Após o balanço do terceiro trimestre do ano-safra 2024/2025 (3T25) escancarar sua crise financeira, a Raízen partirá para um novo ciclo de sua história. A nova etapa, segundo executivos da companhia, será focada no congelamento de investimentos previstos para o etanol de segunda geração (E2G), na revisão do portfólio de ativos com desinvestimentos e em não priorizar a distribuição de dividendos para acionistas.
A companhia encerrou o período com prejuízo líquido de R$ 2,57 bilhões, ante lucro de R$ 793 milhões no mesmo período de 2023/2024. A receita líquida foi de R$ 66,87 bilhões, alta de R$ 14,3%, mas a dívida líquida da empresa, em R$ 38,59 bilhões, cresceu 22,5% em um ano, com a alavancagem saindo de 1,9 vez para 3 vezes.
Em conferência com analistas na manhã desta segunda-feira, 17 de fevereiro, Nelson Gomes, CEO da Raízen desde outubro, fez uma explanação sobre os três ciclos da Raízen antes de abrir para as perguntas dos profissionais.
Segundo ele, o primeiro ciclo, com o surgimento da empresa a partir da junção de Cosan e Shell e a compra da Esso, foi marcado pela integração e ocorreu entre 2011 e 2016.
O segundo ciclo, a partir de 2016, foi de crescimento com aquisições e o IPO, em 2021, além das novas frentes de negócios, com E2G e trading, e operações no exterior, na Argentina e Paraguai.
“Foi um ciclo de muita complexidade, muita distração, aumento dos custos e aumento da dívida, amplificado pelo cenário de juros, o que nos traz um senso de urgência para tomar as ações necessárias e trazer a companhia de volta ao equilíbrio”, afirmou Gomes.
O novo ciclo, de acordo com o CEO da Raízen, começa com a nova safra 20254/2026, a partir de março e será focado na geração de valor, mudança cultural, simplificação da estrutura, de processos internos e de portfólio e da forma como se comunica com o mercado
“Vamos manter o foco no nosso core business, na revisão do portfólio ativos, geração de valor aos acionistas e otimização da estrutura de capital”, completou Gomes.
Rafael Bergman, CFO e diretor de relações com investidores da Raízen, deu detalhes sobre o rearranjo financeiro e operacional da empresa, a começar pelo prosseguimento da venda de ativos fora do core business. “Temos bons ativos no portfólio e vamos buscar um bom valor para eles em 2025 e 2026, que será no início da jornada”, disse.
Segundo Bergman, a Raízen revisou os projetos em andamento de E2G. Dos investimentos previstos para chegar a 20 unidades produtoras de etanol celulósico até 2020, apenas quatro novas plantas estão garantidas. Duas estão em processo de comissionamento - em Barra Bonita (SP) e Valparaíso (SP) - e devem entrar em operação em breve.
Outras duas, em Morro Agudo (SP) e Andradina (SP), estão em processo de construção em diferentes estágios, devem consumir R$ 1,6 bilhão em capex e, de acordo com Bergman, seguem oportunidade importante, ativos que vão gerar caixa
“A gente reconhece que não é o momento de iniciar novos projetos. É o momento de digerir o portfólio e tomar decisões de desinvestimentos de ativos”, completou o CFO e diretor de relações com investidores da Raízen. “É um ciclo que não comporta dividendos e outras formas de distribuição para acionistas”, completou.
Com as plantas a serem finalizadas, a Raízen chegará a cinco unidades E2G, já que possui a unidade Bonfim, em Guariba (SP), e fechou recentemente a planta Costa Pinto, em Piracicaba (SP), pioneira do projeto. Além do etanol, outro investimento que será finalizado pela empresa é o da refinaria da Argentina.
A visão dos analistas
Em relatório aos investidores, a equipe do BTG Pactual avaliou o balanço do 3T25 da Raízen como “sua tentativa de voltar ao básico”. Para os analistas do BTG, os impactos dos incêndios nos canaviais de 2024 colaboraram para a companhia não atingir a previsão de moagem de cana-de-açúcar e ainda obrigaram a empresa a produzir mais etanol e menos açúcar, produto de maior valor e margem.
Ainda de acordo com BTG, a combinação da desvalorização do Real em relação ao trimestre anterior, a sazonalidade do capital de giro e a redução no financiamento de fornecedores e adiantamentos de clientes, contribuíram para o aumento no endividamento líquido.
Por fim, os analistas citam uma dezena de mudanças no alto escalão anunciadas em dezembro, “reforçando a intenção da Raízen de imprimir um novo ritmo”, informaram.
“Aguardamos mais novidades. Em nossa visão, a Raízen tem muitas opções em jogo e esperamos um fluxo intenso de notícias nos próximos meses. Após esses resultados, também pretendemos revisar nossas projeções com premissas mais conservadoras”, completaram.
Os analistas do BTG mantiveram a recomendação de compra “por enquanto, na esperança de que mesmo uma pequena melhora no perfil de fluxo de caixa livre possa destravar um potencial significativo de valorização das ações”.
Gabriel Barra, do Citi Brasil, destacou a “avançada estratégia de reciclagem de portfólio”, incluindo a venda dos direitos de exploração da cana, projetos de usinas de geração distribuída e um desinvestimento parcial nas operações de mobilidade no Paraguai.
Segundo Barra, a Raízen apresentou resultados fracos, impactados negativamente pelo início do realinhamento de sua estrutura de capital para enfrentar o cenário macroeconômico adverso. “Em nossa visão, a empresa vem passando por transformações significativas, começando pelas mudanças na gestão e na Cosan”, concluiu Barra, que também mantém a recomendação de compra.
Já a equipe do Itaú BBA também cita as transições na liderança e a mudança estratégica da Raízen, “para aumentar o valor ao acionista e otimizar sua estrutura de capital”, processo que inclui a revisão de ativos.
“No longo prazo, vemos um potencial atrativo de risco-retorno devido ao processo de reestruturação recém-iniciado. No entanto, as fragilidades atuais no balanço e a baixa visibilidade sobre a recuperação da eficiência e o processo de desalavancagem podem limitar o otimismo dos investidores no curto prazo”, concluíram.
A ação da Raízen, que abriu em queda, inverteu o sinal e, no início da tarde desta segunda-feira, operava em alta.