Um antigo e bilionário imbróglio corporativo do agronegócio entrou em reta final para uma solução. Trata-se da venda de 50% da SJC Bioenergia, joint venture formada em 2011 pelos grupos Cargill e Usina São João e que desde 2016 enfrenta desafios financeiros, tendo inclusive atravessado um processo de recuperação judicial.
A parte da empresa que pode ser vendida pertence a um grupo de “bondholders” – antigos credores da empresa que, em troca de sua dívida, receberam títulos conversíveis em participação na companhia.
Representados pela firma de investimento americana CarVal, eles contrataram o banco Morgan Stanley para encontrar um comprador para sua fatia no negócio e têm a expectativa de que ele se concretize até o fim deste ano.
“Eles acreditam que é melhor um negócio rápido do que esperar mais dois anos de incerteza para ter uma venda um pouco melhor”, disse ao AgFeed uma fonte inteirada da operação.
O prazo para entrega de propostas se encerrou na última sexta-feira, 11 de outubro. Estima-se que a venda deva movimentar cerca de R$ 2 bilhões, incluindo dívidas – as duas usinas que compõem a SJC, ambas no estado de Goiás, são avaliadas entre R$ 3,5 bilhões e R$ 4,5 bilhões.
O AgFeed procurou o Morgan Stanley para confirmar quantas e de quem seriam as propostas interessadas, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Os ativos da SJC – as usinas São Francisco, em Quirinópolis, e Rio Dourado, em Cachoeira Dourada – despertaram vários interessados nos últimos meses e o esperado era que as propostas variassem bastante, algumas incluindo ofertas pela totalidade do negócio, trazendo a Cargill para a mesa de negociações.
Juntas, as duas usinas têm capacidade para processar 9 milhões de toneladas de cana e um adicional de 2 milhões de toneladas equivalentes de milho.
Entre os grupos que mantiveram conversas com o Morgan Stanley estão nomes tradicionais do mercado sucroenergético como o Balbo – que, em um primeiro momento, parecia próximo de um acordo para a aquisição, mas acabou se afastando das negpciações –, o CMAA, que entraria em parceria com o Cerradão, a UISA (antiga Usina Itamarati) e o São Martinho.
No início do processo, último grupo chegou a negar interesse na aquisição, mas depois voltou ao páreo. A São Martinho é vista como a companhia para quem a compra faria mais sentido. Ela já atua com uma usina na região de Quirinópolis, mas apenas para a produção de etanol.
Com a SJC, passaria a contar também com a possibilidade de produzir açúcar, o que reforçaria sua capacidade de negociar com os produtores de cana da região. Diferentemente do que ocorre em São Paulo, onde a São Martinho possui a maior parte de suas usinas, o modelo produtivo goiano é composto por propriedades maiores, controladas por famílias tradicionais e com maior capacidade de negociação.
Histórico problemático
Desde sua origem a SJC Bioenergia conviveu com altos e baixos. Ela nasceu do desejo da família de José Ometto, controladora da Usina São João de Araras, de expandir suas operações para o Centro-Oeste, nos anos 2000.
Os investimentos pesados, entretanto, foram feitos com base em um cenário de alta de preços e de incentivos do etanol, mas a mudança da política do governo, no final daquela década, fez com que o grupo tivesse de buscar um parceiro para manter o projeto.
Foi então que a Cargill entrou na jogada, em 2011. A gigante americana das commodities havia iniciado um ambicioso plano de investimentos no setor sucroenergético e viu nos ativos da USJ uma oportunidade relevante para ampliar sua atuação na área.
Juntas, as duas empresas formaram a SJC Bioenergia e investiram na construção daas duas usinas, que, quando começaram a operar, poucos anos depois, estavam entre as mais modernas do Pais.
Em 2016, entretanto, uma nova crise de preços do etanol fez com que a SJC enfrentasse dificuldades e passasse por um primeiro processo de reestruturação, com parte das dívidas convertidas em títulos (bonds) entregues aos credores.
Uma segunda tentativa semelhante aconteceu dois anos depois até que, em 2021, a companhia buscou proteção na recuperação judicial.
No plano de recuperação apresentado aos credores, a USJ concordou em abrir mão de sua participação (estimada na época em R$ 1,5 bilhão) em favor dos bondholders, além de se desfazer de três fazendas e de três precatórios provenientes de ações ganhas contra o Instituto do Açúcar e do Álcool.
A Cargill, na ocasião, concordou em não exercer o direito de preferência de compra sobre as ações da USJ na companhia.
Desde então, os donos dos bonds buscaram atuar em conjunto para encontrar um comprador para sua participação. Chegaram a negociar, em 2022, uma solução conjunta com a Cargill, mas diante da falta de um acordo, decidiram seguir sozinhos e entregaram um mandato ao Morgan Stanley.
A companhia americana ainda mantém o direito de preferência, mas a possibilidade de exercê-lo é baixa. A Cargill já manifestou seu interesse em deixar o negócio de cana, que se tornou pequeno e pouco atrativo ante o restante de suas operações. A SJC fatura cerca de R$ 4 bilhões anuais, um valor modesto se comparado aos R$ 140 bilhões da receita anual da Cargill.