Para os irmãos holandeses René e Martin Koppert, as paisagens brasileiras já não são novidade. Nos últimos anos, eles desembarcam no Brasil pelo menos duas vezes em viagens de negócios.
O sobrenome que eles carregam também não é novidade por aqui. Representantes da terceira geração no comando da maior empresa global de insumos biológicos para a agricultura, eles dominam mais de 20% do mercado local nesse segmento.
“O nome ainda deve ser difícil para os brasileiros pronunciarem, não?”, perguntou René em conversa exclusiva com o AgFeed no fim da semana passada. Ele e Martin estavam em Piracicaba, sede da filial nacional da companhia.
Haviam acabado de retornar de Ribeirão Preto, também no interior paulista, onde conheceram um novo escritório comercial, aberto há poucos meses.
“Desta vez, a vinda ao Brasil é uma visita regular, para discutir futuras oportunidades”, afirmou René. Neto do fundador, Jan Koppert, que criou a empresa há quase 60 anos na Holanda, ele recebeu a cadeira de CEO do tio, Paul, em 2022.
Martin é o Chief Business Officer (CBO), principal executivo de negócios do grupo, que tem sede em Roterdã, na Holanda, e 26 subsidiárias ao redor do mundo. A brasileira é, disparada, a maior delas, representando, segundo ele mesmo confirma, cerca de 30% dos negócios da empresa.
Em 2022, a empresa faturou um valor estimado em R$ 800 milhões no Brasil. Os números do ano passado ainda não foram divulgados, mas a estimativa de crescimento está em torno de 30%, o que levaria a Koppert Brasil a uma receita bilionária.
Assim, não por acaso, as visitas tendem a se tornar mais frequentes e sempre acompanhadas de novidades. Na sua primeira vinda como líderes da Koppert, em há 18 meses, eles cortaram a fita de inauguração de uma nova planta de formulação de produtos microbiológicos em Charqueada, município vizinho de Piracicaba.
Agora, sua presença por aqui coincide com o anúncio de que o time do Brasil, liderado por Gustavo Herrmann e Danilo Pedrazzoli, os executivos que convenceram a Koppert a trazer seus negócios para o País, em 2010, passa a gerir as operações da companhia em toda a América do Sul.
Assim, a subsidiária brasileira, que já era responsável por Argentina, Uruguai e Paraguai, fica responsável também pelas unidades da companhia no Chile, Colômbia, Equador e Peru. Os chamados países andinos, anteriormente, estavam ligados às diretorias da Holanda e Estados Unidos.
“A integração das operações no continente sob a liderança do Brasil é um grande passo para estarmos mais próximos desses mercados”, disse René.
“Temos muito potencial, por exemplo, na Argentina na área de grandes commodities e, nos outros países, podemos colocar mais atenção nas culturas de especialidades, com o Brasil como centro para fornecer para as unidades”.
Tão ou mais importante do que o que foi comunicado, entretanto, é o que ainda não foi revelado. Um dos objetivos da visita da cúpula global da Koppert é avançar nas definições de uma nova rodada de investimentos.
“Estamos planejando algo, mas ainda é um pouco cedo para contar”, afirmou Martin ao AgFeed. “Por conta do crescimento, teremos de investir em capacidade de produção e em novos produtos, especialmente em microbiológicos”.
Era algo previsível e previsto já quando a mais recente planta, de Charqueada, entrou em operação. Com investimento de R$ 70 milhões, ela tem capacidade de produção de 300 toneladas diárias o que, segundo disse Herrmann na ocasião, permitiria cobertura de 10 milhões de hectares.
Os próximos movimentos devem consumir, nos próximos três anos, cerca de R$ 700 milhões e envolver a construção de três novas plantas.
A região de Piracicaba deve continuar centralizando a produção. “Provavelmente faremos anúncios em breve”, disse o CEO René Koppert.
A localização é estratégica por estar no coração da principal região produtora de cana-de-açúcar do País. Entre as chamadas grandes culturas agrícolas, ela foi a responsável por impulsionar a adoção dos biológicos – e, consequentemente, da própria Koppert.
