O juiz Murilo Silvio de Abreu, da 2ª Vara Empresarial de Belo Horizonte (MG), aceitou nesta quarta-feira, 19 de março, o pedido de recuperação judicial das companhias do Grupo Montesanto Tavares.
Com passivo de R$ 2,13 bilhões, a companhia tentou acordos desde dezembro para renegociação com credores, por meio de dois períodos de suspensão das dívidas, mas apelou ao pedido de recuperação em 28 de fevereiro.
Na decisão, Abreu nomeou dois administradores judiciais - Paoli e Balbino & Barros Sociedades de Advogados, representada pelo advogado Otávio de Paoli Balbio, e a Credibilita Administração Judicial, representada por Alexandre Correa Nasser de Melo.
“Determino à devedora a apresentação de contas demonstrativas mensais, enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores e também a apresentação do plano de recuperação no prazo improrrogável de 60 dias, contados da publicação da presente decisão, sob pena de convolação em falência”, alertou o juiz.
No despacho, o juiz deu prazo de 180 dias, de suspensão de todas as ações e execuções contra a Montesanto Tavares. No entanto, o prazo cai para 90 dias, pois Abreu determinou que seja descontado o prazo já concedido anteriormente para as negociações que fracassaram.
Ao AgFeed, Daniel Vilas Boas, advogado do Montesanto Tavares informou que a companhia recebeu com satisfação o deferimento do pedido de recuperação judicial e que a decisão já era esperada.
“A palavra agora é de otimismo, queremos nos ajustar e acertar com os credores e em 60 dias o grupo vai apresentar a proposta no plano de recuperação e, certamente, será uma proposta responsável, aderente à nossa realidade, às projeções que temos, mesmo num mercado instável como é o mercado do café agora”, afirmou o advogado.
Segundo Vilas Boas, o principal objetivo da companhia é ter consenso com os credores para um “plano viável e responsável”. Consenso, segundo ele, que terá de continuar após a apresentação do plano para que ele seja aprovado.
Roteiro da crise
A crise do Grupo Montesanto Tavares começou em meados de 2021, com a quebra da safra 2021/2022, e culminou com a disparada nos preços do grão em um período de seis meses no ano passado.
Responsável por 8% das vendas brasileiras da commodity no exterior, receita de R$ 2,6 bilhões e 166 mil toneladas de café comercializadas para 58 países, a companhia é formada por duas tradings: a Atlântica e a Cafebras.
Fundada em 2000 e com operações em quatro municípios mineiros - Belo Horizonte, Varginha, Caparaó e Manhuaçu - a Atlântica tem um armazém com capacidade para processar 300 mil sacas de café por ano e para armazenar outras 250 mil sacas.
A Cafebras nasceu em 2013, em Patrocínio (MG), atende um nicho de mercado de cafés especiais e tem 10% do capital da japonesa Itochu Corporation. Grande parte da rede do Montesanto Tavares recebe o café de 2 mil pequenos produtores, que representam 90% das compras da companhia.
Parte desses produtores foi responsável pelo início da crise da companhia, segundo o documento. Em 2021, com a quebra na safra brasileira, muitos cafeicultores não teriam entregue - ou teriam postergado a entrega para o ano seguinte - o produto contratado pelas tradings, informou a companhia no pedido de recuperação judicial.
Para cumprir acordos fechados de venda ao exterior, as duas empresas afirmam ter sido levadas a comprar no mercado spot os produtos por preços muito maiores. Para isso, tomaram crédito emergencial na forma de Adiantamentos em Contrato de Câmbio (ACCs)
Instrumentos comuns para exportadores, com os ACCs as companhias recebem empréstimos em dólar atrelados ao valor contratado a receberem no futuro pelo café exportado.
Esse crédito deveria ser utilizado para o pagamento de toda a operação de um produto já negociado, mas, no caso do Montesanto Tavares, foi gasto na compra do café para repor o não entregue.
“Atlântica e a Cafebras vivenciaram cenário no qual o não recebimento do café provocou uma defasagem no ativo das companhias, ao mesmo tempo em que a elevação dos preços e a consequente necessidade de obter crédito para comprar café e honrar contratos com clientes provocou a elevação no seu passivo. Deu-se origem, então, a um endividamento bancário que terminou desencadeando a crise financeira atual”, relatou o Montesanto Tavares no pedido de recuperação judicial.
No documento, o grupo admite “que pela força da conjuntura e da exigência imperiosa das instituições financeiras”, as empresas “passaram a se valer dos limites velados das ACCs que lhes eram disponibilizados” para rolar dívida de curto prazo.
Até maio de 2021, antes da crise, a média semanal de captação com ACCs foi de US$ 1,4 milhão, enquanto a média de liquidações foi de US$ 1,2 milhão. Mas entre junho de 2021 e julho de 2024, a média semanal de captações passou a US$ 5,7 milhões e a de liquidações para US$ 4,7 milhões.
O endividamento só cresceu com os empréstimos em dólar de ACCs desde 2021. Mas se tornou insustentável a partir de maio de 2024, com a disparada do preço do café para recordes históricos.
Como grande exportadora, a companhia precisa desembolsar recursos para cobrir as “chamadas de margem” nas bolsas em operações de entrega futura. Nessas operações de hedge, são necessários aportes das exportadoras para corretoras durante a alta nos preços, como no ano passado.
De acordo com o exposto no pedido de RJ, esses compromissos com derivativos pelas tradings do grupo eram de R$ 50 milhões em maio de 2024, ou 74% da receita a receber com café embarcado. Mas saltaram para R$ 470 milhões em novembro de 2024, ou 158% da receita com o café embarcado.
Sem acordo, o Montesanto Tavares conseguiu na Justiça um “stay period” de 60 dias, prorrogado por mais 30 dias para uma última tentativa de renegociar as dívidas sem a execução de garantias ou pagamentos adicionais.
O prazo terminaria em 6 de março. Mas a companhia se antecipou e recorreu à recuperação judicial no último dia de fevereiro, pedido que foi acatado nesta quarta-feira.
Apesar de a dívida declarada para a recuperação judicial do Montesanto Tavares ser de R$ 2,13 bilhões, o passivo que consta na relação de credores é de mais de R$ 4 bilhões. Isso ocorre porque dívidas feitas por uma empresa têm como avalista outra empresa do grupo e, assim, o valor é contado duas vezes.
Durante as negociações, o Montesanto Tavares conseguiu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais a suspensão das execuções dos ACCs e também de garantias. Essa decisão foi mantida no despacho do juiz desta quarta-feira.