Num agro que tem aprendido a conviver com extremos climáticos, irrigação tem virado sinônimo de estabilidade. Depois de dois anos marcados por secas severas e veranicos longos, o setor se prepara para alcançar a marca de 10 milhões de hectares irrigados em 2025.

Esse avanço é ancorado em novos protagonistas. Segundo explicou ao AgFeed Bernhard Kiep, produtor rural e vice-presidente da Abimaq (onde é membro da câmara setorial de irrigação da entidade, a CSEI), diretor da Abramilho e ex-presidente da Maizall, culturas como laranja e café têm puxado a expansão neste ano.

“Nos últimos dois anos, com seca muito forte e com preços muito bons nessas culturas, estamos tendo uma expansão da área irrigada muito grande”, afirmou Kiep, que também é diretor da Bermad, empresa que atua em soluções de controle de fluxo e válvulas para irrigação.

Ele calcula que o crescimento nesses segmentos ultrapasse 50% em 2025, impulsionado por projetos de gotejamento e microaspersão.

Segundo Kiep, diferente dos pivôs, costumeiramente utilizados em culturas de grãos e de maior escala, o gotejamento e a microaspersão, utilizados na laranja e no café, tiveram um ano de 2024 muito bom, mas vivem “um 2025 fantástico”. “Ao meu ver vão ter um 2026 também muito forte”, acrescentou.

Ao mesmo tempo, o mercado de irrigação via pivôs não tem sido tão forte, apesar de mostrar um desempenho melhor do que o projetado, dado o ano de juros altos e escassez de crédito no mercado.

O Brasil deve bater a marca de 10 milhões de hectares irrigados depois de fechar em 2024 com 9,5 milhões de hectares com algum tipo de irrigação.

Do total de 2024, cerca de 3 milhões de hectares correspondem à irrigação de salvação, usada em canaviais; 1,5 milhão em sistemas de inundação; 3 milhões em pivôs centrais e outros quase 2 milhões em gotejamento e sistemas convencionais. O movimento é descentralizado e pulverizado, o que dificulta medições precisas, mas evidencia um ciclo de amadurecimento.

Os números foram calculados entre dados da Abimaq, da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) e de uma percepção de mercado do próprio Kiep.

“Em 2024, entre o mercado de pivô, gotejamento, carretel e aspersores, passamos para mais de R$ 7 a R$ 8 bilhões. Meu feeling é que, com o gotejamento em alta por conta da laranja e café crescendo e o mercado de grãos de pivô sem queda grande, podemos ter um faturamento maior neste ano”, afirmou.

“Como vendo válvulas para todo mundo, vejo um crescimento bom, de 2% a 3% neste ano, considerando uma projeção olhando minha carteira até dezembro”, acrescentou o diretor da Bermad, em relação ao tamanho do mercado em 2025.

Kiep relembra que o boom da agricultura entre 2021 e 2022, ancorado em uma valorização da soja e do milho, provocou uma corrida por pivôs centrais. “Naquele momento, houve um estouro de pivôs centrais e essas empresas cresceram muito rápido. Agora, vejo um crescimento quase igual no gotejamento, por causa da laranja e do café”, explicou.

A diferença é que, agora, o avanço ocorre num contexto mais técnico do que especulativo. “Hoje o agricultor no Brasil, além de ter uma quantidade de empresas fortes e de qualidade, não está atrás em tecnologia dos Estados Unidos ou de Israel”, afirma Kiep.

Fabricantes como Valley, Lindsay, Bauer e Krebs, nos pivôs, e Netafim e Rivulis, no gotejamento, dominam o mercado, e disputam espaço numa base de clientes cada vez mais diversa, que vai de pequenos produtores de café a grandes grupos de algodão.

O avanço do algodão ao longo dos anos, inclusive, ilustra o avanço da irrigação no País, que saiu de 3 milhões de hectares em 1995, há 30 anos, para o patamar atual, na opinião de Bernhard Kiep.

“Em menos de 20 anos o Brasil se transformou em um dos principais exportadores de algodão do mundo, por que soubemos usar a tecnologia. Sem irrigação não haveria o boom do algodão”, diz.

Ele relembrou quando, em 2003, levou Aurélio Pavinato - hoje CEO mas na época, gerente de planejamento da SLC Agrícola - junto de Júlio Busato, um dos maiores produtores de algodão do Oeste baiano, para uma excursão nos Estados Unidos.

Por lá, conheceram produtores da região do Texas que cultivavam a pluma com irrigação e notaram a segurança de produzir dessa forma.

“Na Bahia vemos áreas de 800 milímetros de chuva anuais. O algodão irrigado hoje é uma das coisas mais lucrativas que tem. Irrigação não é só pra ganhar mais, é principalmente pra não ter risco de perder tudo”.

A própria SLC parece saber disso e anunciou, em julho deste ano, um projeto de R$ 900 milhões para irrigar o oeste da Bahia, ampliando sua área irrigada de 16 mil hectares para 53 mil nos próximos anos.

A empresa calcula que a irrigação possa adicionar de R$ 6 mil a R$ 7 mil por hectare a cada safra, beneficiando sobretudo o algodão.

