No cargo desde 2020, o vice-presidente sênior da Divisão de Agricultura da Basf na América Latina, Sergi Vizoso-Sansano tem se envolvido nas principais discussões do setor e fala abertamente do momento “de ajustes” e do ano desafiador para os fabricantes de insumos agrícolas.

Ele conversou com o AgFeed logo após assistir a um debate de especialistas durante o World Agri-Tech South America Summit, em São Paulo, em que se levantou o risco de uma possível “bolha no agro”.

Apesar de considerar o termo forte, o executivo diz que a queda expressiva na receita das empresas e os altos estoques, vão trazer problemas de caixa para aqueles que não fizeram uma gestão eficiente – mas garante que este não é o caso da Basf.

Vizoso-Sansano diz que as apostas da empresa estão principalmente na inovação e na agricultura digital, com a oferta de novos serviços e foco na transição para um modelo cada vez mais sustentável.

Sobre o crescimento do setor de biológicos, o executivo diz que ainda se trata de “uma base pequena” e que o avanço dos investimentos vai depender de uma legislação mais adequada, que ainda precisa ser aprovada no Brasil.

Ainda assim, garante, a multinacional segue atenta às oportunidades de negócios que possam surgir neste cenário atual. Confira a entrevista.

Como está vendo o cenário para o agro no Brasil e no mundo, após todas as instabilidades dos últimos anos com pandemia e conflito entre Rússia e Ucrânia?
Eu não penso que o problema da Ucrânia passou por aqui. Ele ainda está lá e o fato de que se pensa que já passou é o problema. Ainda temos uma guerra em andamento. O mundo é que se adaptou à nova situação. A turbulência e a incerteza foram antes da adaptação. Eu lembro muito bem quando o mercado estava indo muito rápido depois da Covid, porque o mundo agro, se você tirar a parte de supply chain e logística, não parou. Teve aqueles entraves logísticos, mas estava sensível ao tema da Rússia. E no Brasil houve muita preocupação, fundamentalmente pelo tema do fertilizante.

A preocupação era justificada...
O fertilizante não faltou porque a Rússia continuou vendendo ao Brasil, já que o país não teve uma posição política clara. Alguns países do mundo pararam de fazer negócios com a Rússia, mas Brasil não parou.
Então, o que aconteceu depois? A parte logística, pouco a pouco foi se ajustando. O que sim teve impacto foi um aumento de custo generalizado, de energia, forte. Mesmo para o governo, que teve que entrar com subvenções da gasolina, para baixar o preço. Mas tudo o que era de importação aumentou muito o custo.

Ainda assim, os resultados foram bons no setor.
Quando o mundo se adequou e se adaptou, a gente está vendo que os preços estão caindo. Para o Brasil, foi um ano de mais dificuldade, mas um ano com produção recorde. É bom porque demonstra de um lado a potência do agro, mas o Brasil é muito diverso. Algumas regiões foram muito bem, em outras foi um pouco menor. Se você vai para o Sul, esteve patinando um pouquinho, porque o clima não ajudou. A gente teve a mesma coisa na Argentina. Então foi um ano de campanha boa, um boom muito forte, foi falado aqui no evento que teve uma bolha...

Uma bolha no agro? Em que sentido?
Falaram que o agro do Brasil teve uma bolha, que teve um superdimensionamento do mercado, por diversas razões, em momentos de muita alta de preços de commodities. Agora isso está voltando e pessoas que se colocaram economicamente muito forte vão entrar na exposição financeira. O palestrante falou em problema de caixa e eu penso que seguiremos vendo alguns ajustes nos próximos meses. Então é uma situação complexa.

Em que sentido?
Vejo que o mercado no Brasil tem ondas de alta e as ondas de baixa. A gente já sabe disso. Então, nas ondas de alta, se você vai naquela embalada e não tiver o timing bom e ocorre uma queda muito forte, o sinal me leva e a você também. Penso que teríamos que ver como isso está acontecendo.

E o que está vendo?
Minha opinião sobre o Brasil não pode ser compreendida se você não olhar para trás, dois ou três anos, começando com a Covid e tal, porque lá havia perspectivas muito importantes. Havia uma quebra de safra lá fora e faltava produto pelo tema da logística. Então o pessoal teve uma febre em trazer o produto, fez de tudo para assegurar. O medo do agricultor era ficar sem produto antes da safra, ficar sem defensivo, fertilizante, semente. Ele começou a comprar e fazer pedidos, às vezes até de forma duplicada.

