A norte-americana Indigo Ag já foi considerada a agtech mais valiosa do mundo, quando há dois anos foi avaliada em US$ 3,2 bilhões, época em que a empresa já apostava suas fichas para conquistar os agricultores brasileiros.
A oferta variada de soluções em tecnologia agrícola, com foco em sustentabilidade e plataformas digitais, chegou a contemplar, globalmente, 12 unidades de negócios, globalmente, conforme o relato do CEO da Indigo no Brasil, Cristiano Pinchetti, em entrevista exclusiva ao AgFeed.
Nos últimos meses, questionada pelo mercado e por investidores por não entregar os resultados prometidos em tantas frentes, a empresa que já se orgulhou em ter “muitas startups em uma” decidiu fechar mais o foco em algumas áreas, reorganizando os negócios e escolhendo aqueles que seriam os propulsores de uma etapa mais rentável.
“Tivemos muitas transformações, já há negócios que não existem mais. Por isso, agora, em 2024, a empresa é dividida em dois pilares. Um deles é insumos biológicos e o outro são os negócios ligados a sustentabilidade”, explicou.
No pilar da sustentabilidade está a geração de créditos de carbono dentro da agricultura, o que inclui a modelagem, certificação e comercialização dos créditos. Também está nesta unidade de negócio, lá fora, as parcerias em projetos com foco na redução das emissões de gases de efeito estufas em diferentes cadeias, o chamado escopo 3.
No Brasil, porém, Pinchetti explica que ainda não houve essa divisão, porque o segmento de sustentabilidade ainda está em fase de desenvolvimento de produtos.
“Na América Latina a companhia está focada em biológicos, não há nada comercial ainda em sustentabilidade, já que modelos de escopo 3, por exemplo, estão em fase de validação ainda”, disse.
A presença no Brasil com maior escala começou em 2019, com a venda de tratamentos biológicos, diretamente aos produtores rurais.
“O nosso crescimento foi superbacana. Em 2019 fizemos300 mil hectares (área tratada com produtos da empresa) e no ano passado foram mais de 3 milhões de hectares. Aumentamos 10 vezes o tamanho da operação”, ressaltou.
O executivo diz que, neste cenário, foi possível aumentar o volume de vendas entre 10% e 20% em 2023, com avanço de 50% na margem de contribuição ou na rentabilidade, em função de melhores resultados na comercialização de produtos de maior valor agregado.
“Claro que agora, desde a safra passada, o mercado está mudando. A economia do agro está um pouco mais estressada, com adversidades climáticas, seca em Mato Grosso, enchente no Rio Grande do Sul... É um mercado mais difícil e já temos um tamanho um pouco maior, o que também dificulta o crescimento percentual”, admitiu o CEO.
Mesmo assim, a expectativa da Indigo para 2024 é superar 4 milhões de hectares tratados e atingir um aumento de 40% no faturamento e na margem de contribuição.
Para isso, Cristiano Pinchetti deu algumas pistas de sua estratégia. A principal delas é aumentar o portfólio de biológicos, com foco em “produtos únicos”.
No ano passado a Indigo Ag anunciou a captação de US$ 250 milhões para investir na expansão de suas tecnologias globalmente.
“Temos portfolio bastante vasto de produtos ainda em desenvolvimento, já aguardando a aprovação regulatória. Nosso plano é, nos próximos 3 a 5 anos, ter um portfolio no Brasil completo, ter tudo o que se imagina em soluções de biológicos”, afirmou Pinchetti.
Ele explica que o principal diferencial da empresa é trabalhar com famílias novas de cepas e microrganismos “e não com a commodity do biológico”. “Não desenvolvemos famílias que já tenham players no mercado, a ideia é no médio prazo ter um pacote de solução com organismos únicos”.
Uma das características dos produtos da Indigo é que são todos “endofíticos”, segundo o CEO. Ou seja, ficam dentro da planta trazendo as características desejadas até o final do ciclo, não estando sujeitos, por exemplo, à ação da chuva, que poderia “lavar” o biodefensivo.
