Matupá (MT) - Eraí Maggi Scheffer já foi conhecido como “Rei da Soja”, título que tirou do primo Blairo Maggi nos anos 1990 quando o grupo que fundou, o Bom Futuro Agrícola, ultrapassou o AMaggi na produção do grão.
Hoje, com a empresa diversificada em atividades que vão da pecuária à piscicultura, da energia ao ramo imobiliário, ninguém se refere a ele dessa forma. Mas Eraí não perdeu a majestade. E quer voltar a ser rei, agora da soja sustentável.
Na semana passada, o Bom Futuro entregou à trading americana ADM a primeira carga de soja produzida integralmente de forma rastreada e com pegada de carbono mensurada, dentro do projeto PRO Carbono Commodities, liderado pela Bayer e com apoio também da Embrapa.
Os grãos saíram de uma das 42 fazenda do grupo, no município de Matupá (MT) e faziam parte de um projeto piloto. Mas que, se depender de Eraí, será ampliado aos mais de 600 mil hectares cultivados pelo Bom Futuro.
“Isso vai nos trazer mais produtividade, mais dedicação a cada metro quadrado, melhores práticas… É interessante para nós e para as futuras gerações”, disse ele ao AgFeed durante o evento que celebrou a conclusão dessa primeira fase do projeto.
Segundo Eraí, iniciativas como essa podem ajudar a mudar a imagem externa da produção agrícola brasileira. Mas, sobretudo, trazer novos ganhos ao produtor rural, seja através de prêmios pela produção responsável, seja pela maior eficiência e rentabilidade nas lavouras.
O empresário mostrou entusiasmo com os resultados da atual safra, mesmo em um momento em que os preços das commodities agrícolas estão pressionados, reduzindo (ou em alguns casos até zerando) a rentabilidade dos produtores rurais.
Confira, a seguir, a entrevista:
O que significa para a Bom Futuro participar de um projeto como o PRO Carbono Commodities?
Para nós, é uma história até aqui e outra daqui para a frente. Com esse projeto, nós podemos mostrar para o consumidor lá na Europa ou no mundo afora que temos um produto rastreado, que tem baixo carbono.
Como vão fazer isso?
Com uma produção de alta produtividade, usando os manejos correto para que se emita menos carbono. Estamos começando uma nova era. Vários produtores vão entrar nessa e vão dar continuidade. Podemos trazer uma alternativa para aquelas pessoas que praticam desmatamento ilegal, utilizam mão de obra ilegal, não têm uma boa produtividade. Nós também queremos ter esse diferencial, mostrar esse diferencial.
A imagem externa é uma preocupação para os negócios do grupo no futuro?
Na Europa e em outros países existem muitas críticas ao produtor brasileiro. Chega até a parecer que o produtor brasileiro é um criminoso, mas não é. É uma porcentagem mínima que não faz as coisas corretas. Nessa iniciativa cuidamos das florestas, das APPs [áreas de preservação permanente]. As áreas de produção têm uma produtividade altíssima, com toda conectividade metro a metro. Às vezes a turma capricha dentro da propriedade, em um talhão. Aqui não, é em cada metro quadrado. Podemos aferir os problemas de doenças, não fertilização… Vamos usar isso e ter esse produto para o consumidor, aonde for no mundo, sabendo que é um produto que oferece um ganho para o meio ambiente, com baixo carbono. As futuras gerações receberão um planeta bacana se todo mundo seguir essa forma que está sendo feita aqui em Matupá.
"As futuras gerações receberão um planeta bacana se todo mundo seguir essa forma que está sendo feita aqui em Matupá"
Essa iniciativa pode elevar a remuneração por esse tipo de produto, ajudar a melhorar a regulamentação brasileira para o mercado de carbono e aproximar nossa soja do mercado da Europa?
Podemos sim trazer uma melhora grande, enorme, principalmente no que se refere a educar, orientar mais produtores. Vamos ter um ganho financeiro sim, mas não só isso. Vai ser um ganho de cultura, dentro da nova geração globalizada. Podemos ter uma agregação de valores no baixo carbono em relação a outros países, outras regiões e outras propriedades.
Será mais fácil diferenciar quem faz as coisas certas de quem não faz?