O mesmo ocorreu na distribuição total. Isso levou a um aumento de preços, uma demanda muito forte. Entrou mais volume no Brasil do que o mercado e a terra precisavam. Isso deu uma puxada muito forte. Agora vai ter que digerir tudo isso, é que está acontecendo agora.

"Entrou mais volume no Brasil do que o mercado e a terra precisavam. Agora vai ter que digerir tudo isso"

Como estão os resultados da Basf?
O ano passado foi recorde para nós e para a indústria também. Não divulgamos por país, mas foi um crescimento de dois dígitos, robusto, bastante alinhado com a indústria.

Será possível manter o ritmo este ano?
Não, eu penso que nós, a indústria como um todo, estamos passando um ano de adequação. E no Brasil, com a volatilidade que tem, você jamais pode avaliar a performance olhando um ano. Você tem que olhar um período de anos, tem que fazer a média. Em geral, se a gente pegar a evolução e a performance do agro na América Latina e no Brasil, em particular, no período dos últimos três, quatro anos, a performance é muito boa, de aquecimento, em linha ou acima daquilo que é o mercado brasileiro.

Algumas empresas vêm projetando crescimento menor, mas ainda com crescimento. Concorda?
Eu penso que este ano vai haver uma correção. A Basf não poderá repetir o mesmo patamar do último ano. Acredito que o mercado de defensivos no Brasil vai cair este ano.

Por quê?
Você tem que entender o que levou a este crescimento. Na parte de volume, como falei, não tem tanta terra para tanto volume. Estou falando de vendas e não de produto usado. E tem outro elemento que foi o preço, de diversos produtos, que foi para cima, mas este preço voltou. O glufosinato de amônio, por exemplo, multiplicou por três o preço, foi e voltou. Então se olharmos unicamente para a diminuição de preço, já estamos falamos de muito dinheiro, isso não vai ficar. Mas é preciso entender se falam em crescimento de valor vendido ou de volumes.

Em volume não vai cair?
Eu penso que vai cair em preço e vai cair em volumes. Porém, se você olhar o produto aplicado na lavoura, aquele que o agricultor vai usar, aí sim pode ter um aumento. Mas se você pensa em vendas e distribuição, acredito que vai cair porque vai ter menos volume, é o que já foi vendido. Você vai ver o que as empresas vão reportar. Na minha opinião, lá vai haver redução. Mas se você for ver o que o aquele agricultor brasileiro coloca no chão para produzir, em volume, que é o mais importante para o agro brasileiro, vejo que vai ser bom. A Basf vai continuar crescendo, mas esse vai ser um ano desafiador. Em algumas áreas, pela redução de preços, vai ter uma redução de vendas, estamos dentro do mercado.

E essa questão da bolha no agro, qual é a sua opinião? Acredita que houve uma mudança de patamares nas commodities agrícolas ou é algo cíclico?
Passamos por um período de alta e agora estamos no período de correção. São diferentes elementos, a maior safra do Brasil na história, que em parte compensa a safra na Argentina, que quebrou. Mas as perspectivas de safra no Hemisfério Norte e nos Estados Unidos, que é produtor de soja, são muito boas. Você vê que vai ter produção em crescimento e isso está pressionando um pouquinho o preço. Então eu penso que agora estamos entrando num ciclo de commodities um pouco mais de baixa. Mas nós temos que ver, um dia voltará a subir e outro dia voltará a descer.

O que pode mudar o jogo?
É uma nova fonte de demanda constante, estrutural. E aí eu penso que isso pode estar conectado com os biocombustíveis. Nos Estados Unidos está sendo discutida uma lei para fomentar o uso de combustíveis de origem verde e renovável.
Os Estados Unidos têm um enorme parque automobilístico e a ideia é realmente criar uma demanda, uma fonte de escoamento muito forte para o óleo de soja. Vamos imaginar que os Estados Unidos deixem de exportar soja para consumo humano e animal? Eu já ouvi isso, viu? Todo esse mercado que fica lá fora está aberto para o Brasil e para a Argentina. Se isso acontecer, o preço da soja vai lá em cima. E isso é independente de quebra de safra.

