Os circuitos da Fórmula 3 na Inglaterra não foram os maiores desafios que o carioca Ernani Judice enfrentou na sua trajetória. As pistas serviram de aprendizado. Para subir no pódio, era necessário disputar várias corridas e ajustar o carro aos poucos. E acelerar.

Judice chegou a vencer algumas provas no campeonato britânico entre 2001 e 2003. Desde 2009, no entanto, a pista escolhida pelo empresário é outra. Começa no campo, com o aproveitamento de resíduos da agricultura e leva aos fertilizantes organominerais, uma tecnologia que está sendo cada vez mais adotada globalmente.

O que antes era um projeto agora virou realidade. E chegou a hora de acelerar. Está sendo inaugurada nesta quarta-feira, 29 de novembro, uma fábrica da Agrion, empresa fundada por Judice, dentro de uma grande usina sucroalcoleira no Triângulo Mineiro. É isso mesmo, a fábrica de adubos foi construída na própria área da Bioenergética Aroeira, em Tupacinguara, Minas Gerais.

A lógica é simples: a indústria de organomineral, como o nome diz, precisa de matéria "orgânica" para associar ao NPK (fertilizante mineral tradicional, de nitrogênio, fósforo e potássio).

Na maioria das vezes, as empresas precisavam buscar a chamada torta de filtro, um resíduo das usinas que processam cana-de-açúcar, bastante indicado como matéria-prima para o fertilizante organomineral.

"Esta matéria orgânica é resíduo sem valor agregado, que precisava ser transportado em grandes volumes para as fábricas. Por isso, minha ideia foi fazer algo diferente: construir fábricas menores, descentralizadas, que já estivessem junto do local que gera o resíduo e também próximo de quem consome fertilizante", explica o CEO da Agrion.

O projeto, então, priorizou as usinas sucroalcoleiras. Judice já tinha liderado uma empresa de produção de organominerais, a Geociclo, entre 2009 e 2018, quando fornecia o produto para a Bionergética Aroeira.

"Em 2019, procurei o Gabriel Junqueira, CEO da Aroeira, e ele propôs imediatamente construir a fábrica dentro da usina, porque gostava muito da tecnologia de organomineral que nós tínhamos desenvolvido e já não encontrava mais”, conta Judice.

O contrato assinado em 2020 tem validade de 10 anos e pode ser prorrogado por mais 10. Os primeiros dois anos foram de desenvolvimento do projeto e contratação da equipe técnica. A fábrica começou a operar neste mês de novembro e será inaugurada oficialmente hoje.

A unidade tem capacidade para produzir 60 mil litros de fertilizantes organominerais, o suficiente para atender uma área de 120 mil hectares.

"A usina consome uma parte do que vamos produzir e o restante será vendido para clientes do entorno, o que gera remuneração para a própria Aroeira nesta parceria”, explicou.

Foram investidos na fábrica um total de R$ 30 milhões, entre Capex, despesas operacionais e custo de captação, segundo o empresário.

Os recursos foram obtidos por meio da emissão de CRAs – Certificados de Recebíveis do Agronegócio – viabilizada pela parceria que a Agrion estabeleceu com a gestora EQI.

A previsão é de que a unidade alcance um faturamento entre R$ 150 milhões e R$ 180 milhões no prazo de 3 anos, quando estiver operando com capacidade total.

Desde o início a empresa contratou a consultoria Datagro, que tem apresentado o projeto em países como Estados Unidos e Austrália.

"No Brasil, a ideia é fazer 20 fábricas em 10 anos, sendo 10 nos próximos 6 anos", afirmou Judice. O empresário afirma que já tem 15 memorandos assinados com potenciais parceiros nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e na região Nordeste do País.

O investimento necessário para cada uma delas fica no mesmo patamar, por isso o projeto completo, segundo ele, seria viabilizado com R$ 600 milhões.

No ano passado chegou a ser divulgado um memorando de intenções com o grupo Eduardo Queiroz Monteiro, que tem unidades em Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte.

Judice acredita, porém, que a próxima fábrica depois desta da Aroeira deve ficar entre a região de Assis e Presidente Prudente, no interior de São Paulo.

Vantagens para as usinas

O CEO da Agrion ressalta que a usina parceira não precisa investir "nenhum centavo” no projeto, já que apenas se compromete em comprar os fertilizantes pelo prazo de 10 anos.

