A FS, uma das maiores produtoras de etanol de milho do Brasil, já consagrou sua posição no biocombustível para o uso rodoviário e, há tempos, observa com atenção crescente os debates sobre o SAF, Combustível Sustentável de Aviação.
Depois da terra e do ar, agora a FS olha para o mar. Segundo Daniel Lopes, vice-presidente de sustentabilidade e desenvolvimento de mercado da empresa, o próximo horizonte é o combustível marítimo.
Nesta semana, o executivo participou de um painel no evento TECO Latin America, promovido pela empresa Novonesis, e se mostrou convicto de que o etanol brasileiro pode ser protagonista na transição energética também nos mares.
O potencial não é pequeno. Na visão da consultoria americana BCC Research, o mercado global para os combustíveis sustentáveis marítimos era de US$ 330 milhões em 2023, com a perspectiva de bater US$ 3,4 bilhões até o final de 2028.
Para a FS, isso representa uma oportunidade de diversificação em um setor em que o etanol ainda engatinha, mas tem condições de se firmar como alternativa de baixo carbono.
“Um excesso de oferta, dependendo apenas do mercado rodoviário brasileiro, não é nossa visão de futuro”, afirmou Lopes, da FS.
O executivo lembrou que a Organização Marítima Internacional (IMO), agência ligada à ONU que regula o setor, deve avançar em uma reunião agora em outubro com metodologias para descarbonização do bunker oil, abrindo espaço para novas opções de combustível.
Segundo Lopes, testes da finlandesa Wärtsilä, uma das maiores fabricantes de motores navais e equivalente à Boeing do setor marítimo, já mostraram viabilidade do uso do etanol, com uma diferença de autonomia frente aos combustíveis tradicionais equivalente ao que ocorre entre etanol e gasolina nos carros, cerca de 30% menor.
Algo que, na visão de Daniel Lopes, não seria impeditivo frente às vantagens de custo e emissões. “Quando você leva em conta o preço do etanol versus esses outros combustíveis como metanol ou GNL, o etanol será protagonista. Precisaremos de todos, mas ele terá papel fundamental na transição marítima”, disse.
Nesta semana, no dia 30 de setembro, a empresa suíça de motores marítimos WinGD anunciou que vai desenvolver seu primeiro motor movido a etanol. As primeiras entregas devem ocorrer em 2027.
“Estamos muito confiantes que nessa metodologia de carbono de transição energética mais gradual que está sendo imposta, o etanol terá papel fundamental no mercado, inclusive esperamos que nessa reunião (do IMO) o etanol de milho brasileiro seja um dos primeiros cálculos de pegada de carbono regulamentados no mundo para o mercado marítimo”, disse Lopes.
Segundo o executivo, a FS já vem trabalhando há anos com essa agenda junto à Marinha do Brasil.
O argumento do etanol de milho brasileiro ganha peso quando se considera a pegada de carbono. Isso porque a produção desse biocombustível no Brasil utiliza biomassa florestal no processo produtivo, diferentemente dos EUA, onde a matéria-prima é o gás natural.
Sem contar que o cereal utilizado por aqui vem única e exclusivamente da segunda safra do ano. Por muito tempo, o mercado do etanol de cereais foi questionado sobre a “disputa entre energia e alimento”, mas nos cálculos de Lopes, da FS, não há disputa alguma.
Em sua apresentação no painel, pontuou que a quantidade de milho que se transforma em etanol ao invés de óleos, rações e outros usos alimentícios era de 10% da safrinha em 2021, e agora, 22%, com a projeção de atingir 32% do total em 2034.
A questão é que, mesmo com o avanço da representatividade em porcentagem, a safrinha tende a crescer cada vez mais. Nesses mesmos anos, a produção de milho foi de 61 milhões de toneladas, 90 milhões de toneladas em 2025 e com projeção de atingir 159 milhões de toneladas daqui a nove anos.
“Estamos produzindo alimento e combustível, sem que o etanol de milho tire alimento do brasileiro. Estamos crescendo nos dois”, disse.
A projeção do mercado é que o Brasil produza 19 bilhões de litros anuais de etanol de milho daqui cinco anos, em 2030, praticamente dobrando a produção atual, que gira em torno de 10 bilhões de litros.
Menos pegada de carbono
A aposta marítima soma-se a outros caminhos que a companhia já vem pavimentando, entre eles, o projeto de BECCS (bioenergia com captura e estocagem de carbono), que pode fazer da FS a primeira produtora de etanol com pegada negativa no mundo.
A empresa iniciou em 2023 a perfuração de poços em Lucas do Rio Verde (MT) e planeja, até 2026, injetar carbono no subsolo.
Depois de investir mais de R$ 100 milhões numa primeira fase de estudos técnicos e de perfuração de poços para comprovar a viabilidade geológica da iniciativa, a FS investiu outros R$ 350 milhões para adquirir e implantar os equipamentos que capturam, desidratam, comprimem e injetam o CO2 no subsolo.
A empresa demonstrou que, futuramente, será viável injetar no solo as 423 mil toneladas de carbono por ano emitidas pela usina, por 30 anos.
A FS já obteve sinal verde para o projeto piloto, por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e também já obteve uma Licença Provisória emitida no fim de julho pela Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso.
Esse reposicionamento estratégico ocorre num momento de recuperação operacional e financeira no balanço da FS. Após margens apertadas em 2024/25, a FS iniciou o ano-safra 2025/26 com números mais favoráveis.
No primeiro trimestre, registrou lucro líquido de R$ 255,9 milhões, revertendo o prejuízo de R$ 40,2 milhões no mesmo período do ano anterior, além de queda na alavancagem, que recuou de 7,39 vezes para 2,29 vezes de um ano para cá.
Resumo
- FS aposta no biocombustível marítimo como nova fronteira de crescimento para o etanol de milho, com vantagens em relação à descarbonização.
- Pesquisas indicam que o mercado de biobunker pode saltar de US$ 330 milhões em 2023 para US$ 3,4 bilhões em 2028.
- Testes de fabricantes como Wärtsilä e anúncio da suíça WinGD, que lançará motor a etanol em 2027, reforçam a viabilidade técnica.