Bisneto de franceses que vieram para o Brasil plantar café no interior de São Paulo, o engenheiro agrônomo André Guillaumon há quase 8 anos tem a missão de comandar uma das maiores companhias do agronegócio no País, a BrasilAgro, que combina produção agropecuária e negociações de propriedades rurais.

Ao receber o AgFeed na sede da BrasilAgro, na capital paulista, Guillaumon mostrou que o atual período desafiador do agro traz pontos de atenção, mas não tira o otimismo da companhia com a expectativa de crescimento do setor nos próximos anos.

A colheita da soja em áreas da BrasilAgro de Mato Grosso começou no dia 2 de janeiro, com volumes ainda pequenos, mas expectativa de que a produtividade média, ao final, fique dentro das projeções já feitas pela empresa.

"Até agora está muito próximo do que tínhamos estimado, com alguns talhões, com algumas reduções pontuais. Mas acreditamos que essa região ainda tem uma estabilidade. Eu estou falando de uma exceção, a região do Xingu, que foi esse ano, para o Mato Grosso, um oásis", afirmou o CEO.

O executivo confirmou que a produção de soja será menor nesta safra, conforme o estimado, em função de uma menor área de plantio. Mas trouxe um pequeno alívio em relação ao milho.

No início de dezembro a BrasilAgro informou aos investidores que estava deixando de plantar 9 mil hectares de milho, pela margem negativa e pelo atraso na soja, que comprometeu a janela da segunda safra.

Porém, com a melhora nos preços do milho no fim do ano, Guillaumon disse ao AgFeed que pelo menos 2 mil hectares deste total voltaram a virar lavouras de milho, devido a um aumento na margem de cerca de R$ 600 por hectare.

Outra aposta da BrasilAgro para enfrentar os tempos de taxa de câmbio e preços de commodities menos favoráveis é adotar uma postura “compradora” no mercado de terras.

"Aquele produtor que já vinha com uma alavancagem importante, com o cenário adverso, passa a ser para nós, agora, uma oportunidade de negócios", afirmou o executivo.

Na entrevista a seguir, André Guillaumon fala de diversos outros temas, inclusive dos planos de investir mais em bioinsumos em 2024. Confira os melhores trechos desta conversa.

Sua carreira como executivo na BrasilAgro teve início há 17 anos. O interesse pela agricultura também começou cedo?
Eu venho da quarta geração do negócio agrícola. Os meus bisavós, por parte de pai, são franceses. Vieram da França para plantar café em uma cidade perto de Marília, que se chama Echaporã. Por parte de mãe, eles vieram para Ribeirão Preto e depois meu avô fez uma mini BrasilAgro, comprou muita terra no Noroeste Paulista. Meu bisavô Mario já parou ali e foi plantar café lá também. As famílias se conheceram e meus pais se casaram.

Então o agro já estava no DNA...
Eu morei na fazenda, até estudei em escola de grupo, escolinha da zona rural. Todo dia eu voltava com a carroça cheia de menino, né? E aí depois eu vi a cidade. Morei na fazenda até sete para oito anos de idade. Nessa época que foram as geadas de 77, 78, 79 e 80, aqui no estado de São Paulo e meu pai tinha café. Não quebrou não, mas ficou desgostoso. A fazenda perdeu muito com café e ele começou a vender as terras. Começou a vender as fazendas que ele tinha em Marília e comprou no cerrado brasileiro, na região de Uberaba e Uberlândia, em Minas. Ele é agrônomo também, formado na Esalq, eu fui fazer Esalq, fui fazer agronomia e virou a cachaça da família. Eu estudei, fiz faculdade de agronomia, fui trabalhar no setor de fertilizantes, por 12 anos, e vim para cá, para BrasilAgro, há 17 anos.

Então, apesar de liderar uma empresa listada, próxima do mercado financeiro, acha importante essa experiência no campo?
Eu sempre falo que o gestor tem que conhecer de negócio e do negócio. Olha o que eu falei, só mudei uma vogal numa preposição. Eu conhecia do negócio, mas conhecia pouco de negócio. Meu desafio foi conhecer de negócio, ou seja, conhecer taxa de retorno, valuation, essas coisas todas. Porque do negócio eu conhecia e acho que é um pouco isso que falta hoje. Eu exploro muito hoje as iniciativas das faculdades que estão levando para a escola de negócio, o agronegócio, como a GV e o Ibmec. Eu vou todo ano lá dar palestra com essa molecada. Eu fiz a Esalq, uma das escolas de agronomia que, como se fala, é a melhor do Brasil, e não tinha esse conhecimento de negócio lá dentro, na época.