Ainda hoje, é um mercado que chama a atenção da companhia. “Queríamos ter um olhar mais próximo das oportunidades trazidas pelos biocombustíveis”, afirmou.
Competição e negócios em alta
Na pauta da viagem, é claro, estava também o atual momento do agronegócio e do mercado de insumos agrícolas no País.
“Estamos em uma fase muito desafiadora para o segmento de proteção de cultivos”, analisou Martin Koppert. “Mas acreditamos que o impacto maior foi sentido pelos químicos”.
Segundo ele, a Koppert também sentiu o fato de alguns distribuidores terem reduzido compras para regularizarem seus estoques e também alguma pressão nos preços.
Por outro lado, eles comemoraram o desempenho de novos produtos – como um bioinseticida para controle do bicudo da cana-de-açúcar, desenvolvido a partir de um nematoide –, que contribuíram para que as vendas se mantivessem em alta.
Assim, os dois executivos avaliaram como positivo o desempenho da filial, que se manteve o ritmo de “crescimento rápido”, embora Martin admita que tenha ficado “um pouco abaixo” do esperado.
“O cenário brasileiro continua excitante. A adoção de biológicos se manteve em ascensão e vemos que para os próximos anos as perspectivas são favoráveis”.
Segundo estimativa da empresa de pesquisa de mercado Kynetec, o segmento de biológicos movimentou US$ 827 milhões (mais de R$ 4 bilhões) na safra 2022/2023, um crescimento de 52% sobre o ciclo anterior.
Os negócios crescem em proporção semelhante à concorrência. A adoção crescente dos biológicos pelos agricultores brasileiros tem despertado atenção cada vez maior de grandes grupos químicos e de distribuição, nacionais e estrangeiros, para o segmento, com o surgimento de novas empresas e o aumento das transações de fusão e aquisição.
Em 2023, por exemplo, a belga Biobest, uma das principais concorrentes da Koppert na Europa, revelou ter planos ambiciosos para o Brasil ao assinar um cheque de R$ 2,8 bilhões para assumir o controle da brasileira Biotrop, que pertencia ao fundo Aqua Capital.
Os jovens comandantes da Koppert observam com atenção esses lances e, por enquanto, afirmam que eles não os preocupam. “Acreditamos no mercado brasileiro de biológicos desde o início, juntamente com nossos parceiros Danilo e Gustavo”, afirmou René.
“Nosso sucesso está atraindo outras companhias vemos isso como uma coisa boa. Ajudamos a desenvolver esse mercado e a competição é uma confirmação de que estávamos no caminho certo”.
“Continuamos ganhando market share, o que mostra que estamos lidando bem com essa competição”, concordou Martin. Ele usa o mesmo argumento utilizado por grande parte dos dirigentes de outras empresas de biológicos para defender a ideia de que a concorrência, por enquanto, não assusta.
“Quando olhamos para adoção dos biológicos, comparando com os químicos, ainda há muito espaço para crescer. A presença de outras empresas nesse mercado de certa forma nos ajuda a tornar o mercado de biológicos muito maior”, disse.
Exportação de conhecimento
O executivo acredita que há muito espaço para novos produtos e para aumentar portfólio. Além da cana, a Koppert tem investido no desenvolvimento de soluções para o manejo integrado de pragas (MIP) em lavouras de outras grandes commodities, principalmente de grãos.
Com produtos para soja, milho e algodão, por exemplo, a empresa ampliou significativamente a área de atuação no Brasil, com expansão geográfica para regiões mais distantes de suas fábricas e, por que não, das suas origens – a Koppert nasceu e ainda é fortíssima fornecendo defensivos biológicos para a produção de hortifrutis na Europa.
A necessidade de conquistar também essa agricultura tropical extensiva fez do Brasil, nos últimos anos, um centro de desenvolvimento importante da empresa, que investiu em projetos de inovação como o SparcBio (São Paulo Advanced Research Center for Biological Control), em parceria com a Secretaria de Ciência e Tecnologia de São Paulo, Esalq/USP e Fapesp, e o Gazebo, nome dado tanto ao espaço quanto ao fundo criados para promover seu relacionamento com startups do setor.
