Entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões vão trocar de mãos no varejo de insumos nos próximos meses. A estimativa é de um experiente executivo de uma grande rede do segmento em uma conversa com o AgFeed no início desta semana.
O tema, é claro, era o impacto da recuperação judicial do grupo AgroGalaxy, um dos gigantes desse mercado. Ajuizado no dia 18 de setembro, o pedido de proteção contra a execução de dívida e o arresto de bens da companhia foi deferido na terça-feira, 01 de outubro.
Nesse intervalo, o setor ficou dividido entre perplexidade e apreensão. E começou a fazer as contas do chamado “Efeito AgroGalaxy”.
Primeiro, de um possível dano de imagem setorial, gerando a percepção de que, mais do que um problema localizado, o tombo de uma empresa desse porte fosse sinalização de dificuldades generalizadas.
Em um segundo momento, em torno de um provável espólio deixado por uma falta de capacidade do AgroGalaxy de atender seus mais de 30 mil clientes, distribuídos por cerca de 140 lojas em 14 estados.
Ainda não se conhece o plano de recuperação da companhia – que deve ser apresentado à Justiça em até 60 dias. Mas parece não restar dúvidas de que ela sairá desse processo menor do que entrou.
E que esse encolhimento forçado será um divisor de águas no processo de consolidação e reorganização do varejo de insumos no País, que movimentou, no ano passado, R$ 151 bilhões.
Nas últimas duas semanas, o AgFeed ouviu mais de uma dezena de empresários, executivos, consultores e especialistas do setor – alguns só aceitaram falar sob a condição do anonimato.
Colheu impressões e depoimentos sobre as causas da derrocada de um líder e buscou traçar cenários que apontem qual será o novo equilíbrio de forças e como ficará o processo de consolidação que vinha acontecendo no segmento.
Algumas tendências foram quase unânimes; outras, variavam conforme o ângulo de observação de quem analisa. Quem serão os vencedores e os perdedores nesse novo quadro é a pergunta de muitos bilhões de reais.
A principal unanimidade é justamente em torno da visão de que, embora outras empresas devam ter, nos próximos meses, o mesmo destino do AgroGalaxy, esses problemas estão mais associados à gestão de cada uma delas do que a um quadro sistêmico de dificuldades na distribuição de insumos.
“Há muitas empresas boas, que, mesmo em um mercado desfavorável, têm conseguido até ampliar negócios e consolidar suas posições junto aos produtores”, afirma Antonio Henrique Botelho, fundador e CEO da Agrológica, rede com oito lojas, com sede em Primavera do Leste (MT).
Logo nos primeiros dias após a notícia de que o AgroGalaxy havia recorrido à proteção judicial, ele passou a ter conversas frequentes com seus pares em outras companhias, preocupado em mobilizá-los em torno da necessidade de demonstrar que o segmento permanecia saudável, a despeito dos movimentos isolados.
Já no dia 19 de setembro, uma reunião de dirigentes da Associação Nacional de Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), que representa o setor, avaliou o quadro e debateu a possibilidade de uma manifestação oficial reforçando esse ponto.
Uma das preocupações era tentar monitorar rumores e evitar que um eventual contágio do segmento fizesse secar o crédito que movimenta as vendas do setor às vésperas do início do plantio da safra de verão.
Com o mercado nervoso, alguns efeitos foram sentidos. Dias depois, o grupo Portal Agro, de Paragominas (PA), também requisitou a recuperação judicial.
Rumores em redes sociais e grupos de whatsapp levantaram dúvidas sobre a saúde financeira da Lavoro, outra das gigantes consolidadoras do mercado, que se mostraram infundados.
Crise e oportunidade
Outro consenso no setor, segundo os relatos ouvidos pelo AgFeed é de que começa, desde já, uma disputa por um contingente relevante de clientes que deixarão, voluntariamente ou não, a carteira do AgroGalaxy e de outras revendas que, como a Portal Agro, vivem também dias difíceis.
Nos dias subsequentes ao pedido de RJ, por exemplo, vários deles encontraram as portas das lojas da companhia fechadas em suas regiões.