O cenário é diferente também nas empresas?
Sim, o desafio hoje é nas empresas. O que nós fazemos diferente dos outros é exatamente esse olhar com pessoas. Você tem que formar sucessão, você tem que formar gestão. Eu sempre falo que qualquer gestor da companhia tem que gastar 30% do seu tempo com gestão de pessoas. Temos várias ferramentas de avaliação de pessoas. A pessoa que exerce algum tipo de liderança é avaliada por todos, tem o chamado 9box, onde é avaliado, colocado num quadrante, e o gestor dele é o último a falar. O gestor tem que traçar o que a gente chama de PDI, um plano de desenvolvimento individual, para trabalhar determinado skill.

Essa avaliação é aplicada em todos os níveis?
O conselho avalia o diretor, o diretor avalia o gerente, o gerente avalia os coordenadores, os coordenadores avaliam os analistas. Você vai na fazenda de pecuária, por exemplo, vai até o capataz, que é a pessoa que cuida dos animais, mas é o chefe dos peões. Ele é avaliado também porque ele é líder. Isso que temos feito é importante para preparar a companhia. As pessoas precisam ver bem claro a estratégia da companhia, os processos que suportam a estratégia, ter pessoas capacitadas.

A BrasilAgro está entre as pioneiras na bolsa...
Nós estamos na bolsa desde que começamos. A BrasilAgro começou num plano de negócio. Normalmente, o que acontece com as empresas? Elas crescem, montam sua estrutura e vão ao mercado de capitais. Conosco foi do zero. Começou abrindo o capital da empresa. Então era um plano de negócios. Outro dia eu falei que a gente nasceu de um PowerPoint, mas era quase isso mesmo. Foi um plano de negócio com acionistas muito respeitados e o mercado de capitais confiou na empresa.

O momento era favorável a isso?
Era um momento de muita euforia no mercado de capitais. Em 2006, tiveram mais de 50 IPOs, e nós fomos um deles. De lá para cá muitos fecharam, muitos não existem, muitos foram consolidados. Mas é uma companhia que começou lá atrás, com cheque de R$ 586 milhões no IPO, com desafio de comprar propriedades agrícolas. E conseguimos comprar mais de 300.000 hectares.

Comprar era a parte mais fácil, não?
Aí tinha todo aquele desafio para virar o plano de negócio, que é colocar tecnologia intensiva, colocar capital, colocar gestão, mudar o múltiplo de EBITDA daquele ativo, esse ativo apreciado. Conseguimos fazer isso em mais de 100.000 hectares. Já vendemos mais de R$ 2 bilhões em fazendas e já pagamos mais de R$ 1,3 bilhão de dividendos acumulado nesse período. É um caso de sucesso, mas construído com muita resiliência, não tem mágica.

Ainda se fala que participação do agro é tímida na bolsa, comparada ao peso no PIB. E há empresários no campo que comentam, por exemplo, sobre a Faria Lima precificar mal as terras. Qual a sua visão?
Eu acho que é um desafio enorme. Essa não precificação, ela parte por essa assimetria de informação. Eu acho que hoje nós, sem dúvida nenhuma, negociamos a um valor descontado de NAV (net asset value) porque o mercado precifica muito o DCF, fluxo de caixa descontado. No mercado agrícola, você tem um patrimônio por trás disso, que é a atividade agrícola, o bem agrícola, que eu ainda acho que precifica com valor de desconto muito grande. Mas, por outro lado, se ele continuar não te precificando e você sendo um pagador recorrente de dividendos, uma hora o mercado vai te precificar. Esse é um ponto.

"Um talento bom, prefere trabalhar numa empresa listada como nós na bolsa aqui em Nova York ou numa empresa que tem capital fechado?"

E segundo, que o acesso ao mercado de capitais traz para as organizações uma profissionalização tremenda. A geração de valor que traz para uma empresa listada é tremenda no que se tange a controles, a gestão, a sistema... E o fator indireto de profissionalização é a atração de bons talentos. Um talento bom, prefere trabalhar numa empresa listada como nós na bolsa aqui em Nova York ou numa empresa que tem capital fechado? Se a condição for igual de trabalho, a condição for igual de remuneração, com certeza nós vamos atrair melhor.

