Em mais de três décadas de carreira o engenheiro agrônomo André Dias foi aprendendo a buscar dados e análises em todas as decisões que tomou.

Passou por grandes multinacionais como Syngenta, Basf e Novartis, até se dedicar ao outro lado do balcão, ao tornar-se sócio da Spark, uma startup especializada em pesquisas de mercado e inteligência no setor agro.

Em 2022, uma das maiores empresas globais do segmento, a Kynetec, que também já havia incorporado outra referência do setor – a Kleffmann – comprou a Spark, transformando o grupo em líder mundial líder mundial em análises e insights de dados agrícolas.

A Kynetec é especialista em acompanhar os segmentos de defensivos, saúde e nutrição animal, além de sementes e fertilizantes.

Em tempos de “ajuste” e instabilidades no agro, entender o comportamento desses mercados é fundamental para tomar as decisões de hoje e planejar o futuro. O AgFeed conversou com André Dias para entender o tamanho das dificuldades do setor e as perspectivas para a safra 2024/2025.

“Crises contextuais como essa nós já tivemos, mas desta vez todos os elos da cadeia tiveram algum nível de problema, foi uma tempestade perfeita”, afirma o executivo.

Ele lembra que os altos estoques e a queda de preços enfrentados pela indústria e pela cadeia de distribuição foram uma parte do problema. De outro lado, o agricultor, mesmo agora enfrentando custos mais baixos, está com uma rentabilidade menor e margens muito apertadas.

É uma combinação de fatores que, segundo o diretor da Kynetec, justifica a desaceleração do ritmo de crescimento da chamada PAT – área potencial tratada –, considerada um dos principais indicadores analisados pela consultoria.

Na safra 2023/2024 foram tratados 2,2 bilhões de hectares no Brasil, o que representou um aumento de 3% em relação ao ano anterior. O cálculo considera o número de hectares plantados multiplicado por quantas vezes e doses são aplicados cada produto naquela lavoura – por isso fica bem maior do que o simples dado de área plantada de cada cultura.

“A média de crescimento da área tratada com defensivos estava em 10% nos últimos anos, mas essa curva vai baixar, principalmente porque o avanço da área cultivada vai diminuir a velocidade”, avalia André Dias.

No caso da soja, por exemplo, houve um avanço de 6% na área plantada entre 2021/2022 e a safra 2022/2023. Já na safra atual, o crescimento foi de 4%, mostrando esta desaceleração.

Para 2024/2025, segundo ele, estima-se algo próximo de 3%, o que já traria reflexos ao volume total de defensivos aplicados, uma vez que a soja é responsável por praticamente metade do volume utilizado na agricultura brasileira.

O milho aparece em segundo lugar e tem um agravante: a expectativa de redução de área plantada já na safra 2023/2024, em função dos preços mais baixos e dos problemas climáticos que atrasaram a janela de plantio.

Mercado em queda

Para o Brasil como um todo, considerando todas as culturas acompanhadas pela Kynetec, Dias acredita que ainda haverá crescimento na aplicação de defensivos em 2024/2025, talvez no mesmo patamar de 3% visto este ano, mas admite que o mercado, do ponto de vista financeiro, vai seguir em queda.

Um dos fatores determinantes neste cenário é o preço mais baixo dos produtos. O glifosato, por exemplo, foi comercializado em média a US$ 25 por hectare no ciclo 2022/2023. Já na safra atual caiu para US$ 8 por hectare, segundo a consultoria, uma queda de mais de 67%.

Os dados da Kynetec indicam que o mercado de defensivos agrícolas, dentro do critério que considera o que foi efetivamente aplicado nas fazendas, sem contar os estoques, movimentou mais de US$ 20 bilhões na safra 2023/2024.

As entrevistas recentes do AgFeed junto aos maiores players do setor de defensivos têm mostrado que houve um recuo significativo na atual safra, em função da queda dos preços, que acabou sendo bem mais intensa do que os fatores positivos nessa balança que são a área plantada maior e o câmbio.

“O custo médio caiu muito na safra 2023/2024, por isso o PAT cresceu, mas vai cair o mercado. Em 2024/2025 também vemos isso, sabemos que recuperou um pouco o preço, mas o mercado é bem menor”, disse Dias. A Kynetec não divulgou dados sobre quanto, em volume financeiro, o mercado movimentou na safra 2024/2025.

“Eu vejo as próximas duas safras com menos empolgação por parte do agricultor, que vai ser mais racionalizador dos seus recursos. Sem grandes investimentos do governo, o setor de máquinas, por exemplo, vai sofrer muito porque o produtor já havia comprado muita máquina nova e não tem tanta expansão de área”, ressalta.

Já na cadeia de revendas, André Dias prevê que os desafios continuam, com uma tendência de nova consolidação nos canais de distribuição. “Temos visto grandes grupos com dificuldades, para os pequenos não é diferente”.