Um dos casos citados ao AgFeed era justamente o de Paragominas, tido como emblemático por dois dos consultores ouvidos.
Segundo eles, a chegada do AgroGalaxy ao município paraense, há alguns anos, provocou dois impactos principais. Algumas revendas, sem condições de competir com as políticas agressivas do grupo, fecharam suas portas.
Outras, como a Portal Agro, entenderam que precisariam ganhar musculatura para se manter no jogo. Enquanto o mercado esteve favorável, a empresa local expandiu-se em ritmo forte. Mas a alavancagem cobrou seu preço quando o ciclo de baixa das commodities chegou.
“Existe sim uma oportunidade para quem estiver pronto para capturar o mercado que vai ficar desatendido”, afirma o executivo que estimou, “de forma simplória”, como advertiu, o espaço que deve ser deixado por companhias que vão encolher ou deixar o mercado – sua conta, citada no início desta reportagem, leva em consideração a probabilidade de que novas RJs devam acontecer acarretando no fechamento de lojas de várias redes, não apenas do AgroGalaxy.
“As oportunidades batem à nossa porta todos os dias”, concorda Paulo Lima, fundador e presidente do grupo Rumo Agro, rede com sede em Campo Novo dos Parecis (MT).
“É produtor que perdeu o pacote lá, que está vindo comprar. Já estava aparecendo antes da RJ. Depois da RJ, aí choveu”, conta.
E não é só. Lima afirma ter recebido, nas últimas duas semanas, 18 currículos de representantes técnicos de vendas (RTVs) dos quadros de empresas em dificuldades, sobretudo AgroGalaxy. Dois deles foram absorvidos pela sua empresa.
“A gente sabe que eram bons, estou fortalecendo mais ainda meu time”, diz. Lima diz que a Rumo deve crescer mais de 20% na atual safra e que poderia ir até mais rápido, avançando sobre os espaços deixados.
“Eu não vou deixar crescer mais, poderia ser 30%. Mas eu não quero. A gente é bem coerente, consciente no tamanho do nosso passo, até para não cometer o mesmo erro de outros. Para você crescer, tem de se alavancar ou entrar no mercado de risco. Eu não vou fazer nenhuma das duas coisas”.
A consolidação acabou?
O exemplo da Rumo foi citado por mais de um dos executivos de empresas do setor ouvidos pelo AgFeed. Outros grupos, como Agrológica e Charrua, de Goiás, também foram citados mais de uma vez como empresas de porte médio que buscaram o crescimento orgânico, se mantiveram saudáveis e hoje se colocam em condições de disputar uma fatia importante do espólio das concorrentes em dificuldades.
Uma visão recorrente no setor é de que o modelo de consolidação que vinha acontecendo no mercado, liderado por fundos de investimentos e multinacionais com investimentos pesados em aquisições, já vinha enfrentando problemas para trazer retornos e, agora, teve sua pá de cal com o caso AgroGalaxy.
Controlado pela gestora Aqua Capital, o grupo fez mais de 20 aquisições nos últimos anos e apostou em uma expansão rápida como forma de ganhar escala e, com isso, obter ganhos de eficiência que compensariam as margens nem sempre tão atraentes do setor de varejo.
Além dela, Lavoro, do Patria Investimentos, e Nutrien, grupo canadense especializado na produção de fertilizantes, são dois outros expoentes desse modelo e vêm, também, apresentando resultados ruins.
“A escala não funcionou”, afirma Antonio Prado Neto, sócio da Prado Consultoria. Executivo com vasta experiência tanto na indústria de insumos como na distribuição, ele conhece o setor por dentro e é um dos que acredita que o momento é de “repensar o modelo de consolidação”.
Sua avaliação é a de que os ganhos imaginados pelos grandes grupos consolidadores não vieram, em grande parte, porque a indústria de insumos não entrou no jogo proposto por elas.
“Elas imaginaram que, pelo seu porte, iam pressionar o fornecedor, comprar mais barato, pagar seu custo e ainda dar lucro sem deixar de ser competitivo na ponta”, afirma. “O problema é que o discurso não funcionou na prática. Muitos fornecedores acabaram saindo fora”.