A colheita da soja está em andamento, inclusive nas áreas da BrasilAgro. Como está vendo o resultado das lavouras?
Em mais de 30 anos, eu nunca vi um ano com o plantio tão conturbado. Do ponto de vista agrícola, algumas regiões do Mato Grosso, no período de pleno plantio, ficaram 10, 15, até 20 dias sem plantar. A intensidade do El Niño trouxe uma irregularidade na chuva da primavera, muito maior do que os outros anos que nós já tivemos o fenômeno.

Quais foram os principais impactos disso?
Essa intensidade atrasou o plantio de soja, que atrasou consequentemente a janela do plantio da segunda safra. A instabilidade climática foi muito grande até meados de dezembro, dali para frente, começamos a ter um regime hídrico com mais previsibilidade no Brasil Central, de São Paulo para cima. Mas a gente sabe que não tem como não afetar lá atrás, quando você tem uma estabilização da cultura nos primeiros dias. Com irregularidades climáticas, você joga com uma coisa que é o estande de plantas, que no fundo cada planta vai dar uma quantidade de grãos que vai dar uma quantidade de peso de soja. Esse foi um ano em que a estabilização dos cultivos foi muito conturbada. Por isso nunca vimos uma dispersão tão grande de estimativas de produtividade.

É um ano difícil de ter assertividade nas estimativas de safra?
A estimativa de produtividade, no fundo, é uma combinação de fatores. Você considera quantidade de população de plantas por hectare, quantidade de carga de vagem, de peso de grãos, que ela dá por por por planta, e multiplica isso. Você vai ter um peso de grãos por hectare e você tem uma produtividade por hectare.

E o que que acontece no ano com bastante irregularidade, como este?
É uma dificuldade na assertividade do peso de 1000 sementes. Como a gente teve um estabelecimento do cultivo de forma irregular, você tende a ter uma dispersão maior de peso de 1000 grãos, porque tem aquela plantinha que nasceu bem e tem aquele lugar que tinha um pouquinho menos de umidade. Ela ficou um pouquinho para trás. Lá em outubro nasceu tudo no mesmo dia. Depois de alguns dias vieram 15 dias de seca. É aquele lugar onde você tinha um pouquinho mais matéria orgânica na linha, que sofreu menos do que aquele onde tinha menos matéria. E isso tudo faz você ter uma dispersão entre as plantas do talhão maior. Eu acho que tem sido uma dificuldade para todo mundo, acertar o peso e acertar as estimativas em função do peso do grão.

Está se referindo ao Brasil como um todo?
Sim, estamos falando do Brasil. A produtividade é um somatório de coletivos. É um ano que vem com essa característica. Ele vem muito manchado. Você teve regiões que eu chamaria assim, que foram núcleos no Mato Grosso. A região da BR 163 sofreu muito esse ano. Já região em que nós (BrasilAgro) temos a maior participação no Mato Grosso, é uma região que sofreu menos, o Vale do Rio Araguaia, o Vale do Xingu. As principais áreas produtoras da empresa estão no Xingu e no oeste da Bahia.

Na Bahia como está se desenvolvendo a safra?
Lá começou também muito atrasado, o regime de chuva demorou para se estabilizar. Mas depois que começou, tivemos uma parada menor do que o Mato Grosso teve no mês de novembro e depois voltou ao normal. Tanto é que conseguimos, no caso do Matopiba, cumprir a janela ideal de plantio. É óbvio que quando a gente fala de janela ideal de plantio, se consideramos 30 dias, o ideal é que você plantasse 1/30 por dia, né? Esse é o mundo ideal. Mas esse ano você tem uma dispersão maior dentro da janela. Você conseguiu plantar menos nos primeiros 15 dias na região do Matopiba e mais nos últimos 15 dias. Então, isso tudo vem colocando muita complexidade no ano.

Algo mais preocupa?
Eu sempre falo que isso está na mão do produtor, ele sabe fazer agricultura, é uma atividade milenar. Mas o grande desafio é quando você tem tudo isso mais um monte de desafio comercial. Este sim é o ano que eu acredito que vai ser de muito desafio para toda a agricultura, porque não é só o desafio produtivo. O agricultor brasileiro tem maestria. Ele sabe plantar, sabe lidar com situações adversas. Mas este ano acho que a gente tem um somatório de adversidade, com questões macroeconômicas.