Na Fazenda Paysandu, em São Desidério (BA), por exemplo, áreas de algodão irrigado chegaram a 360 arrobas por hectare, contra 120 arrobas nas áreas de sequeiro, enquanto a soja subiu de 35 para 73 sacas por hectare, nos cálculos da SLC.

“A irrigação vai contribuir para mitigar riscos climáticos e maximizar o uso da terra com a produção em segunda safra”, informou a empresa em nota divulgada na época.

O tema da segurança é recorrente entre os produtores. Kiep, que mantém uma propriedade de 3 mil hectares em Itaberá (SP), resume de forma direta: “É igual ter um carro e não ter seguro”.

Ele conta que, na sua propriedade, em anos de chuva regular, a diferença entre áreas irrigadas e de sequeiro é pequena, mas em períodos de “veranico”, a produção debaixo do pivô chega a ser 2,3 vezes maior. “Na área irrigada, produzir você vai. Não é por falta de chuva”, afirma.

Kiep é produtor de grãos e pecuarista. Na agricultura, faz soja, milho e feijão no verão, a depender da safra. No inverno, aveia sorgo e milho. Ele ainda conta com áreas de eucalipto.

“Somos focados na integração lavoura-pecuária (ILP) e, em alguns casos, fazemos junto o eucalipto, mas não no meio do pasto”, diz. Dos 3 mil hectares, são 800 de agricultura e 1,2 mil de pasto, sendo o restante de mata nativa.

O rebanho é de 1,3 mil cabeças, e contando bezerros e garrotes, possui cerca de 3 mil animais. A área irrigada tem hoje 170 hectares.

Ele calcula que na temporada atual, o custo médio de produção de grãos, entre adubos, sementes e defensivos, varia de R$ 4,5 mil a R$ 6 mil por hectare. Com isso, um veranico ou seca intensa pode reduzir a produtividade a ponto de deixar o produtor no vermelho, acredita Kiep.

A própria experiência de Kiep mostra como a irrigação evoluiu para sistemas de reuso e captação de chuva.

“Na minha propriedade tenho cinco pivôs que trabalham só com reservatório de água da chuva. No cálculo hidráulico, tenho uma capacidade de uma lâmina de 350 milímetros, então uso nos veranicos. Nesta safra comecei a plantar cedo, em setembro, e os pivôs rodaram porque não choveu. Na área de sequeiro, segurei o plantio”, diz.

Ele cita que, por ano, o regime hídrico da região fica entre 1,2 mil milímetros a 1,8 mil milímetros de chuva, e que seu reservatório traz essa segurança tão mencionada por ele.

Por trás das discussões técnicas e ambientais, há uma questão maior: o papel da irrigação na segurança alimentar e na adaptação climática.

O potencial, segundo Kiep, é de fazer o Brasil irrigar 47 milhões de hectares em algumas décadas. “Se hoje estamos arredondando 10 milhões e temos chance de chegar a 50 milhões, isso traria uma segurança alimentar enorme. Não é algo feito em 20 anos, mas devagar, dá pra construir essa capacidade”.

O Brasil, diz ele, é “de longe o país mais abençoado com água doce do mundo”. O desafio, no entanto, é a distribuição da água ao longo do ano e a falta de políticas que incentivem o armazenamento.

“O problema não é a falta de água, é a distribuição. Precisamos aumentar a quantidade de reservatórios. De maneira errada, alguns dizem que isso destrói o meio ambiente, mas respeitando o volume, melhoramos o meio ambiente”, argumenta.

Para ele, o equívoco está em associar o reservatório à degradação ambiental. Kiep explica que, quando bem planejados e respeitando a topografia, esses reservatórios aumentam o espelho d’água e ajudam na recarga do lençol freático, mantendo a umidade do solo por mais tempo e garantindo fluxo hídrico mesmo nos meses secos. Ele cita o próprio exemplo: em sua fazenda, cinco pivôs funcionam apenas com água da chuva armazenada.

“O reservatório aumenta o espelho d'água e aumenta a água na época da seca. A natureza agradece”, afirma.

A analogia de Kiep com o uso doméstico é direta em relação ao que ainda pode melhorar: “a sociedade civil usa 100% de água fresca. Não temos legislação para reaproveitar água de reuso, enquanto em países como Israel e Austrália isso é padrão”, completa.

Entre discussões climáticas, gargalos regulatórios e crescimento empresarial, ele acredita que, pelo menos, o mercado de irrigação brasileira atingiu maturidade.

“Irrigação muitas vezes é vista como vilã, mas pode se tornar mocinha do ponto de vista ambiental. Diminui o risco do agricultor e também o risco macroeconômico da agricultura”, finaliza Kiep.

Resumo

  • Culturas perenes como café e laranja puxam o novo ciclo de expansão da irrigação, acompanhando preços altos das culturas, com avanço de mais de 50% nas áreas de gotejamento e microaspersão
  • O País deve encerrar 2025 com 10 milhões de hectares irrigados. No ano passado, foram 9,5 milhões de hectares, sendo 3 milhões com pivôs, 3 milhões em canaviais e 2 milhões com gotejamento e sistemas convencionais.
  • O mercado de irrigação no País faturou entre R$ 7 e R$ 8 bilhões em 2024, considerando todas as modalidades