Lima, da Rumo, corrobora essa visão. Segundo ele, muitas vezes os distribuidores de menor porte conseguiam até melhores condições, por entenderem melhor o momento de adquirir os insumos e serem mais ágeis para aproveitar as oportunidades de mercado.
“No caso dos grandes, as equipes eram menos experientes, não dimensionavam bem os pedidos. Além disso, com as compras centralizadas, aos grupos esperavam muito tempo para reunir todas as demandas e fazer as encomendas à indústria e, quando faziam, muitas vezes já tinham perdido o timing do mercado”.
Tamanho não é documento
Dessa análise resulta a conclusão, compartilhada por Prado, Lima e outros especialistas, de que pequenos e médios revendedores terão papel mais relevante no novo cenário do setor, assim como as próprias indústrias.
Com passagens por indústrias como a UPL e também por companhias de varejo, inclusive o grupo AgroGalaxy, Renato Seraphim – hoje diretor da rede de revenda de máquinas Ciarama, de Dourados (MS) – acredita que, após os impactos da RJ da gigante do setor, haverá uma revalorização do atendimento personalizado, da presença mais próxima do agricultor.
“Os médios e pequenos distribuidores vão focar mais no atendimento, nas especialidades, que exigem um conhecimento do time, um atendimento diferenciado”, analisa.
Seraphim faz uma analogia entre o setor de insumos e o de supermercados para explicar sua tese. “O varejo agrícola é o varejo tradicional amanhã”, afirma.
Ele lembra que a consolidação no mercado urbano também teve momentos de maior impulso, focado em aquisições e liderado por grandes grupos estrangeiros, como Casino e Walmart.
“Alguns desses grupos não entenderam a complexidade do Brasil, suas características regionais, a peculiaridade de cada região”, diz. “O Walmart, por exemplo, saiu do Brasil, e alguém foi lá e ocupou o espaço. Em muitos casos, distribuidores com alcance regional, que conhecem melhor seus mercados”.
O mesmo deve acontecer, para Seraphim, no varejo de insumos. “Já há distribuidores regionais ocupando espaço desses grandes”, afirma. E acrescenta: “Vai crescer muito aquele que a gente chama do supermercado de bairro ou redes mais especializadas. Eu vejo que vai ter um rearranjo”.
A volta dos que não foram
Esse rearranjo pode passar, na visão de alguns dos especialistas, por nomes conhecidos do setor. Um movimento que vem sendo percebido pelos analistas é o retorno ao mercado de empresários e executivos que estavam do lado vendedor quando o modelo de consolidação liderado por Lavoro, AgroGalaxy e Nutrien começou.
Com profundo conhecimento do mercado e acesso às suas antigas carteiras de clientes, antigos donos de redes de distribuição que foram compradas por esses gigantes estão remontando seus negócios, depois de verem vencer os prazos estipulados para se manterem de fora do mercado.
Nomes como os de Walter Bussadori, da Agro100, Rogério Ferrari, da Agro Ferrari – duas das redes adquiridas pelo AgroGalaxy – e Antonio Pimenta Martins, o Toninho, e Everaldo Pereira Barbosa, que venderam a Tec Agro para a Nutrien, são frequentemente citados entre aqueles que já se movimentam para voltar.
Bussadori, por exemplo, ficou sete anos fora do mercado por força de contrato de não competição, encerrado em 31 de julho passado. Quando venceu, já sem nenhuma relação com o AgroGalaxy - é, na verdade, credor da empresa como pessoa física e jurídica -, retornou ao mercado. Agora é sócio da Inova 100 Comércio de Produtos Agropecuários LTDA, empresa registrada em Londrina (PR) no dia 2 de setembro passado.
“Esses vendedores pegaram um bom ‘cash’, ficaram com os imóveis, têm os ativos à sua disposição. Conhecem os clientes, conhecem o time de vendedores, têm tudo na mão para voltar a operar”, diz o executivo de uma rede do interior paulista.
“E, em alguns casos, se ele não montou uma nova rede, os funcionários fizeram isso”. A Agro100, de Bussadori, é mais uma vez exemplo. Um grupo de ex-diretores da rede hoje comanda, em Londrina, a Agro Infinnity, que, segundo esse executivo, “está crescendo uma loja por ano nesse modelo”.
