Fortaleza (CE) - As operações de troca ou o chamado “barter”, ferramenta em que o agricultor entrega o produto para receber insumos e consegue “travar” os valores, já faz parte da agricultura brasileira há pelo menos três décadas.

Os preços “nas alturas” das últimas safras, porém, não vinham tornando a modalidade tão atrativa nas transações entre indústria, varejo e produtores rurais. Entre a pandemia e o início da guerra na Ucrânia, por exemplo, quem deixou para comercializar a produção depois da colheita muitas vezes foi beneficiado por altas expressivas nas cotações de produtos como soja, milho e algodão.

Com o “ajuste” do agro, no entanto, a realidade começa a mudar. Na safra 2023/2024 não houve milagre capaz de recuperar os preços, que agora estão em patamares bem mais baixos do que nos anos anteriores. E assim, o barter, voltou a ser “pop”.

A prova disso está nos resultados da Basf, uma das gigantes entre as multinacionais de defensivos e sementes, globalmente.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o gerente sênior de operações de negócio da multinacional alemã, José Roberto Louzado Junior, contou que aumentou muito a demanda por operações de barter e também por ferramentas financeiras mais sofisticadas, que envolvem derivativos, na compra dos insumos.

Segundo Junior, na safra 2023/2024 em torno de 40% dos negócios da Basf foram feitos ou com barter ou com operações financeiras que envolvem estruturas como Fdic e Fiagros, que viabilizam custos de crédito mais acessíveis para produtores e para as revendas parceiras.

“Costumo dizer que há dois ícones que viabilizaram o crescimento do agronegócio, um foi o plantio direto e outro foi a CPR (Cédula do Produto Rural), que deu respaldo ao barter”, afirmou.

O executivo prevê que na safra 2024/2025 o volume de operações desse tipo suba para até 50% do total de negócios. No mercado em geral, ele estima que 30% dos insumos sejam comercializados via barter.

A modalidade consiste em uma “troca” de insumos por produtos agrícolas que mais adiante serão entregues. O preço da soja, por exemplo, é estabelecido no momento da negociação, assim como o valor a ser pago pelo defensivo agrícola.

O problema é que muitas vezes, no início do ano, quando chegava a colheita da soja, fatores externos faziam o preço disparar e o produtor lamentava “ter perdido a alta”, sendo obrigado a receber o valor que travou na hora que comprou o insumo.

Junior diz que agora a atratividade aumentou porque são usados derivativos, como contratos de opção, que viabilizam ao produtor que fez a “troca” ainda ser beneficiado caso o preço suba.

“Eu faço uma operação física com ele (o cliente), por exemplo, que fecha hoje uma soja a 20 dólares. Eu dou a oportunidade, se a soja vier a performar acima de 20 dólares, de ele continuar participando dessa alta do mercado”, explicou.

Nesse exemplo, se o preço cair, os mesmos US$ 20 por saca de soja seriam mantidos pela empresa.

Entre as razões para maior procura por barter e derivativos está o cenário de margens mais apertadas.

O executivo lembra que, há 4 anos, “a receita versus a despesa era um resultado muito positivo, você tinha que dar margem ao produtor de 50% a 100%”. “Hoje voltou para os 15%, que é uma normalidade”.

Neste cenário, o produtor retomou o interesse pela  ferramenta porque os preços estão mais baixos, houve um ajuste de mercado em termos de oferta e demanda. “O canal também voltou a usar por uma questão de exposição”, diz.

Na Basf, dos 50% de negócios fechados via ferramentas de venda antecipada, a empresa estima que 60% seja barter, com mais foco no agricultor, e 40% operações financeiras, que envolvem principalmente as revendas parceiras e os grandes bancos, como o Itaú BBA, por exemplo.

Junior diz que uma das vantagens é a taxa de juros, que seria mais baixa do que aquela que é praticada diretamente entre um agricultor e um banco (no caso de linhas que não sejam subsidiadas pelo Plano Safra), mas não revela qual seria esse índice.

A principal vantagem, porém, seria a mitigação de risco para todos os envolvidos na cadeia.

“Você permite ao agricultor ter acesso a uma venda antecipada das commodities, mitigando riscos e sabendo dos seus custos. Para o parceiro, que é a distribuição, está vendendo na moeda do agricultor. E para a gente, também”, diz.

Este tipo de operação seria ainda mais importante, segundo ele, em meio aos atuais desafios no mercado em relação à crédito, com margens apertadas para o produtor.