"Para aquele agricultor que não foi eficiente em buscar mecanismos de travamento de hedge, é um ano que que vai trazer complicação"

De modo geral, o agricultor, teve um custo de formação das suas lavouras com um dólar (taxa de câmbio) maior do que ele vai vender a produção. Para aquela empresa ou aquele agricultor que não foi eficiente em buscar mecanismos de travamento de hedge, é um ano que que vai trazer complicação. Quando a gente estava plantando a lavoura, o dólar custava mais de 5 reais. Agora nós estamos falando dólar abaixo de 5 reais. Então você teve um custo de formação com dólar acima de 5.

Os preços das commodities também estão mais baixos...
É um desafio enorme de questões comerciais. Eu citei um exemplo que foi câmbio. Mas vimos também reduções de preço de commodity lá fora. Vivemos um super boom de commodities no mundo nos últimos dois, três anos. E a coisa foi se acomodando, foi se regularizando a oferta e demanda. Então você vê também uma redução de demanda importante. Essa redução está muito atrelada a países que tinham um crescimento muito grande e estão reduzindo. Eu estou falando de China, um país que vinha crescendo sempre acima de 6%, 7%, 8% e está projetando um crescimento menor, que vai trazer uma demanda menor. Esse é um ano para o agricultor bastante desafiador, porque ele teve tudo aquilo que é que é usual lidar, que são as adversidades climáticas, e você coloca, uma pimenta nessa relação que é a adversidade comercial.

Ainda assim o agro brasileiro pode crescer?
Eu acho que ainda tem muito espaço. O setor representa muito da economia nacional e tem pouca representatividade na bolsa. O mundo passou a respeitar a importância do Brasil como um provedor de alimentos. Essas adversidades climáticas vão ajudar a regular o preço do mercado internacional. Antes éramos tomadores de preço. Agora, o que acontece é que, do ponto de vista produtivo, passa a ser também um formador de preço. No caso da soja, por exemplo, nós somos o maior produtor mundial. O Brasil produzia metade da soja que produzia os Estados Unidos. Hoje, a gente produz 30% mais que os Estados Unidos, com uma produtividade melhor que eles. E a gente achava que isso nunca ia acontecer.

O ritmo da colheita nas áreas da empresa está dentro do esperado?
Começamos a colheita nas regiões do Mato Grosso, principalmente no Vale do Araguaia, no Vale do Xingu. E já começamos o plantio da segunda safra, seja ela de milho ou de algodão. Foi um ano em que, por mais adversidade que a gente tenha tido para fechar o plantio, a chegada da chuva foi cedo. Começamos o plantio muito cedo. Foi o ano em que a companhia começou a colheita (da soja) mais cedo na sua história. Nós começamos a colher no dia 2 de janeiro.

E a produtividade?
Até agora está muito próximo do que a gente tinha estimado, com alguns talhões, com algumas reduções pontuais. Mas acreditamos que essa região ainda tem uma estabilidade. Eu estou excetuando aqui a região do Xingu, que foi uma região esse ano, para o Mato Grosso, um oásis. Ela foi diferente da BR163. Semana passada tivemos uma rodada por todas as áreas do Mato Grosso. Tivemos até alguns ajustes.

Que tipo de ajuste?
Prevíamos um pequeno ajuste para baixo, já voltamos a produtividade para cima, porque veio se estabilizando. Mas é muito importante ver a hora que começarmos a finalizar a colheita e ter mais volume colhido. No ano passado, em dez dias, você já tinha colhido um volume grande. Este ano, com 13 dias de colheita, tivemos um volume pequeno ainda, pela irregularidade de plantio. É por isso que eu falo que é difícil ainda de você tomar essa foto.

Quando deve terminar a colheita?
Na região do Mato Grosso vai até fim de fevereiro. E no Matopiba começa no final de fevereiro. Então, ao mesmo tempo que a gente está colhendo soja em algumas regiões, tem soja que está no puro crescimento vegetativo na região do Matopiba. Mas eu acho que o agricultor, por si só ele tem que ser um otimista, né? Senão eu não faria. Eu não colocaria tanto capital em risco.