"O investimento é nosso, colocamos a fábrica em pé e a usina faz seu mapa de adubação para que possamos produzir exatamente aquilo que ela precisa. Por isso, a usina acaba reduzindo seu custo de aplicação de fertilizantes”, afirma.

Ernani Judice, CEO da Agrion

Outro benefício, segundo ele, é o aumento de produtividade, que seria de cerca de 10% no organomineral se comparado com o NPK tradicional.

Além disso, a expectativa é de que haja ganhos para as empresas sucroalcoleiras com maior geração dos chamados CBios, títulos verdes viabilizados pelo programa Renovabio, de incentivo à energia renovável.

"Na questão ESG, aumenta a nota da empresa no Renovabio, porque os maiores impactos do setor são diesel e fertilizantes", disse.

Economia circular

No modelo de fábricas menores, instaladas dentro das usinas, o único insumo que é comprado e trazido de fora é o próprio NPK, já que o resíduo orgânico e até a energia e água que a fábrica precisa já estão disponíveis na usina.

"O fertilizante organomineral é produzido com custo menor porque não tenho que carregar esta torta de filtro e também porque tenho muitas sinergias com a usina. Utilizamos a energia gerada pela queima do bagaço e o biogás produzido na biodigestão da vinhaça, por exemplo”, diz o CEO da Agrion.

De outro lado, a usina que antes comprava de fornecedores distantes o fertilizante para aplicar em seus canaviais, agora dispõe do insumo literalmente ao lado das áreas de plantio. "Ela é o consumidor principal, por isso é uma economia circular total, vendemos só o excedente".

Mercado em crescimento

A tecnologia produzida pela Agrion é um aperfeiçoamento do que a antiga Geociclo já fazia.

Um dos principais produtos são os organominerais sólidos, os chamados "pellets”, no formato de cilindro, que associam a torta de filtro, o NPK e micronutrientes, mas possuem como diferencial a liberação gradual no solo.

Agora a empresa oferece também o fertilizante farelado e o organomineral líquido, que está sendo bastante usado nas usinas e que será fabricado na unidade da Aroeira.

Além disso, a fábrica produzirá também bioinsumos, segundo Judice, afirmando que na época da Geociclo era apenas um produto e agora são cinco diferentes.

Após a saída da Geociclo, Ernani Judice passou um ano nos Estados Unidos e diz ter mostrado a tecnologia para diferentes empresas e universidades.

"Eles ficaram fascinados, disseram que não existia nada igual. Nos EUA tem muita restrição de aplicação de fertilizante, por causa de resíduos e, por isso, já usam produtos de liberação gradual, porém eram sintéticos, e gostaram muito dessa opção de deixar a matéria orgânica no solo. Foi então que decidi voltar para o Brasil e criar a Agrion", contou.

O executivo diz que o organomineral é o segmento que mais cresce no Brasil em fertilizantes, porque reduz o uso de NPK e aumenta a absorção da planta, em função da liberação gradual. Ainda assim, acredita que não represente 5% do mercado. "Mas é um caminho sem volta, vai crescer muito”.

Tanto o pellet quanto o farelado são usados em diferentes culturas, não apenas na cana. "É possível deixar a liberação mais longa ou mais curta, dependendo da necessidade, e se pode embarcar bactérias também, é um veículo que vai agregando valor”, explicou o CEO.

Modelo de negócio

Nesta primeira etapa, a Agrion vai vender para a Aroeira e também aos seus fornecedores de cana, mas também já está conversando com cooperativas da região para inserir seus produtos na comercialização via barter.

Para cada fábrica, é criada uma SPE, que fica abaixo da empresa controladora e é a responsável pela emissão do CRA. As usinas podem ser sócias da SPE, se quiserem. Há casos em que pretendem comprar toda a produção de fertilizante, mas não ficam sócias da controladora.

Judice afirma que, pelo modelo de negócio, no terceiro ano o investimento já está pago. “É diferente do biogás, por exemplo, que tem um payback muito longo, no nosso é rápido".

A Agrion controladora prepara a emissão de debêntures no valor de R$ 50 milhões para o ano que vem. Segundo o CEO, o objetivo é dar robustez ao projeto, aumentar estrutura e investir em pesquisa e desenvolvimento, ajudando a replicar o modelo em diferentes regiões.