Então não é uma bolha?
Depende. Bolha é uma palavra muito forte, de conotação muito negativa, mas eu penso que o mercado ficou muito aquecido pelo medo de não ter produto e quebra de safra. Ao mesmo tempo, tem todo esse momento de consolidação da distribuição, algo que não falamos. Você tem muito ator externo, fundos, empresas fortes de outros países querendo comprar distribuição no Brasil. Tem muita demanda, o preço vai para cima.

"Bolha é uma palavra muito forte, de conotação muito negativa, mas eu penso que o mercado ficou muito aquecido"

Esses ativos foram comprados a preços altos. Agora, se você entra no mercado de baixa, com juros mais altos, o seu custo de capitalização aumenta. Você pagou caro e você vende menos porque o mercado está sobre estocado assim, aí complica. Quem falou de bolha está se referindo a toda essa combinação de fatores, que vai fazer que o próximo ano seja, na minha opinião, bem interessante. A safra 2023/2024 e o ano calendário 2024 também.

A Basf está preparada para este momento?
As empresas que têm uma gestão estratégica, uma gestão eficiente, sólida e que não vão nessas ondas, sim. A Basf trabalha assim, a gente vai tocar. Eu não tenho medo de um ano cair porque eu sei que o mercado brasileiro, no médio e longo prazo, caminha em uma só direção, que é para cima. Mas vai ser com ondas. Nesse sentido, eu estou bastante tranquilo.

Falando sobre a estratégia da empresa, quais são os focos principais da Basf agora em termos de crescimento?
Nossa estratégia é crescer e continuar sendo um dos players mais importantes no mercado latino-americano e, especificamente, no mercado brasileiro. Faremos tudo o que é preciso. Nós, desde sempre, continuaremos tendo um foco muito forte na inovação. E aqui vem a inovação de produto, claramente, tanto em defensivos como em sementes e via tecnologia também, e na abertura de novas linhas de negócio, como na área digital.

Hoje você tem que cobrir as ansiedades do agricultor olhando todas as tecnologias, defensivos, sementes e também no digital. E colocar tudo isso com esse pilar de sustentabilidade que fica tão claro. Isso não tem volta. É só mostrar que o cliente do Brasil vai pedir isso. É a nova agricultura, a gente vai investir em tudo isso. Nós continuaremos trabalhando com nossos parceiros da distribuição para chegar da maneira mais capilar e melhor ao agricultor.

Tem previsão de aumentar investimento em algum desses segmentos ou no próprio Brasil?
O Brasil para nós é o segundo maior país no mundo. Então, continuaremos a investir muito forte e colocando mais recursos no Brasil, comparado com o que será a média do mundo, claramente.

O valor do investimento é divulgado?
Não. Em relação à pesquisa, nós investimos 10% das vendas. No ano passado passou para 9%, mas está entre 9% e 10%. Isso mundialmente, a Basf como um todo. E quase 50% do que é investido em pesquisa e desenvolvimento é direcionado ao negócio agro.

E as melhores oportunidades de investimento, onde estão? Podem estar em biológicos, por exemplo?
O tema dos biológicos está crescendo e vai crescer mais, precisamos lidar com diferentes soluções. Temos um portfólio biológico que é bom, mas é uma coisa que penso que devemos trabalhar melhor. Mas se nós olharmos onde estão os grandes (investimentos), os valores maiores, aí a gente vai para a parte de defensivos, como os fungicidas e alguns herbicidas.

Temos alguns produtos mais a longo prazo que vão chegar nessa área também. Depois em sementes, claramente sementes de soja e algodão, e a área de digital. Biológicos, eu diria que dentro do bolo, ainda é uma parte menor. Está crescendo, mas é uma base pequena. E penso que é uma tecnologia complementar, não vai ser uma tecnologia substitutiva.

Mas temos visto que taxa de crescimento de biológicos está bem mais alta que o convencional. É um setor muito pulverizado e há empresas à venda. Estão olhando estas oportunidades?
Sim, sempre olhamos que oportunidade temos para poder complementar o nosso negócio. Mas você tem que achar esse ativo a ser comprado a um preço justo. Em um momento de muito aquecimento, a gente avalia se faz sentido. O que gente deve trabalhar cada vez mais é com parcerias, já que não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.