Como o preço dos biológicos ficou praticamente estável, ele diz que os resultados foram beneficiados por exemplo, por um bionematicida da Indigo, recém-lançado, “com performance boa, margem boa, que faz uma diferença brutal na margem de contribuição”.
Lidando com as RJs
A Indigo garante que não teve impacto significativo na inadimplência desde que o setor de grãos passou a enfrentar o cenário mais adverso, de margens apertadas.
De qualquer forma, a empresa acabou afetada por três recuperações judiciais de clientes, “duas menores no ano passado e uma grande esse ano”, conforme o CEO.
“Mas temos uma boa história para contar, porque fizemos nosso barter com alienação fiduciária dos grãos e não com penhor”, ressaltou.
Em função disso, na hora que houve o pedido de RJ, imediatamente a empresa conseguiu ter acesso aos grãos da fazenda envolvida. “Conseguimos em juízo autorização de colheita do grão e assim colhemos, recuperamos o volume de grãos. Foi um pesadelo de logística, colheita, mas pudemos acertar o crédito que era grande”.
Expansão geográfica com parcerias
Outra prioridade estratégica da Indigo, para a safra 2024/2025 no Brasil, é chegar a estados em que hoje tinha pouca ou nenhuma presença.
“Até agora não estávamos em São Paulo, no Paraná e tínhamos uma presença pequena em Mato Grosso do Sul. Vamos aumentar a distribuição nessas áreas”, contou Pinchetti.
Atualmente, segundo ele, os negócios da Indigo vinham bastante concentrados em Mato Grosso, Bahia, Tocantins e Goiás. Nestes estados já consolidados a estratégia tem sido sempre a venda direta ao produtor rural, com 98% dos negócios fechados via barter, ou seja, na operação de troca de insumos por grãos.
Mas a nova etapa, para crescer no Paraná, por exemplo, terá um modelo diferente. A Indigo está negociando parcerias com revendas locais. A empresa não descarta acordos com grandes redes nacionais de distribuição, mas acredita que a maior chance é no contato via parceiros regionais.
Essa expansão em áreas não exploradas deve ser um dos principais fatores do ano para que a empresa atinja seus objetivos, conseguindo crescer, mesmo que o mercado ainda esteja devagar.
Segundo o CEO, nos primeiros 5 meses de 2024 as vendas estão praticamente iguais ao ano passado. “Como eu sei que o mercado sinaliza que as vendas estão bastante atrasadas, ainda estou tranquilo, a expectativa é de uma reação nos próximos 90 dias”.
Pinchetti prevê que “breakeven” da empresa seja atingido até o fim do ano, a não ser que o pior cenário prevaleça e ainda haja um pequeno déficit.
“Operamos até o ano passado reduzindo o déficit. Este ano queremos fechar com finanças equilibradas para, a partir do ano que vem, começar a gerar retorno positivo”, destacou.
Para financiar as operações de barter, o executivo disse ao AgFeed que a empresa conta também com um Fiagro, lançado no ano passado.
“Já captamos quase 90% dele. Tão logo termine, vamos publicá-lo”. O valor da primeira tranche seria de R$ 450 milhões.
Mudança de rota
Nos primeiros anos de presença no Brasil, um dos produtos lançados com expectativa pela Indigo era sua plataforma digital de comercialização de grãos.
Cristiano Pinchetti disse ao AgFeed que empresa decidiu não mais colocar foco nisso, entendendo que seria muito difícil monetizar esse tipo de serviço. “Não faria sentido cobrar licença de software ou cobrar sobre o valor da transação, o que já envolveria uma área que é das tradings, sem falar que não geraria uma receita relevante”, explicou.
Ele conta que desde o lançamento, há cerca de um ano, tiveram clientes, operaram na plataforma e fizeram testes, com parceiros. Porém optaram por deixar a plataforma como um local de interação do cliente. “Mudou bastante, há alguns anos a Indigo via isso como uma mega oportunidade de negócio, vender a plataforma. Hoje já não é isso”.