Os números estão aí, a metodologia, a seriedade estão aí. Imagino que temos a medida para separar o joio do trigo, separar o produtor que tem baixa produtividade, uma mão de obra não adequada, que não dá o tratamento correto aos funcionários, ao solo, às vezes um talhão está colhendo bem e em outro, mal… Só que ao mesmo tempo, a máquina está poluindo igual, a máquina passou ali gastando diesel como se tivesse uma produtividade normal. O empresário que entender isso e adotar esse sistema também vai ganhar uma grana, pois ele vai se adequar a melhorar em cada metro quadrado, e não talhão a talhão ou fazenda a fazenda. O ganho é enorme, pois com menos área vamos produzir mais alimento para alimentar as pessoas.
Existe um custo para ter esse monitoramento e mensuração de carbono. Quanto é necessário de bonificação na soja para fazer sentido comercialmente?
Como é um projeto piloto, focamos muito em fazer a colheita em si. Ainda não temos um custo certo, mas é rentável sim. Qualquer valor que agregue ou ter uma preferência de comercialização já é um ganho. E vamos ter mais produtividade. O que queremos mais não é ganhar a grana direto. Isso é bom, mas o que é bom mesmo é separar quem tem uma produtividade legal, alta, com responsabilidade com as pessoas e o meio ambiente. Estamos mais preocupados nesse quadrado. Queremos trazer mais gente para esse modelo bacana para o mundo dar preferência para o Brasil, para o MT, para nossa soja, nosso milho, o algodão e outras culturas que temos aqui.
A Europa tem sido muito restritiva em relação ao desmatamento, desconsiderando inclusive o que aqui é considerado legal…
Na minha opinião, o que for legal aqui eles não têm que colocar o bico, não. Temos que fazer o que for legal e estiver na nossa constituição. Eles cuidam da deles lá. Vamos fazer dentro da nossa lei e constituição.
As exigências externas, sobretudo da Europa, são exageradas?
A exigência lá de fora não é tão ruim quanto se imagina. Existe um lado bom. O produtor vai estar dentro de uma tecnologia de maior produtividade, vai ter uma remuneração melhor também. Essa exigência trouxe uma sequência em que a propriedade vai ser mais rentável ao produtor. Queremos mostrar lá fora que aqui tem como ajudar o meio ambiente e o planeta com menos carbono na soja, e depois em outras culturas, adequando o solo sem atrapalhar florestas, águas, pesticidas errados. É um conjunto a ser trabalhado, no transporte, na colheita, sem desperdiçar.
"A exigência lá de fora não é tão ruim quanto se imagina. Existe um lado bom. O produtor vai estar dentro de uma tecnologia de maior produtividade, vai ter uma remuneração melhor também"
O Brasil enfrenta problemas de logística, armazenamento e transporte. Como vê a preparação para a safra 23/24, que promete ser ainda maior?
Temos um gargalo sim. Mas também foi provocado por uma alta produtividade. O clima também ajudou muito no Brasil e no mundo afora. Temos estoques reguladores um pouco mais elevados do que antes, e essa alta produtividade foi estimulada pelos preços bons que tínhamos até pouco tempo atrás.
Com a queda, o produtor também retraiu a comercialização, com a expectativa de o preço voltar a subir mais. Tornou difícil passar tudo pela porteira ao mesmo tempo. Precisamos, lógico, de mais armazéns, mais infra, mais estradas, ferrovias, hidrovias, portos. Precisamos de tudo.
Dá para dizer, então, que temos um bom problema?
Foi muito alta a elevação dos preços, foi dramática. Os preços de todas as commodities dobraram e foi muito rápido. E permaneceram elevados por quase três anos devido ao covid, guerra na Ucrânia. Com mais recursos, o pessoal adubou mais, corrigiu mais o solo e o clima ajudou muito. É um conjunto que trouxe esse problema, mas esperamos que vá diluindo devagar e que se resolva.
A perspectiva para essa safra 23/24 é positiva, melhor que a anterior?
Em produtividade? Muito boa. A safrinha está excelente, com um clima de chuva bom, para o milho, o algodão, as pastagens de pecuária. Vamos ter comida à vontade para todo mundo.