Godoy Oliveira. Esse é hoje, de acordo com Moreira, o grande desafio da empresa, mais até do que gerar demanda, que chega muitas vezes através de revendas e indústrias de equipamentos ávidas em viabilizar negócios.
“Como o equipamento é nosso, nós estamos locando, não faz sentido a gente pedir nada em garantia, como aconteceria se ele fosse buscar recursos em um banco”, afirma.
“Então, os bens ficam liberados para outros financiamentos e, concomitantemente, ele tem a oportunidade de ter o equipamento, instalado com o menor investimento possível, porque ele tem que investir em infraestrutura”.
Moreira acredita que, com a Iara, ele e os sócios estão apenas lançando as fundações para um novo mercado, que vai evoluir, com a criação de novos modelos de negócios e mais concorrência.
Uma possível evolução, já prevista em alguns casos, é a opção de compra pelo produtor ao final dos contratos, por um valor residual já pré-estabelecido. “Ele compra se ele quiser. Se ele não quiser, eu tiro o equipamento e levo para outra fazenda”, explica, diferenciando seu modelo do leasing tradicional usado, por exemplo, no mercado de veículos.
Com isso, a Iara fica qualificada como uma empresa de serviços de locação, e não de serviços financeiros, o que a submeteria a regulamentação do Banco central.
Para avaliar o potecnail de crescimento, ele faz analogias com o setor de locação de caminhões, por exemplo, que jpa responde por 3% da frota circulando no País.
“O Brasil é o país que mais tem fronteira, horizonte de crescimento em irrigação do mundo”, reforça. “São 55 milhões de hectares com potencial de irrigar”.
Hoje apenas 8 milhões de hectares são cobertos por algum sistema de irrigação, o que representa cerca de 15% desse potencial. Ainda assim, já temos o segundo maior mercado do mundo, atrás apenas
dos Estados Unidos.
“Só que com um perfil completamente diferente”, afirma Moreira. “O mercado de irrigação americano é mais de reposição. O nosso é de novos projetos. Então, é questão de anos o Brasil para passar, porque daqui a pouco virá também a parte de reposição”.
Resumo
- Criada por ex-executivos da Valmont e pelo controlador da Cogny, a Iara aposta na irrigação por assinatura para reduzir capex e ampliar o acesso a pivôs
- Modelo combina locação de equipamentos, gestão da irrigação, manutenção, seguros e até energia solar em contratos de 3 a 10 anos
- Empresa já opera 26 pivôs em 2,8 mil hectares, planeja investir mais R$ 20 mi e chegar a 300 projetos ativos em cinco anos