Nos grandes grupos, esse movimento não passa despercebido, mas é minimizado. Ao AgFeed, um representante do primeiro escalão de uma das empresas consolidadoras disse que, diante do potencial das oportunidades do mercado, esse retorno dos veteranos do setor não terá impacto na continuidade de seus modelos.
Ele lembra que, somando as empresas adquiridas pelos dois principais players – Lavoro e AgroGalaxy – se chegaria a cerca de 60 grupos. “Suponha que todos eles voltassem a abrir uma revenda, o que não é o caso. A gente teria 60 novas revendas sendo abertas, no universo de mais 3 mil existentes no Brasil”, diz.
Por outro lado, ele destaca outro dado: “algo em torno de 80% das revendas ainda são geridas pelo fundador, pelo primeiro dono”. Isso significa, na visão dele, que há muitas oportunidades de compra em um momento em que esse dono, caso não tenha um sucessor, decida vender esse negócio. “Tem muita revenda também que vai, provavelmente, passar de mão”.
A consolidação, para esse executivo, continuará, mas possivelmente com diferentes modelos convivendo e com uma redução, nos próximos anos, no número de revendas no mercado.
A indústria ganha espaço
Para ele, um dos modelos que mais deve prosperar nesse cenário é o da venda direta, com as indústrias buscando acessar o produtor sem a intermediação dos distribuidores.
Essa tendência é praticamente consensual entre os especialistas ouvidos pelo AgFeed.
“As revendas hoje distribuem algo em torno, de 40% a 45% dos insumos que são vendidos no mercado. Existe uma pressão para que esse número diminua”, afirma o executivo da gigante do setor.
“A pressão existe desde que eu estou estudando o mercado, mas agora se intensificou. O quanto que vai ser bem-sucedida, vai depender um pouco das revendas”.
Grandes multinacionais como Bayer, Syngenta e UPL já têm estratégias claras (e distintas) para crescer nesse mercado. A Syngenta seguiu o rumo das aquisições como forma de se colocar no mercado. Hoje reunidas em torno da Synap, espécie de holding criada para atual no setor, ela já soma cerca de 90 lojas em dez estados.
A última aquisição, da goiana Produtécnica, foi feita em abril passado. O diferencial do grupo é manter os antigos donos na gestão e também a bandeira das marcas adquiridas.
Na Bayer, a principal aposta é no crescimento dos canais digitais de comercialização. A empresa é sócia do marketplace Orbia.
Já a UPL optou pela formação de uma joint venture com a Bunge na criação da Orígeo, que utiliza a capilaridade da megatrading para acessar os produtores.
O alvo inicial desse modelo eram agricultores com mais de 10 mil hectares. Hoje, a linha de corte já desceu para cerca de 3 mil hectares. Com isso, segundo Seraphim, chega-se a um universo de cerca de 18 mil agricultores, que representam quase 50% da compra de insumos no Brasil.
“A venda direta, que antes ficava restrita aos grandes grupos agrícolas, hoje já representa 30% do mercado”, estima Seraphim. “Acredito que pode ir além e chegar até 50%. O restante será disputado por cooperativas, que estão em expansão e vão tomar muito espaço das revendas que não foram consolidadas”.
O consultor Antonio Prado Neto também enxerga que os modelos de venda direta podem estar entre os vencedores desse novo momento do mercado, assim como grupos que, juntamente com a distribuição de insumos, possuem outras vertentes de negócios e atuam de forma complementar.
Entram nesse universo empresas como a 3tentos, que atua também na originação e industrialização de grãos, a Amaggi, que recentemente lançou também um marketplace para a venda de insumos, e a própria Bunge, com a Origeo.
Nesse caso, as margens menores e eventuais soluços do varejo podem ser compensados com ganhos em outros segmentos, mitigando riscos de mercado.
Prado também inclui nesse cenário as cooperativas, com a tendência cada vez maior de verticalização, indo da originação à industrialização. Capitalizadas e com a confiança dos produtores associadas, elas entram em campo com poder de fogo.