"Onde muitos viram terra, nós vimos o futuro". Esse é o lema que moveu Arlindo Cavalca, um gaúcho que saiu de Bento Gonçalves para contribuir com o processo de colonização do Oeste paranaense, região que foi se transformando ao longo do século XX com a chegada de imigrantes europeus e migrantes vindos de outras porções do Brasil.
Um negócio de Cavalca foi puxando o outro. Primeiro veio a Colonizadora Gaúcha, em 1949. Como havia a necessidade de atender os colonos, logo veio o Moinho Iguaçu, empresas de cerâmica e, a partir daí, uma série de novos empreendimentos em segmentos diversos.
Hoje, mais de meio século depois, a família é dona do Grupo Cavalca, uma holding que reúne cinco empresas de diferentes setores como logística, agropecuária, alimentos, construção civil, fatura mais de R$ 2,5 bilhões por ano e segue em expansão.
A ideia da família é replicar um modelo como o de grandes grupos como Amaggi e Locks, colocando a operação agrícola como carro-chefe dos negócios, com atuação em diferentes partes do Brasil.
“No agro, queremos chegar entre os dez maiores players do Brasil”, resume Lucas Cavalca, engenheiro agrônomo que representa a terceira geração da família, em entrevista ao AgFeed.
O projeto ganhou impulso após a família ter se desfeito dos ativos do Moinho Iguaçu, um dos maiores do Paraná, que foi comprado pela I.Riedi Grãos em 2020. "Depois da venda do Moinho Iguaçu, vimos que o nosso negócio é mais terra mesmo", explica Cavalca.
O braço rural da família é a AgroCavalca, empresa que existe desde a década de 1980 e que hoje tem uma forte presença em Mato Grosso, concentrando 89,8 mil hectares de terras em fazendas localizadas em Rondonópolis, Campo Novo do Parecís, Sapezal e Santiago do Norte, cidades de Mato Grosso. “A gente está plantando hoje 48 mil hectares de soja, 25 mil hectares de milho e 6,8 mil hectares de algodão”, estima Lucas Cavalca.
A partir de agora, a ideia da família é expandir a operação da AgroCavalca para outras fronteiras agrícolas do país. "As terras hoje estão muito caras em Mato Grosso, até mesmo se comparar com o que era há dez anos. Como a gente já sabe que a nossa vocação é o agronegócio, queremos crescer no agro. E, para isso, estamos indo atrás de outras fronteiras", explica Cavalca.
No momento em que o agrônomo conversou com o AgFeed, ele estava momentaneamente no escritório do grupo em Curitiba, mas prestes a embarcar para Tocantins em busca de novas oportunidades.
“Estou ligando para meio mundo de gente que eu conheço que está lá para entender como é que funcionam as coisas”, diz ele, que afirma também que vai viajar para Piauí e Maranhão no mês que vem, também à procura de novidades.
Enquanto outros players se alavancaram e, posteriormente, sucumbiram à recente crise vivida em Mato Grosso, os Cavalca apertaram o cinto e, agora, conseguem ir às compras compra.
"Mantivemos a calma quando a soja estava no auge e agora, graças a Deus, estamos bem capitalizados", explica Lucas Cavalca.
A ideia, portanto, é buscar novas áreas de plantio de grãos, e se possível, integrar a produção agrícola com a pecuária – e nisso, está mais um retorno às origens da família, que entre os anos 1960 e 1970, atuou também com pecuária.
"Meu bisavô chegou a ser o maior confinador de gado do Paraná no passado. Mas foi mudando para agricultura nas terras mais fertéis”, conta Cavalca.
Em uma das fazendas do grupo, a Flórida, de 2,4 mil hectares, os Cavalca já estão fazendo um piloto com integração lavoura-pecuária em 800 hectares dessa propriedade, em uma parceria com a empresa Novapec, conhecida por seu trabalho com pecuária sustentável.
“A gente colocou no contrato que tudo o que fosse extraído de fósforo do solo pelo gado teria que ser reposto. Mas o gado não extrai. E justamente nessas áreas mais fracas, onde antes a gente quase não produzia, agora estamos tendo médias astronômicas, com 94 sacas de [soja], uma produtividade altíssima”, diz.
Lucas Cavalca também pretende emprestar um pouco de uma experiência pessoal bem-sucedida nos últimos três anos. Desde 2022, em um negócio pessoal, apartado do grupo, ele vem operando terras em Roraima, considerada uma das novas fronteiras agrícolas do Brasil, e vem colhendo bons resultados com o plantio de grãos, mesmo sob condições climáticas e logísticas adversas.
Tudo começou há mais de dez anos, em 2014, quando ele, ainda adolescente, e o avô, Alcides Cavalca, um dos acionistas do grupo, viajaram para Roraima e conheceram fazendas no estado. “Tinha muita terra barata lá, era terra a rodo por um valor que não se via igual em lugar algum.”
Mas, apesar dos baixos preços, ao ver que a agricultura ainda engatinhava por lá, Lucas duvidava das possibilidades que a família poderia ter na região, mas foi convencido pelo avô. “Eu perguntei: “Alcides, você tem certeza que isso aqui vai dar soja?” Ele olhou para mim e falou: “Lucas, fica tranquilo porque, no pior dos cenários, com essa fazenda nós vamos ganhar dinheiro.””
O tempo passou e a profecia de Alcides se realizou. Hoje, Lucas Cavalca opera 6,4 mil hectares ao todo, sendo 4,4 mil hectares próprios e o restante arrendado, em rápida expansão.