A conversa da Basf com o AgFeed ocorreu durante o Congresso Brasileiro do Algodão, em Fortaleza. Junior contou que entre os cotonicultores o uso dessa ferramenta deve chegar a 70%.

“A soja não paga o algodão, mas o algodão paga a soja. É quatro vezes o investimento que você tem na soja”, afirmou Junior, para justificar o maior uso de barter entre os produtores da pluma. No segmento, muitas vezes a venda antecipada ocorre 2 anos antes da colheita.

Apesar de mais popular no algodão, em volume financeiro as operações com soja são mais relevantes. Segundo a Basf, a tendência de crescimento no uso da ferramenta também está ocorrendo inclusive em outros cultivos como milho, trigo e até amendoim.

Também são consideradas ferramentas de “barter financeiro”, um produto com “mais valor agregado”, como destaca o executivo da Basf, algumas operações com grandes empresas do agro em outros segmentos.

“A gente faz a venda dos títulos de carbono como a 3tentos, uma empresa de biocombustível. Fomos pioneiros nisso”, revelou.

Na visão do executivo da Basf, é necessário trabalhar os “4 Cs” na mitigação de risco e proteção, que envolvem preço da commodity, o crédito, o clima e por último, o câmbio.

Sobre a possibilidade de “travar” o câmbio, ele diz que a estratégia é só fechar operações com o cliente em uma só moeda. Tanto produto quanto o insumo adquirido são cotados somente em reais ou tudo em dólares.

Um dos principais parceiros financeiros da Basf tem sido o Rabobank, especialmente em linhas voltadas a distribuidores, com estruturas que envolvem Fidcs e Fiagros.

“A gente cria um fundo específico para aquele cliente para estar financiando a compra de defensivos, muitas vezes até mesmo apoiando parcialmente para a compra de fertilizantes, para ele montar o pacote e a solução”, diz.

Junior diz que o agricultor é muito eficiente da porteira para dentro, mas “muitos ainda precisam de suporte da porteira para fora”.

O uso de derivativos e ferramentas de hedge é algo que há décadas agentes de mercado tentam “popularizar” junto aos agricultores, mas a complexidade de algumas operações continua sendo um obstáculo. Por isso, essa oferta de opções via multinacional acaba sendo uma alternativa em tempos de preços mais baixos e maior necessidade de travar a margem.

Se fosse fazer a operação diretamente na bolsa, o agricultor pagaria um prêmio pelas opções, precisaria se credenciar em corretoras, uma complexidade que nem sempre é viável para todos. Pela Basf, o valor do “prêmio” já está embutido na operação de barter.

“Assim conseguimos pulverizar mais o acesso, dar mais oportunidade para os agricultores. Eu acho que (antes) as operações eram muito focadas em grandes empresas e grandes produtores”, ressaltou.

O gerente da Basf diz que dentro das ferramentas financeiras da empresa também estão as linhas “ESG”, especialmente via Rabobank.

“Quando começamos era um projeto piloto com 5 clientes”, disse. A taxa de juros também seria mais atrativa, em linha com o diferencial de 0,5 ponto percentual, por exemplo, que o Ministério da Agricultura defende para os projetos alinhados com práticas de sustentabilidade no crédito do Plano Safra.

Vendas em alta

A Basf diz que as vendas estão aumentando este ano em volume e em receita. A empresa mantém a estimativa de crescer “dois dígitos e acima do mercado”.

Segundo Junior, o avanço se deve principalmente ao ganho de market share, já que a tendência para 2024/2025, ao contrário de anos anteriores, é de um crescimento mais tímido na área plantada no Brasil.

Nas contas da Basf, 70% dos defensivos para a safra que começa a ser plantada agora já foram comercializados para o produtor “na ponta”, quando considerados os negócios entre as revendas e os agricultores.

O percentual está em linha com o mesmo período do ano passado. Já as vendas de defensivos da indústria para a revenda estaria até mesmo acima dos níveis vistos em 2023.

A venda antecipada da soja está sendo estimada em 25% do volume esperado, enquanto no algodão o índice chega a 45%.

“O importante é que, enquanto se vê todo o mercado com estruturação, nós seguimos avançando, até no time, e também no investimento. A gente não vê crise, é um momento de ajuste, é um negócio rentável, que vai continuar crescendo”, acrescentou o executivo.