Enquanto aguardava para subir ao palco como painelista no Global Agribusiness Forum (GAFFFF), em São Paulo, na última sexta-feira, 28 de junho, o CEO da BRF, Miguel Gularte acompanhava uma palestra do cientista Marcelo Gleiser sobre mudanças climáticas e “o futuro do universo”.
Perguntado sobre como via a relação do agro com suas ideias, Gleiser defendeu que se consuma “menos energia, menos água e menos carne”, causando silêncio e troca de olhares na plateia.
A fala do cientista foi o gancho para, na abertura do painel seguinte, Gularte se apressar em dizer: “Vou discordar de quem nos antecedeu e dizer que, na verdade, temos que produzir mais carne. Menos não é mais nesse caso, porque o mundo demanda proteína e o Brasil tem vocação para atender”. O CEO da BRF recebeu aplausos do público.
Polêmicas à parte, durante sua participação no evento o executivo reforçou que confia que o bom momento para o setor de proteína animal tenha continuidade, defendendo que a rastreabilidade dos produtos “vai acontecer”, para “dar a informação que o consumidor está exigindo”.
Ao final do painel, Miguel Gularte conversou com o AgFeed sobre alguns dos desafios da indústria, como a própria narrativa que cresce, globalmente, contra o consumo de proteína animal.
“O nosso setor não é uma corrida de 100 metros, é uma corrida de obstáculos”, disse. “Mas acho que o agronegócio brasileiro, seja ele a proteína do frango, suína, ou a carne bovina, está muito bem preparado”.
“Tem qualidade e padrão internacional. Está preparado para todos esses desafios e são desafios que serão superados sem sombra de dúvida. Temos todos os elementos para que isso aconteça, terra, solo, vocação, pessoas, e estamos no lugar certo, no momento certo, num mundo que demanda alimento”, afirmou o CEO da BRF.
E ainda fez um derradeiro comentário sobre a declaração de Gleiser. Na visão do executivo, “esse tipo de discurso carece de substância científica”.
Ele lembrou que o mundo necessita de alimento, à medida que ainda tem fome, portanto, “pregar a não produção, não é a forma melhor de abastecer, é sim a forma de criar escassez, inflação de demanda e aumento de custo”.
Investimentos em pet food
Com o momento mais crítico superado na BRF e a volta dos lucros para a companhia, com rumo estratégico definido pelo novo controlador Marfrig, Miguel Gularte disse ao AgFeed que “o caminho de investimento é inexorável”, quando perguntado sobre as perspectivas para a BRF.
“Ela (a empresa) vai crescer e à medida que melhora sua eficiência, tem rumo estratégico. O crescimento é um movimento natural. E o mercado se apresenta favorável, tanto em termos de custos de grãos, quanto de consumo por proteína, então é um bom momento”, avaliou.
A prioridade na BRF, segundo ele, tem sido o plano de eficiência operacional, controlando os aspectos que não dependem de fatores externos, na busca de melhorias.
A partir disso, o crescimento da produção, em diferentes negócios, deve ser uma consequência. E um dos setores que está no radar é de pet food.
Em 2021, a BRF investiu R$ 1,2 bilhão para comprar a Mogiana Alimentos e o grupo Hercosul. Atualmente, possui mais de 20 marcas nesta linha de produtos.
No início do ano passado, o mercado especulava a possível venda do negócio, com a Nestlé na disputa. Era uma época em que a BRF tinha 10% de participação no mercado pet, mas enfrentava um elevado nível de alavancagem. Por isso, a venda de ativos era apontada como uma alternativa.
O cenário mudou bastante em um ano. Em novembro de 2023, a BRF informou que havia desistido de vender o negócio de ração animal, destacando que, naquele momento, estava em terceiro no ranking no mercado brasileiro de pet food e como líder em “rações super premium natural”.
O pilar “BRF Pet” conta 1,3 mil colaboradores e cinco plantas, nos estados do Paraná, São Paulo (uma em Campinas e outra em Bastos) e Rio Grande do Sul, além do Paraguai.
Fontes próximas a empresa dizem que nesse período de transformação da BRF como um todo, o segmento de pet food estava “meio de lado” e até recentemente não tinha sido integrado de forma efetiva às políticas de eficiência da companhia.
Miguel Gularte deixou claro ao AgFeed que a situação começa a mudar. “Estamos trabalhando no pet no sentido de integrá-lo à companhia. O pet é o setor que a BRF investiu por último, ele vem agora sendo integrado dentro do nosso programa de eficiência de produção. Ele vai crescer e vai ganhar espaço dentro da organização”.
A expectativa é aumentar a produção e crescer inclusive nas exportações de pet food. Mas o CEO da BRF disse que isso vai ocorrer “de forma orgânica”.
Quem acompanha o negócio de perto diz que agora executivos da BRF estão dentro da unidade, implantando os mesmos sistemas de controle que são usados nos pilares principais, de alimentos, aves e suínos. “Como não estava sendo tão bem administrado, existe ociosidade para crescer com a mesma instalação”, afirmou uma fonte.
Foi também a análise de Miguel Gularte. “A BRF ainda tem, tanto no pet quanto nos outros setores, capacidade ociosa para fazer crescimento orgânico. Vamos crescer dentro deste segmento com a capacidade instalada que já temos hoje”.
Alojamento de aves
O CEO da BRF também comentou sobre preocupações recentes de analistas do setor sobre um aumento no alojamento de aves e o risco de prejuízo para as margens das empresas, futuramente, em cenário semelhante ao que ocorreu em 2023, quando houve um excesso de produção.
“Estamos vendo hoje uma demanda e uma oferta perfeitamente equilibradas, em todas as geografias. Às vezes você tem a exportação demandando mais, outras vezes tem o mercado interno. Temos hoje equilibrado, tanto a demanda, quanto a oferta. O alojamento maior está sendo acompanhado pelo consumo”, afirmou.
O alojamento de pintinhos de corte, por exemplo, cresceu 4% no mercado brasileiro no primeiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período de 2023, segundo a Apinco, que representa o setor.
Analistas têm destacado o fato de o alojamento de matrizes ter crescido 8% em 2023, o que seria a maior alta anual em uma década.
Um relatório do BTG Pactual destacou que “a colocação de pintinhos no acumulado do ano está aumentando e, se essa tendência continuar no mesmo ritmo no segundo semestre de 2024, poderemos ver a maior colocação anual de pintinhos de todos os tempos, aumentando significativamente a oferta”.
O CEO da BRF reforçou ao AgFeed que, na sua visão, o equilíbrio permanece, graças também à abertura de novos mercados para a exportação de produtos avícolas brasileiros.
“É um aumento que não tem reflexo ainda nas variáveis de mercado, tanto de preço, como de colocação. Não é menos importante relembrar que nós abrimos muitos destinos de habilitação para o Brasil e para a BRF em particular. A BRF no ano passado teve 66 novas habilitações e este ano já tem 34, mais destinos, são mais colocações, mais opções, melhor consumo”, concluiu Gularte.