Continua otimista?
Eu acredito que, de um modo geral, no caso da BrasilAgro, a safra de soja vai vir positiva. Temos uma região só com plantio atrasado. Conseguimos plantar bastante, apesar da janela, mas temos um plantio atrasado fora do Brasil, que é a operação nossa no Paraguai. O plantio lá sempre é mais tardio, mas temos aí um ponto de atenção importante. Não é que não plantou nada lá, aproveitamos bem as chuvas de dezembro. Já plantamos mais de 75% do algodão. Estamos na casa de 60% de soja plantada também lá no Paraguai, mas ainda tem 40% de soja para plantar. A janela ideal fecha no dia 22.

A maior parte da produção esperada está em Mato Grosso ou Matopiba?
Está bem equilibrado. Eu acho que isso é um pouco da virtude das empresas agrícolas e principalmente da Brasil Agro. É essa capacidade que a gente tem de ter diferentes culturas em diferentes regiões. Isso é chave no processo agrícola. Estamos falando de intempéries e para corrigir isso é ótimo ter a dispersão geográfica e por cultura. Aqui chove, aqui colhe mais, como é um disse, é um somatório de coletivos. A companhia tem também diversificação de cultivos, com cana-de-açúcar, algodão.

Então a BrasilAgro não deve precisar cortar suas estimativas de safra, assim como as consultorias têm feito para o País como um todo?
Já fizemos o ajuste que tinha que ser feito. Cortamos na soja lá atrás, nas áreas de primeiro ano, no caso da Bahia, quando a gente viu que ia escapar da janela. Nós migramos para outro cultivo. Então, por exemplo, nós aumentamos muito a área de feijão na companhia esse ano. Quando o olhar o número, não tocamos em produtividade. Tocamos em número absoluto de produção, porque houve uma redução da área de soja. Uma parte virou feijão. Tivemos uma migração de 1 mil hectares de soja.

Em dezembro a empresa informou que 9 mil hectares de milho deixariam de ser plantados. A maior parte era milho segunda safra, que haviam desistido de plantar...
Tivemos dois motivos para reduzir a área de plantio de milho. O primeiro foi margem de contribuição lá atrás. Nas regiões em que você só faz uma, ou soja ou milho no verão, tomamos a decisão. A margem do milho estava muito ruim. Então teve uma superfície de milho que migrou para a soja. O segundo motivo foi esse momento conturbado do plantio, que te joga a fazer uma segunda safra numa janela não tão ideal. A redução no milho, de 9 mil hectares, aconteceu em parte por áreas que foram passadas a soja na safra de verão e, em outra parte, em áreas em que a janela de safrinha de milho ficaria muito arriscada.

"Não tocamos em produtividade. Tocamos em número absoluto de produção, porque houve uma redução da área de soja"

Quando você olha o número absoluto da companhia, você tem um incremento de feijão, porque uma parte do milho, que era a segunda safra, não vai acontecer. O feijão entra, em parte, naquelas áreas novas. A gente não pode esquecer que nós somos uma companhia de desenvolvimento de terras. Nas áreas novas, em que você ia plantar soja, não pode plantar milho, não tem fertilidade para plantar. Se você escapou a janela para plantar soja, ou você faz um cultivo de cobertura ou você faz feijão.

Neste início do ano de 2024 o preço do milho melhorou. No critério econômico, foi possível reverter parte da decisão sobre esse cultivo?
Sim, nós fizemos isso. Voltamos para o milho em algumas unidades, principalmente no Matopiba. Por exemplo, plantamos um pouco mais na Fazenda Serra Grande. Chegou um momento lá atrás em que havíamos decidido não plantar milho nesta fazenda. Por dois motivos: o preço do milho recuperou e o plantio da soja foi um pouco mais conturbado.

Não houve problema com a janela de plantio?
A janela de plantio de milho no Matopiba é um pouco diferente da janela de soja. O ideal da soja no Maranhão e Piauí é terminar no máximo entre 5 e 10 de dezembro. E o ideal do milho costumamos dizer que "pode ir até o Natal". Com isso, você ganha 10 dias a mais. Como vinha com plantio de soja um pouco conturbado por aqueles dias de novembro, teria que plantar após 10 de dezembro que não é ideal, mas é sim para o milho. Então nestas áreas voltamos um pouco. É a dinâmica do negócio, esse é o desafio.