Em 2016, de olho na expansão dessas áreas dentro da companhia, a direção global decidiu organizar suas operações a partir de dois pilares principais, as divisões Horti e Agri. Mais de dois terços dos negócios do segmento Agri vinham do Brasil.
Recentemente, essa estrutura foi revista, com a reunificação das operações e uma reorientação das decisões em níveis regionais, e não mais pelo tipo de cultura.
“Vimos que fazia mais sentido combinar nossos conhecimentos e aplicá-los de uma forma mais eficiente do que separá-los entre Horti e Agri”, admitiu o CEO René Koppert.
Martin, principal executivo de negócios da companhia, disse que a ideia é dar mais responsabilidade aos responsáveis por cada região, que, por estarem mais perto dos produtores, terão condições de tomar as melhores decisões para cada mercado. “A diferença será feita em nível local”, diz.
A integração sulamericana a partir do Brasil é resultado desse novo conceito, assim como a decisão de acelerar a “invasão” dos Estados Unidos. A Koppert já tinha uma presença importante lá, inclusive com unidades de produção, mas apenas na antiga área de hortifrutis.
Agora, enxergam as lavouras de soja, milho e algodão, em que os americanos disputam com o Brasil a liderança mundial na produção e exportação, como importantes vetores de crescimento para os próximos anos.
“Estamos trabalhando muito forte na entrada nos EUA e América do Norte, mais ou menos as mesmas culturas que o Brasil. A região terá papel significativo na nossa receita nos próximos anos”, disse René.
Na Europa, à antiga área Agri também começa a ganhar mais espaço, com a introdução de novos produtos para grandes culturas, mas de acordo com os irmãos o avanço tem sido mais lento do que o previsto, “por uma série de motivos, especialmente questões regulatórias”.
Em ambos os mercados, eles ressaltam que o conhecimento e as experiências adquiridas no Brasil na última década têm sido usados para acelerar processos nas áreas de pessoas, produtos e negócios.
“Estamos construindo equipes de venda nos EUA tendo como base no que aprendemos no Brasil”, afirmou Martin. Na Europa, segundo ele, também tem sido aplicadas algumas práticas desenvolvidas no Brasil.
“Toda região é diferente, inclusive grandes culturas como soja e milho nos EUA têm operações um pouco distintas do que no Brasil, mas há muito que podemos trocar. Estamos treinando pessoas e construindo competências no Brasil que podem nos dar grande contribuição em outros lugares do mundo”.
“Usamos hoje na Europa produtos desenvolvidos aqui e podemos usar coisas que estão sendo testadas no SparcBio para EUA”, completou René. “Isso deve se acentuar no futuro, somos uma empresa global e precisamos usar isso em nosso benefício”.
Em sentido contrário, produtos como biofertilizantes e inoculantes, cuja oferta no Brasil ainda é limitada, devem ganhar espaço no portfólio da companhia por aqui nos próximos anos, seja com tecnologias trazidas de outros países ou como resultado de parcerias locais, segundo Martin. “Acreditamos que é isso é muito importante no mercado brasileiro”.
O executivo afirma que a Koppert tem estado atenta a possíveis parcerias no Brasil, que podem evoluir até meso para aquisições. “Estamos sempre olhando para opções de M&A. Quando realmente houver fit, inclusive com nossa filosofia, vamos fazer”.
Da mesma forma, a Koppert é sempre vista como um potencial alvo para aquisições por parte de grandes grupos da área de proteção de cultivos, como as gigantes químicas interessadas em se posicionar como líderes na área de biológicas.
A família Koppert tem resistido ao assédio e, mesmo com a terceira geração no comando, o discurso não muda. “Somos uma empresa familiar e imaginamos continuar dessa maneira no longo prazo”, diz René.
Ele deixa, entretanto, uma brecha para conversas. “Também somos muito práticos. Vemos o crescimento em vários mercados e acreditamos que precisamos estar preparados para aproveitar ao máximo os potenciais e continuar competitivos e relevantes para nossos clientes. Entendemos que no futuro talvez tenhamos de encontrar outros meios de financiar nossa companhia”.