O cenário de instabilidade fica mais propício para fazer aquisições?
No ano passado, com esse mercado aquecido que falamos, não era barato. Se essa bolha que foi falada explodir, a gente vai ver coisas no mercado com melhor preço. Penso que o caixa vai apertar, empresas com caixa justo vão sofrer.

A Basf deve aproveitar isso?
Estaremos olhando tudo e vamos ver em função da oportunidade. As áreas de interesse são as que falei, mas eu não vejo grandes aquisições neste momento. Mas a Basf sempre estará lá olhando. Aí, quando precisar, entra pesado. No caso dos biológicos, vamos ver o que acontece, porque o mercado está crescendo muito. Mais que o mercado, é a demanda que está crescendo muito.

"A Basf sempre estará olhando. Aí, quando precisar, entra pesado. No caso dos biológicos, vamos ver o que acontece, porque o mercado está crescendo muito"

O mercado é relativamente pequeno ainda, mas muito pouco regulado. A legislação brasileira não está ainda bem definida para esse tipo de tecnologia, tem muita produção "on farm". Por meio da CropLife Brasil estamos tentando regular para dar transparência e segurança, não unicamente de responsabilidade, mas também de qualidade. Porque tudo isso que está "on farm", se ficar desregulado, qual vai ser o interesse da indústria séria, como nós, para investir no setor?

A legislação ainda é uma dificuldade para o setor, então?
O setor de proteção de cultivos está super regulado. Sou da opinião de que é preciso ter poucas regras, claras e respeitadas, para serem cobradas. Tem que haver uma regulação que seja moderna e adequada ao agro do futuro. Por isso tem um projeto de lei sendo discutido agora, que teria que estar já para bater o martelo. A modernização da regulação brasileira é fundamental para permitir ao setor continuar crescendo.

Nesse sentido, o Brasil está atrasado?
Na minha opinião, essa regulação está ultrapassada no tempo, está super regulada em algumas áreas e pouco regulada em outras. Hoje ainda o tempo de aprovação de registros em defensivos é muito longo, são sete, oito anos. Nos Estados Unidos, onde eu estava semana passada, são dois anos. Não dá para competir. Então nós precisamos de uma regulação que dê as oportunidades aos produtores que precisam. Se não, sempre estaremos cinco anos atrás em tecnologia. Há outras áreas que tem que regular mais, como o biológico, porque é mercado novo, que não existia, não precisava. Agora existe, a Europa está regulando, temos que regular.

Quais as tendências mais fortes para a agricultura, na sua visão?
A grande revolução é esta transição para uma agricultura mais sustentável. É a única agricultura que haverá no futuro. Isso puxa várias coisas, como o digital, os biológicos, as pesquisas de defensivos químicos, a biotecnologia, a taxa variável, entre outros. E vai mostrar como as empresas vão se orientar para isso. É uma transição 360 graus.

E a empresa terá que se readequar neste cenário de redução no uso de agroquímicos?
Não queremos vender produtos que não precisa. Se isso ocorre, vem estas ondas de vende demais, fica com o estoque, dá problemas. Queremos vender aquilo que o agricultor precisa. Se eu vendo o que não precisa, ele vai se sentir enganado.

A receita virá de onde?
A Basf está há 110 anos no Brasil. O que a Basf vendia é completamente diferente do que ela vende hoje. Nós seguimos crescendo e definindo a indústria, que vai se adaptando.

Houve mudança no comando da divisão de agricultura da Basf no Brasil, com Marcelo Batistela assumindo a posição de vice-presidente. Trata-se também de uma mudança na estratégia?
O Marcelo vai vir com a sua bagagem, que é diferenciada, e vai dar o seu "finger print”, a sua identidade. A estratégia do agro no Brasil está muito clara, muito definida, e neste sentido vai ser continuísta. Mas dentro do seu "estilo de jogo”, o Batistela dará o seu jeito.

Não é uma revolução, faremos um trabalho no Brasil ainda mais forte, continuando o trabalho do José Munhoz Felippe, que fez muito bem. Do mesmo jeito que a empresa evolui, a equipe evolui. Eu assumi depois do [Eduardo] Leduc. Depois de 10 anos, não fiz nenhuma revolução, mas vejo que, no jeito do Sergi, dá para ver qual foi o caminho, muito claro.