Esta mudança para o milho, aproveitando o momento atual, envolve quantos hectares? E quais indicadores levaram em conta?
Daqueles 9 mil que, a princípio, decidimos não plantar de milho, acredito que devemos ter revertido cerca de 2 mil hectares. O mercado que regula preço de milho é Chicago e B3. Teve um período de 50 dias em que o milho chegou a se valorizar na bolsa brasileira em quase 20%. Isso muda totalmente. Em áreas que estavam com margem de contribuição negativa, quando você considera este aumento de preço, muda a história. Óbvio que você não pode travar 100% da produção, porque há uma instabilidade em função de ser uma segunda safra. Então fomos tomando posição de milho, cada vez mais, porque a gente entendia que estava havendo uma recuperação de preços.

É uma cultura que lá atrás, quando se fazia a conta, a margem de contribuição estava muito baixa, menos de R$ 600 por hectare. E com esse rally que aconteceu, veio para a casa dos R$ 1,2 mil por hectare. Portanto, houve uma recuperação de margem algo em torno de R$ 600/R$700 por hectare.

É possível dizer então que a empresa prevê pouco impacto dos preços das commodities mais baixos para o negócio este ano?
No caso do milho houve recuperação importante. Mas na soja, isso não é verdade. As empresas vão vendendo derivativos, soja e milho futuro, mas ninguém faz para o montante total. Por política, nem é permitido fazer isso. No caso da soja, temos 60% da produção vendida a preços anteriores ao que está agora. Mas ainda temos 40% da soja que vão ser vendidos lá na frente.

Qual a perspectiva futura?
A grande discussão agora é começar a olhar se existe uma recuperação de basis, como vai se comportar a produção de soja nos Estados Unidos. É o que vai regular o preço da soja. Na safra brasileira o jogo já está mais ou menos marcado, com exceção da Argentina, que o plantio é um pouco mais tardio e tudo está confirmando uma produção na casa dos 50 milhões (de toneladas) lá. A produção de soja na América do Sul está dada. Tem uma recuperação da região Sul importante e uma menor produção no Centro-Oeste. No caso da soja começamos a focar e olhar demanda internacional e produção lá fora e os indicadores não estão tão bons. Agora vamos analisar para entender como vamos operar daqui para frente.

A demanda pela soja deve cair?
Esta demanda retraída é em função da questão do crescimento menor na China, tenho zero dúvida que isso vai acontecer. Mas ainda tem fatores favoráveis, como a produção de biodiesel. É um fato importante. Com esse preço de soja, começa a criar uma demanda adicional para biocombustíveis. É um pouco a história que conhecemos com açúcar e etanol. Começamos a jogar na soja com uma demanda adicional de biocombustíveis aqui e em nível internacional. Isso pode gerar uma demanda momentânea no mercado que dá um arrefecimento nos preços.

E o outro negócio importante para a BrasilAgro, que é o mercado imobiliário. Como avalia o cenário atual?
Somos uma empresa um pouco diferente porque combinamos estratégia imobiliária com operacional. No caso agrícola, você precisa de vários anos, tanto para mexer positivamente quanto negativamente no preço da terra. Ele não é a fotografia de um ano só de produção. Não podemos esquecer que o agricultor brasileiro vem se capitalizando há bastante tempo. Sem dúvida, ter um ano desafiador como esse pode alterar um pouco a liquidez, mas ainda terá um mercado acontecendo, de compra e venda de terras.

"Tem produtor que já vinha com nível de alavancagem alta, tem empresas que já vinham com alavancagem alta. Isso passa a ser para nós agora uma oportunidade de negócios"

O produtor capitalizado vai gerar resultado também este ano, mas talvez ele compre menos. Mas como quem faz isso no mercado são tão poucas as empresas que o menos do mercado é muito para a gente. Eu vejo que o mercado tem uma liquidez corrente ainda. Sem dúvida nenhuma, se tiver dois ou três anos de preços de commodities achatadas, isso vai afetar a liquidez e o preço de terra, mas é diferente um pouco do setor imobiliário urbano, em que, se a taxa de juros aumenta, seis meses depois você tem a foto. Na agricultura, acredito que vai haver uma desaceleração, mas ainda continua tendo um volume de negócios importante e são poucos os players que fazem o que a BrasilAgro faz, de comprar e vender.

