Motivos não faltaram para o Frigorífico FriGol, quarto maior grupo de carnes bovinas do País, abortar uma nova emissão no primeiro trimestre. As chances são praticamente remotas também de que vingue ainda neste semestre.
O abalo que o calote das Lojas Americanas deu no mercado, seguido da parada nas exportações para a China (após o caso de “vaca louca atípica”), dos temores adicionados pela crise de bancos nos Estados Unidos e Europa, e das dúvidas iniciais sobre o que viria a ser o novo arcabouço fiscal do ministro Fernando Haddad e o futuro dos juros, fizeram o CEO do FriGol recolher suas armas.
Eduardo Miron é bem direto ao afirmar que o início da “estrutura de capital” foi no tempo certo, com a estreia no mercado de capitais em 2022 por meio de dois Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), que somaram R$ 210 milhões.
Se tivesse titubeado no timing, deixando essas primeiras captações para alongamento da dívida para este semestre, também não teriam acontecido.
Mas nem por isso o crescimento entrou em estágio de espera. Ao AgFeed, Miron confirmou os planos de expansão das suas três plantas.
E também não descartou o potencial de crescimento de 15% a 20% sobre o faturamento de 2022, ano no qual o lucro líquido recorde de R$ 133 milhões que a empresa obteve no ano passado, em alta de 226%.
“O crédito travou para todas as empresas, mas estamos otimistas, apesar dos desafios que todas [palavra novamente frisada no tom de voz] estão enfrentando”, explica Miron.
Com algum cuidado ao falar do mercado em geral, acrescenta que a precificação em Bolsa dos concorrentes também adiciona certa atenção que o mercado está depositando no setor de carnes.
O desafio mais imediato é, como ele pontua, solucionar a sangria do “capital de giro na veia” que o embargo das exportações de carne aos chineses ainda está fazendo a empresa carregar.
Miron se diz “impressionado” com a boa vontade de Pequim com o governo Lula em liberar as compras dia 23 de março, em 30 dias – ao contrário dos 100 dias dos casos de “vaca louca” no final de 2021 sob o governo Bolsonaro -, mas lembra que há um passivo não resolvido.
O executivo do FriGol lembrou que o fim do embargo está valendo para os novos negócios, além da carne processada antes de 21 de fevereiro, começo do embargo, porém com embarque programado para depois da data de liberação.
Mas para mercadoria gerada, por contrato, durante o período da paralisação, ainda não houve sinais.
Em resumo, o frigorífico, assim como os demais, comprou e processou o chamado “boi China”, mais caro que o animal de mercado interno.
Porém, parte dessa carne segue parada, carregando gastos com armazenamento ou tendo que ser escoada para outros destinos que não pagam o custo, inclusive o mercado interno.
Como 80% do faturamento das vendas externas totais – que representam 53% da receita bruta de R$ 3,8 bilhões do grupo em 2022 -, vêm desse principal comprador de proteína animal brasileira, essa conta tem que sair do caixa em um “trimestre [o primeiro] já tradicionalmente mais fraco”.
O futuro ainda reserva à China a maior fatia dos negócios externos do FriGol, porém Eduardo Miron deixa no ar há um desejo estratégico em dissipar um pouco essa dependência.
Como precificar em yuan?
A possibilidade de negócios com o yuan (renminbi), vendida pelos dois governos como fator de alavancagem no comércio, não está em nenhuma conta da companhia.
Há mais dúvidas que expectativas positivas, especialmente porque o acordo entre os países não implica necessariamente em aumento da liquidez da divisa chinesa, com reflexos na internalização em reais de vendas que acabarão tendo que ser arbitradas com o dólar no meio, além da dificuldade em precificar as mercadorias nessa espécie.
O esforço maior do FriGol será direcionado para países que já estão na lista de clientes, e pagam bem, e de outros que estão para acontecer: Israel, por exemplo, no primeiro grupo, e Indonésia, que já liberou a carne brasileira mas ainda não aconteceu de fato.
Singapura habilitou recentemente o grupo, mas representará pouco para qualquer player brasileiro, dado o diminuto mercado da cidade-estado.
Há um espaço reservado para os Estados Unidos, cuja habilitação da planta de Lençóis Paulista (SP), sede da empresa, pode acontecer neste trimestre.
São para esses pontos que a preparação da capacidade de abate das unidades, entre as quais de São Félix do Xingu e Água Azul do Norte, ambas no Pará, está se desenrolando. No total das três, irá de 1.830 para 2.435 bois por dia.
De todo modo, o CEO da companhia, que já foi chefe global da Marfrig até março de 2020, faz questão de anotar que o mundo não é “target” da FriGol. É necessidade.
Se a rentabilidade de mais vendas no Brasil bancasse o crescimento, esse caminho estaria já contratado. Mesmo porque dá menos trabalho ante requisitos e exigências dos mercados de destino e se aproveita melhor os cortes – aliás, como com a China, que leva quase tudo boi, pode-se dizer.
Mas essa é uma história que Eduardo Miron espera para contar um dia, caso as condições das curvas da inflação e de juros ofereçam algum suporte para expansão do consumo interno, como ele torce.