Não era preciso nem esperar os números do balanço do primeiro trimestre para concluir: 2023 é um ano diferente para a AgroGalaxy. Atípico? “Não, será um ano normal”, afirma Sheilla Albuquerque, CEO da empresa, ao AgFeed. “Os dois anteriores é que foram excepcionais”.

Olhando friamente os resultados divulgados na noite da quinta-feira, 11 de maio, é possível ter uma visão do desafio que se apresenta. Na linha final do balanço, a conta ficou negativa, com prejuízo de R$ 97 milhões, mais que o dobro do registrado no primeiro trimestre de 2022. A receita líquida caiu 11,4% em relação a igual período em 2022, fechando em R$ 2,8 bilhões.

Controlada pela gestora Acqua Capital, a empresa, uma das líderes do processo de consolidação do segmento de distribuição de produtos e serviços voltados para o agronegócio no Brasil, faturou menos com insumos (7%). O EBITDA ajustado totalizou R$ 59 milhões (-55%), com margem de 2,1%.

A conjuntura menos favorável foi apontada pela empresa como a causa do desempenho mais fraco. Juros em patamares elevados, quedas nos preços de fertilizantes e defensivos, cujos estoque já estavam altos nas indústrias, revendas e, sobretudo, nas propriedades rurais, o que inibiu as vendas no período.

E ainda o atraso na colheita de soja, em função do clima, que alterou o fluxo de comercialização do grão e, assim, de receitas da companhia.

O balanço encontrou a AgroGalaxy preparada, segundo seus líderes, e com um plano claro traçado para uma recuperação nos próximos meses. A hora é de arrumar a casa, digerir as aquisições feitas nos anos anteriores e se preparar para “uma segunda onda” de compras, conforme define Sheilla.

“A palavra de ordem agora é muita ‘calma nessa hora’. Em um cenário mais difícil, com juros muito altos, vamos ser muito cuidadosos com o caixa”, disse ao AgFeed Mauricio Puliti, CFO da companhia.

Isso significa zero aquisições e menor ritmo de abertura de novas lojas. “Será nosso primeiro ano sem nenhum M&A”, afirma Sheilla, referindo à sigla, em inglês, para fusões e aquisições (mergers and acquisitions).

Criada em 2016, a AgroGalaxy tem sido um predador ativo de redes de vendas de insumos agrícolas. Já em seu primeiro ano, adquiriu a rede Rural Brasil. De lá para cá, foram outras oito, o que levou a empresa a estar presente em 14 estados brasileiros, por meio de 167 lojas.

Nos dois últimos anos, impulsionada pela abertura de capital através de oferta pública de ações (IPO), que movimentou R$ 350 milhões em julho de 2021, a companhia acelerou o ritmo. E ainda contou com os bons resultados que vieram com a conjunção de fatores positivos que fizeram deles um período “anormal”, segundo a definição de Sheilla.

Preços da soja em picos jamais vistos, que ajudaram o produtor a reforçar caixa. Depois, insumos em alta em função de uma disrupção da cadeia de fornecimento (leia-se efeito Covid, seguido de guerra na Ucrânia). Mais lojas, novas incorporações e as receitas subiram rapidamente.

A virada de 2022 para 2023 trouxe uma guinada no cenário. “Saímos do custo de covid para o excesso de oferta”, afirmou Puliti. “Tivemos de fazer ajustes para continuar atendendo nosso cliente”.

Esses ajustes surgem, no balanço do trimestre, na forma de redução de margens na venda de insumos, que significam dois terços da receita da empresa. Para escoar estoques de herbicidas, por exemplo, a empresa foi mais “competitiva” nas negociações com os produtores e, com isso, a margem bruta desse segmento, que na média é de 18%, caiu para a faixa de 15%.

Redução nas margens e a queda de preços dos produtos deve impactar, este ano, o ticket médio das transações realizadas com cerca de 29 mil clientes cadastrados (alta de 28% em relação a março de 2022).

Nos anos excepcionais, o gasto médio anual foi de R$ 350 mil por cliente. Este ano, a redução deve acompanhar o menor custo de produção por hectare já observado nas duas principais culturas, soja e milho, que respondem por 93% dos negócios da AgroGalaxy.

“A estratégia é ganhar volume e incrementar o trabalho em linhas com margens mais altas, como a de bioinsumos”, afirma Fernando Mazeppi, vice-presidente da empresa. Nesse segmento, a rentabilidade é o triplo da obtida com produtos químicos. Ainda representa pouco no balanço da companhia – foram R$ 65 milhões em vendas no trimestre – mas o crescimento obtido foi de 72%.

Arrumar a casa

“O primeiro trimestre foi muito tenso”, resumiu Puliti. “Mas vai tudo se normalizar. Já não temos mais problemas de estoques e a carteira de pedidos indica uma recuperação ao longo do ano”.

O normal na agricultura brasileira, segundo Sheilla, está no cenário que se apresenta para os próximos meses. Custos de insumos e commodities baixando e produtores trabalhando com margens um pouco mais apertadas, o que exige das empresas do agro uma gestão mais rigorosa e atenta.

Puliti segue a orientação da chefe. “Se já éramos espartanos, seremos mais espartanos que o normal”, explica.

A desaceleração forçada do processo de aquisições, por outro lado, traz uma oportunidade de arrumar a casa e avançar no processo de integração das diversas marcas incorporadas. Uma das principais metas desse processo tem data marcada: julho de 2023.

Será esse momento em que todas os sistemas de gestão (que ainda rodam separados) serão unificados e passarão a rodar de forma integrado na plataforma SAP.

Sheilla Albuquerque, CEO: Será nosso primeiro ano sem nenhum M&A"

“O trabalho de consolidar empresas não é trivial”, diz Sheilla. “Exige um esforço enorme e custa quase o preço de um M&A, mas é muito necessário. Estava quase impossível fazer gestão de tudo, não havia ganho de sinergias de custo”, explica.

O processo de integração já dura quase dois anos. Começou logo depois do IPO e foi feito em fases, começando pela Agro Ferrari, a menor das marcas adquiridas. “Fomos errando e corrigindo em nova versão, numa tentativa de mitigar riscos para quando levarmos para todo o grupo”, explica Puliti.

Quando tudo estiver unificado e todos os 2,6 mil funcionários já treinados para usar o novo sistema de gestão, os ganhos de eficiência poderão ser mensurados e estarão abertas as porteiras para novas metas.

Uma delas é a unificação também das marcas adquiridas. Toda a rede passará a usar a bandeira AgroGalaxy.

A outra, é voltar a comprar. “A arrumação da casa é uma necessidade para a segunda onda de M&As”, afirma Sheilla. Para ela, o setor de distribuição ainda é muito fragmentado, apresentando oportunidades para mais consolidação.

Nos últimos anos, a concentração do mercado aumentou e hoje 40% das revendas, segundo a AgroGalaxy, está nas mãos dos 10 maiores grupos do setor. Ou seja, como observa a CEO, “ainda tem 60% superfragmentados”.

Isso significa, nas contas da empresa, cerca de 5 mil revendas disponíveis para aquisição. Dessas, cerca de 100 estão no alvo da empresa, em função de seu perfil financeiro, de mercado ou de localização.

O ano mais apertado deve, na visão da AgroGalaxy, ajudar a ajustar o valor desses ativos. “Empresas que estavam supervalorizadas vão voltar pra normalidade”, diz Sheilla.

As dificuldades e o mercado com crédito mais restrito, que serão impostos à AgroGalaxy, também estarão presentes para as demais, acredita Puliti. “Como o pessoal costuma dizer, se está ruim para nós, imagina para classe média”, afirma.