As dificuldades no campo e a desvalorização do real frente ao dólar no ano passado afetaram a operação brasileira da gigante global de commodities e alimentos Cargill, que encerrou 2024 com um prejuízo bilionário no país.

A companhia, que tem capital fechado, apresentou suas demonstrações financeiras nesta segunda-feira, 28 de abril, revelando um prejuízo líquido de R$ 1,7 bilhão, um desempenho negativo especialmente em comparação com 2023, quando havia registrado lucro de R$ 2,5 bilhões.

Apesar de avanços em algumas linhas financeiras – o lucro bruto subiu de R$ 5 bilhões para R$ 6,8 bilhões e o lucro antes de juros e impostos (Ebit) passou de R$ 2,3 bilhões para R$ 4,1 bilhões – os ganhos, no entanto, foram insuficientes para neutralizar os impactos negativos vindos do campo e da variação cambial.

“A safra de verão decepcionou e a safrinha também quebrou. Os produtores ficaram esperando preços melhores e postergaram a comercialização, mas como a oferta e demanda global estão em equilíbrio, não houve reação das cotações”, afirmou Paulo Sousa, CEO da Cargill no Brasil, em entrevista ao jornal Valor Econômico.

Em relação ao câmbio, Sousa lembrou que o resultado tem a ver com a situação do dólar frente ao real no momento do fechamento do balanço, que se dá no dia 31 de dezembro de cada ano.

“É importante ressaltar que esse resultado não é operacional e não tem efeito caixa. Nosso faturamento é 80% dolarizado e nosso funding também, então estamos falando apenas de um retrato de 31 de dezembro de cada ano”, disse o presidente da Cargill no Brasil.

Em um comunicado à imprensa, Souza reforçou que, mesmo com os desafios, o Brasil "tem um papel vital para a alimentação global" e que, por isso, "a Cargill segue investindo em nossa expansão e na melhoria da nossa operação no País."

No ano passado, a Cargill disse ter investido R$ 1,7 bilhão no Brasil. Entre as iniciativas, a companhia passou a operar uma fábrica de nutrição animal em Pato Branco (PR), adquirida da Anhambi Produção Animal.

A Cargill também firmou parcerias para a produção de suplemento mineral com a Bom Negócio, de Patrocínio (MG), e com a Coamo, maior cooperativa agrícola do país, sediada em Campo Mourão (PR), com foco em rações para aves e suínos.

Além disso, a empresa avançou no processo de integração de três plantas de biodiesel e quatro armazéns adquiridos em 2023 da Granol, nos estados de Goiás, Tocantins e Rio Grande do Sul.

A Cargill também está concluindo a construção de um novo terminal em Porto Velho (RO), atualmente em fase de testes.

Uma negociação importante foi concretizada logo no começo de 2025. Em fevereiro, a companhia teria feito um aporte signficativo para a compra da parte da Usina São João, sua sócia na joint-venture SJC Bioenergia desde 2011.

Os números não foram revelados publicamente, mas fontes que acompanharam de perto a negociação disseram ao AgFeed que o valor total investido teria sido de mais de R$ 2,6 bilhões.

A Cargill exerceu seu direito de compra na SJC após uma oferta de R$ 2,6 bilhões que teria sido feita pelo Mubadala Capital, controlador da sucroalcooleira Atvos.

A SJC possui duas usinas em Goiás onde processa cana-de-açúcar e milho e produz açúcar bruto, etanol hidratado e anidro, óleo de milho e grãos secos de destilaria. A empresa, criada em 2011, atravessava dificuldades financeiras há quase uma década.

Fora do Brasil, o lucro da Cargill também vem em espiral decrescente.

Nos dados mais recentes divulgados pela companhia, a receita havia caído 9% no ano fiscal de 2024, chegando a US$ 160 bilhões no período, ante US$ 177 bilhões em 2023.

Não à toa, a Cargill passou por várias mudanças internas ao longo do ano passado, visando ter uma estrutura menos pesada, diminuindo a quantidade de negócios e de custos.

A companhia reduziu de cinco para três o número de unidades de negócios – agora divididas em alimentos, agricultura e comércio, e portfólio especializado – segundo informações da agência Reuters.

Uma onda de demissões também veio com os resultados negativos. Primeiro, em julho do ano passado, foram demitidas 200 pessoas que atuavam na área de tecnologia da empresa em diferentes países.

Mais tarde, em dezembro, projetava dispensar cerca de 8 mil de seus 160 mil funcionários espalhados pelo mundo, uma redução de 5% em toda a sua força de trabalho global, segundo informações da agência Bloomberg.