Ele destaca que o agricultor “não deixará de plantar”, só pondera uma preocupação no setor com o aumento no número de pedidos de recuperação judicial entre os produtores.

Quanto aos insumos biológicos, Dias lembrou que hoje representam entre 5% e 6% da área, por isso continuam com grande espaço para crescer. Na visão dele, o cenário mais difícil também afeta este mercado, mas é possível que ele siga crescendo em percentuais acima dos químicos em função da base, que ainda é bem menor.

Este é um segmento que, segundo o executivo, também tende a um movimento forte de consolidação, ainda para ocorrer. “O produto biológico mais vendido tem mais de 90 empresas que comercializam. Ainda em a questão da regionalização, do sistema on farm, há muito para ser entendido e adaptado”.

Kynetec em expansão

O faturamento da Kynetec no Brasil não é divulgado, mas André Dias diz que houve um crescimento de 15% em 2023, na comparação com o ano anterior.

Para 2024, a expectativa é aumentar a receita entre 9% e 11%, principalmente em função de novos produtos e serviços que a empresa está trazendo ao mercado.

Um dos focos estratégicos é atender melhor as empresas distribuidoras de insumos – as maiores do setor já são clientes da Kynetec.

No ano passado, a empresa adquiriu a MQ Solutions, especializada em monitoramento de preços, o que está permitindo o desenvolvimento das novas ferramentas.

“Antes a Kynetec fazia o farm trak e a MQ solutions coletava o preço, mas não tinha volume associado. Agora temos o market share de cada produto e a evolução de cada preço baseada em market share, criamos a média ponderada, um índice de valoração de preços ponderado”, explica o executivo, dizendo que, assim, oferece “o equivalente ao IPCA de produtos como fungicidas e inseticidas”.

Desta forma, em breve devem ser lançados no mercado índices e produtos customizados para o setor de distribuição. “Estamos adaptando os painéis que antes eram mais focados na indústria”.

Como gigantes da distribuição de insumos estão entre as mais afetadas pela crise atual, a crença é de que todos seguirão cada vez mais tentando entender o potencial de mercado de cada região e obter ajuda para traçar os planos futuros.

“As crises do agro tendem a nos afetar um pouco menos. Se o mercado está bom, os clientes querem saber como fazer melhor e, se está ruim, querem ver qual o problema para conseguir melhorar”, afirma o diretor.

A expansão do negócio no Brasil também é reflexo dos resultados globais da empresa. Segundo Dias, a Kynetec adquiriu pelo menos 8 empresas nos últimos seis anos, investindo bastante em inteligência artificial e produtos que combinem estas competências diferentes de cada companhia que é comprada. No caso da indústria, as soluções globais como Biologika, uma plataforma sobre mercado de biodefensivos, e Machinery Track, para o setor de máquinas, são algumas das apostas.

O executivo diz que houve uma troca importante entre os times globais e do Brasil, o que possibilitou a ampliação de portfólio, com mais conversa e análise. “Nossa visão é que pesquisa de mercado não é vender dado. É ajudar o cliente a navegar no que aconteceu, ao longo do tempo”.

Atualmente são monitorados 26 cultivos na área de defensivos, que representam mais de 95% do potencial de mercado. Já em nutrição, a empresa monitora 70% do mercado, cobrindo desde calcário até fertilizantes foliares e bioestimulantes.

Para fazer as pesquisas, ele diz que as equipes “rodam 5 milhões de km para fazer mais de 20 mil entrevistas pessoais, com mais de 30 mil ligações via call center”.

Desde que houve a fusão entre Kynetec e Kleffmann, há 3 anos e meio, a empresa teria dobrado o faturamento e quintuplicado o Ebitida, segundo Dias. “Nós acessamos mais de 200 mil agricultores no mundo inteiro”.

Para o Brasil, a empresa também aposta no “price track”, que deve trazer insights para monitorar melhor os preços dos produtos, além de alguns projetos setoriais, realizados em estados específicos, mas que poderão ser ampliados para todo o País.

Um deles, que deve ter os resultados divulgados em breve, foi um levantamento do status do parque de máquinas e implementos agrícolas do estado do Paraná, que pode ajudar o setor a entender para onde vai o mercado.

Outra iniciativa “é o primeiro bee track do Brasil”, contou André Dias. A empresa fez um levantamento sobre as abelhas no estado de São Paulo, um tema que também vem sendo acompanhado de perto pelo setor agro.

Na área de sustentabilidade, a empresa também trabalho no “RegenTrak”, um painel de monitoramento de agricultura regenerativa para diversos países.

O tema empolga André Dias que, além de executivo da Kynetec, também é presidente da Fundação Agrisus, criada há mais de 20 anos, pelo fundador da Adubos Manah e que, até hoje, vem oferecendo aportes financeiros para pesquisa aplicada nas universidades.