“Plantei 330 hectares na época em que a soja tava muito boa. Tinha insumo pra 450 hectares, consegui plantar 330 hectares e colhi com uma média de 90 sacas por hectare: paguei as contas e ainda sobrou”, recorda Cavalca. “Estamos crescendo mais ou menos 100% ao ano", comemora.
A grande vantagem de Roraima em relação a outras áreas agrícola do país está no custo de capital, explica Lucas Cavalca. “Para cima do Hemisfério Norte, a gente consegue usar o mesmo capital de giro, tendo mais de uma safra por ano e mandando dinheiro para lá de forma mais barata.”
Outros negócios
Apesar da vontade dos Cavalca de potencializar sua operação agrícola, o carro-chefe, em termos de faturamento, ainda é o vetor logístico, responsável por cerca de R$ 1 bilhão das receitas.
Hoje, a holding da família possui três empresas nesse segmento: Cavalca Armazéns Gerais, Cavalca Trading e Logística, e Cavalca Administração Portuária (CAP).
A Cavalca Trading tem capacidade estática de mais de 15,9 milhões de sacas e, além do modal rodoviário, conta também com a malha ferroviária no porto seco de Cascavel (PR), conectando ao Porto de Paranaguá (PR), com dois terminais portuários. “Ela era uma empresa que fazia parte do Moinho Iguaçu e não entrou no negócio”, explica Lucas Calvaca.
Já com a CAP, operadora portuária focada em produtos agrícolas, que opera um terminal com capacidade estática de 50 mil toneladas desde 2021 no Porto de Paranaguá, o grupo mantém um contrato com a Cargill, no qual o terminal é utilizado exclusivamente pela gigantesca companhia de alimentos. “Nossa ideia inicial na CAP era trabalhar com os grandes players e temos um contrato de take or pay com a Cargill”, explica.
Também no Porto de Paranaguá, a companhia tem 35% de participação também do terminal portuário Cimbessul, que possui 2 armazéns graneleiros com capacidade estática de 90 mil toneladas. “Nós operamos com uma concessão de 50 anos, com preferência para mais 50 anos”, diz Cavalca.
Além dos negócios na área logística, o grupo também possui outras frentes, como a indústria de alimentos SaborSul. A empresa possui sede e fábrica em Navegantes (SC), e mais duas unidades industriais em Cascavel (PR) e Itaipulândia (PR), beneficiando arroz e feijão e produzindo conservas de azeitonas, pepinos, entre outros itens.
A família possui ainda negócios na área da construção civil, como a Cavalca Construções e Mineração, e outra empresa para novos negócios, separada da holding, a Planta Empreendimentos.
Profissionalização e diversificação
Como se pode ver, com um grupo complexo e cheio de vertentes nas mãos, os Cavalca estão buscando profissionalizar mais a operação como um todo.
“Como todo grupo familiar, a gente está tentando o máximo se profissionalizar. Mas mantendo também algumas características familiares”, explica Lucas.
É por isso que, nesse desenho, Alcides Cavalca, avô de Lucas e um dos principais nomes, continua à frente do grupo. “Ele é o cara que sempre esteve na ponta em todos os negócios, sabe de todas as empresas. É como se na Amaggi, tirassemos o Blairo Maggi da presidência. Não tem como.”
As citações aos Maggi são frequentes na fala de Lucas até por uma questão pessoal. As famílias Cavalca e Maggi tem histórica proximidade, conta ele. “A gente tem um contato bem próximo com eles. Minha bisavó era comadre da dona Lúcia, meu bisavô era compadre do seu André, meu avô morou junto com o Blairo Maggi em Curitiba e eles tiraram o brevê juntos”, recorda.
Além de Alcides, o CEO, Eduardo Machado, também faz parte da família. Mas, dentro do discurso de profissionalização, Lucas atenta que foram as credenciais de Machado que o trouxeram para o cargo: antes de liderar o Grupo Cavalca, ele foi presidente da Fertigreen e, antes disso, comandou o Moinho Iguaçu, quando ainda pertencia aos Cavalca.
“Ele é um cara muito inteligente e com uma experiência vasta. A presença dele é importante porque na família, eu não tenho interesse, acho que meus primos também não têm interesse, e meu tio, irmão do Alcides, não tem interesse em ser o CEO do Grupo”, explica.
Como forma de intensificar o processo de profissionalização, Cavalca conta também que a holding passou a operar com um conselho formalizado, composto por representantes das quatro holdings familiares que integram o conglomerado e por conselheiros externos.
“Hoje, qualquer investimento a partir de R$ 3 milhões ou R$ 5 milhões precisa passar pelo conselho. Se for, por exemplo, comprar um air tractor, precisa de aprovação”, explica.
O novo modelo, afirma Cavalca, trouxe mais transparência e eficiência às decisões estratégicas. “O conselho está muito bem estruturado, já tivemos até troca de conselheiros que cumpriram seu papel.”
Resumo
- Com origem no Oeste do Paraná, Grupo Cavalca fatura mais de R$ 2,5 bilhões por ano e agora pretende ser um dos dez maiores players do agronegócio brasileiro
- Com 89,8 mil hectares em Mato Grosso e projetos de integração lavoura-pecuária, o grupo planeja avançar para novas fronteiras agrícolas em Tocantins, Piauí e Maranhão
- Apesar de continuar sob comando familiar, grupo aposta na profissionalização de suas operações, com a formação de conselho e políticas de governança