Mas pode ficar também mais barato para comprar terra?
Sim, tem o outro lado. Surgem oportunidades de negócios para a gente. Nós sempre repetimos que somos uma empresa anticíclica, o desafio nosso é isso. Quando todo mundo quer comprar, nós temos que vender. E quando todo mundo quer vender, nós temos que comprar. Falei essa semana para alguns investidores que vejo isso como uma oportunidade importante para oxigenar o portfolio de terras, em situações pontuais. No momento em que se tem volatilidades grandes, tem situações particulares. Tem produtor que já vinha com nível de alavancagem alta, tem empresas que já vinham com alavancagem alta. Isso passa a ser para nós agora uma oportunidade de negócios. Gosto de olhar sempre o copo meio cheio. Não estou dizendo que está ruim. Estou dizendo que tem uma redução de liquidez e que começam a aparecer oportunidades de compra que são interessantes.

Então esse é o momento de ir para o lado comprador?
Sem dúvida, devemos continuar fazendo vendas, mas não como vendemos nos últimos dois ou três anos.

Consultores de mercado falam em queda de pelo menos 15% no preço das terras nos últimos anos. Concordam com esta avaliação?
No Brasil o preço da terra é um múltiplo do saco de soja. O que estamos vivenciando é que o múltiplo do saco de soja não caiu, mas se você vendia uma saca de soja a um preço X, este ano o preço é diferente. Isso tem efeito no preço da terra.
O que acredito é que o múltiplo, em muitas regiões, deu uma espichadinha. Aquele que estava disposto a vender a 300, 400 sacos de soja, hoje não quer mais porque a soja não vale o que ele esperava. Mas, de modo geral, tem sim uma redução nas zonas de fronteira pelo preço da saca de soja, isso é natural.

Em relação aos investimentos, que projetos devem priorizar em 2024?
A companhia vem crescendo bastante nos últimos anos. Tenho brincado que é o ano de arrumar a casa, no sentido de inovação, dar mais atenção para isso. Então este ano vamos intensificar projetos que já começamos em 2023, com a implementação de um sistema de gestão produtiva muito agressiva a campo, em que você consegue fazer tudo de forma digitalizada. Estamos instalando conectividade em algumas unidades e a gente vem reforçando dois outros grandes projetos na companhia. Um deles é o de bioinsumos. Cada vez você produzir de forma sustentável e associando o químico e o orgânico, de forma racional e eficiente.

Além disso, logo depois do BrasilAgro Day, emitimos no mercado de capital uma debenture incentivada de infraestrutura para um projeto de irrigação. O desembolso foi em meados de dezembro e isso tem tomado bastante tempo de gestão das pessoas. O investimento é de R$ 165 milhões.

No caso dos bioinsumos, pode dar detalhes?
Tem construção de novas biofábricas e adequação das atuais para aumentar capacidade nas fazendas, focando bastante em ter especificidades de combate a algumas pragas e doenças, principalmente lagarta, percevejo, nematoide – tem aí bastante bioinsumo sendo produzido, estamos acelerando isso. Tem um desafio enorme ainda para a gente aumentar a utilização disso na cana de açúcar. Já estamos fazendo um bom trabalho em grãos, mas em cana tem muito mais espaço para bioinsumo do que utilizamos hoje na companhia. É lógico que biológico não vai ser 100%, mas vai ter um uso mais racional. Acredito que o bioinsumo vai aumentar o duration das moléculas no mercado. Isso é um ganho imensurável para a cadeia do agro. No médio e longo prazos, vai trazer menos custo para o agricultor.

Quantas são as biofábricas e para quanto deve aumentar a capacidade?
Hoje a BrasilAgro possui duas biofábricas instaladas, uma na Fazenda Chaparral, na Bahia, e outra na Fazenda Serra Grande, no Piauí. A terceira unidade, que está em fase final de obras, será na Fazenda Jataí, no Mato Grosso. A quarta biofábrica, em fase de projeto, será na Fazenda São José, no Maranhão. As unidades são dimensionadas de acordo com a capacidade e demanda de cada fazenda. Hoje as duas unidades existentes atendem uma produção on farm de diversos microrganismos benéficos para atender uma área de produção agrícola de 33 mil hectares.

E quanto está sendo investido?
Para as novas biofábricas nas fazendas Jataí e São José, a estimativa de investimento em infraestrutura será de aproximadamente R$ 300 mil. Após as novas construções, a BrasilAgro terá uma capacidade instalada de fabricação e multiplicação de produtos on farm para atendimento de uma área de produção de aproximadamente 70 mil hectares.