No caso dos produtos de sustentabilidade, a empresa também tem uma plataforma digital, que verifica, valida e comercializa os créditos de carbono. Pinchetti lembra que o modelo também não prevê monetização da plataforma em si. “Ela faz parte do produto de sustentabilidade, mudou muito o approach sobre isso”.
Os desafios do negócio de sustentabilidade no Brasil
Recentemente a Indigo Ag divulgou os resultados de sua “terceira safra de carbono”, nos Estados Unidos. Foram gerados 163 mil créditos a partir de fazendas de 28 estados americanos.
A empresa ajuda a remunerar os produtores rurais que adotam práticas mais sustentáveis e aumentam a captura de carbono no solo.
No Brasil, também há grande expectativa sobre quando esse modelo poderia beneficiar os produtores, mas o CEO da Indigo deixou claro ao AgFeed que o processo é bem mais lento.
“No carbono você precisa de no mínimo 5 anos de amostra de solo de verificação das práticas para validar o crédito. Já estamos fazendo validações, mas o protocolo não se consegue acelerar”, explicou.
O executivo diz que, nos Estados Unidos, já começou a quarta safra de carbono, sendo que a cada ano, a modelagem vai sendo melhorada.
“Mas o modelo americano não se aplica no Brasil. O cinturão dos grãos é muito diferente do Cerrado brasileiro ou outras regiões aqui. Estamos recalibrando 100% dos modelos, não tem copy e paste, nesse caso”, disse. A empresa validou cientificamente seus métodos nos Estados Unidos e busca fazer o mesmo no mercado brasileiro.
Neste cenário, a previsão é de que o primeiro produto de sustentabilidade da Indigo a ser lançado no Brasil seja algum projeto relacionado ao chamado escopo 3.
Ele dá como exemplo um projeto nos EUA com a AB Inbev, em que a Indigo certifica o milho e a cevada fornecidos para a produção da cerveja Budweiser. O mesmo ocorre com os grãos comprados pela Purina para fazer ração no mercado americano.
“Estamos conversando com interessados no Brasil e existe a chance de talvez, no curto prazo, já ter alguma coisa rolando. A minha expectativa e objetivo é sair esse ano, mas depende do comprador, estamos conversando, tem chance, não é algo garantido”, ponderou.
O ritmo mais lento no lançamento dos produtos de sustentabilidade também está relacionado ao momento mais desafiador para o agro e para as startups no último ano. “O mercado está mais estressado, o agricultor com seu balanço mais apertado, com isso tivemos que nos adaptar, reajustar prazos de investimentos para uma realidade mais apertada”.
“Abertos para M&As”
Outro plano que está em “stand by” é a possível construção de uma fábrica no Brasil. Executivos globais da Indigo já levantaram essa possibilidade, à medida que a receita do mercado brasileiro já supera os Estados Unidos na venda de biológicos.
Pinchetti disse que “em algum momento” haverá a necessidade da fábrica, já que a empresa cresce ano a ano no Brasil. Porém, garantiu que isso está fora dos planos nos próximos 18 meses e que depende de uma retomada do ciclo positivo do agronegócio. “Hoje não faz sentido econômico, é mais barato usar a fábrica de terceiros”.
Ao mesmo tempo, o executivo deixou claro que o momento de crise abre mais oportunidades para fusões e aquisições. “Estou atento às oportunidades, com muitos players no mercado e alguns, pelo que se ouve, até saindo. Quem sabe não podemos pegar alguma coisa meio pronta”, afirmou.
Se for o caso, ele diz que a prioridade será buscar empresas que possam ampliar ainda mais o portfólio da Indigo. Não entraria nos critérios a questão da expansão geográfica. “No momento de tempestade pode ser que apareçam mais oportunidades do que na época da bonança”, acrescentou.
A motivação para empresa – e para o executivo – é o grande potencial de crescimento do uso de biológicos, especialmente no mercado brasileiro. “Acredito que futuro da agricultura é muito mais biológico do que químico. Apesar de ter muitos players, até empresas tradicionais estão migrando, ainda é um oceano azul”.