Nas pouco mais de três décadas de história da ACP Bioenergia, a última é especial. Foi a partir de 2015 que a empresa, que começou produzindo 100 hectares de cana-de-açúcar fornecida para a Destilaria Alcídia, no muncípio paulista de Teodoro Sampaio, passou a dar passos mais largos em outros estados, em novos financiamentos e em novas culturas.

Hoje, a empresa possui polos de cana em Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e também cultiva soja, milho e gergelim em terras no Tocantins. Ao todo, são cerca de 100 mil hectares operados pela ACP, sendo pouco mais de 70 mil para cana e o restante nos grãos.

Foi também a partir dessa movimentação que a ACP viu suas contas ganharem tração. A companhia saiu de uma receita líquida de R$ 294 milhões anotada em 2021 para R$ 731,9 milhões no ano passado, uma alta de quase 150% em quatro anos. O número final do ano passado mostra uma alta de 10% em relação a 2023.

“Olhando nossa receita, ainda somos majoritariamente uma empresa de cana, com 85% do faturamento”, diz Caio Marchini, diretor financeiro da empresa, em entrevista ao AgFeed.

“A partir de 2016 introduzimos os grãos e é natural que a expansão dos grãos seja acelerada e componha cada vez mais fatia no faturamento”.
Ele acredita que esse percentual pode chegar a ser 20% para os grãos, mas a ACP continuará sendo uma empresa de cana. Em 2021, a receita com grãos foi de R$ 26 milhões. No ano passado, R$ 106 milhões.

Marchini cita que essa estratégia de diversificação ajudou no resultado do ano passado, já que o País viveu um clima seco, acompanhado de um déficit hídrico.

“A diversificação geográfica se provou valiosa, e trouxemos um aumento consistente na receita, no volume de cana entregue e na comercialização de grãos”.

A operação de cana em São Paulo, por exemplo, onde a companhia mantém canaviais em Teodoro Sampaio, viu sua receita cair cerca de 5% em um ano, para R$ 168 milhões.

A maior contribuição para o resultado veio dos canaviais sul-mato-grossenses, onde a empresa tem polos em Nova Alvorada do Sul, Rio Brilhante e Brasilândia. Lá, a receita foi de R$ 261 milhões, alta de 5%.

A ACP ainda possui um polo produtivo de cana em Edéia (GO), além de dois mineiros em Lagoa da Prata e Campina Verde. Juntos, somaram R$ 191 milhões ao faturamento. Os polos de grãos no Tocantins (Marianópolis e Lagoa da Confusão) renderam R$ 106 milhões ao caixa, número 11,8% maior do que em 2023.

Com o ciclo mais longo da cultura da cana, o avanço nos números é resultado de uma ampliação de áreas produtivas. Caio Marchini cita que a empresa plantou, em 2023, cerca de 16 mil hectares e esse canavial trouxe mais cana para a empresa.

A ACP não possui indústria de processamento de etanol ou açúcar, mas vende para empresas como BP Bioenergy, Atvos e Raízen. Em 2024, forneceu 4,3 milhões de toneladas de cana para indústrias, crescimento de 9,6% e um recorde para a companhia. Nos grãos, o aumento da produtividade fez a receita aumentar.

“Sempre olhamos para novos projetos, pois essa é uma característica da ACP. Atualmente estamos de olho em mais dois polos, um de cana e outro de grãos, diversificando nossa receita para localidades novas”, revela Caio Marchini.

A meta da ACP é aumentar em mais 15 mil hectares de grãos nos próximos anos, um avanço de 50% frente a área atual.

Trânsito na Faria Lima

A diversificação na ACP Bioenergia não se limita às lavouras. Assim como saiu da monocultura da cana para apostar em soja, milho e gergelim, a empresa também ampliou suas fontes de financiamento, combinando bancos, mercado de capitais e, mais recentemente, fundos governamentais.

A relação começou até antes da diversificação regional, quando a empresa emitiu seu primeiro CRA em 2013. O título de dívida, de cerca de R$ 40 milhões, foi a primeira emissão do mercado feita por um produtor que atuava como pessoa física.

O CRA, coordenado pelo Banco do Brasil, saiu em nome de Alamy Candido de Paula, patriarca da empresa e cujas iniciais dão nome à empresa (ACP), e que é pai dos atuais executivos Alexandre (CEO) e André (COO).

“Ficamos um longo período sem acessar o mercado e muita coisa mudou nos anos seguintes. A empresa mudou muito em governança e o CNPJ foi criado na safra 2018/2019”, diz Marchini.

Hoje, da dívida de R$ 1 bilhão vista ao final de 2024 – o que representa uma alavancagem de 1,9 vez o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação) –, um terço vem do mercado de capitais, principalmente de CRAs.

Hoje, dois Fiagros da XP, o XPCA11 e o XPAG11, possuem encarteirados cerca de R$ 100 milhões de certificados de recebíveis do agronegócio da empresa. No ano passado, a asset da corretora ainda estruturou um CRA onde a ACP captou R$ 150 milhões.

A dívida tem um perfil de 75% no longo prazo e 25% no curto. “É uma dívida mais longa que faz todo sentido de ser. Cana é uma cu ltura de ciclo longo e o financiamento precisa acompanhar”, completa o diretor financeiro.

Os 66% restantes estão em “bancos de primeira linha”, segundo Marchini, que cita Santander, Banco do Brasil, Rabobank, BTG Pactual e Bradesco.

Caio Marchini está na empresa desde 2022, depois de uma década no setor bancário. “Conheci a companhia no Santander. Três anos atrás, me convidaram a trocar de lado da mesa. Hoje cuido do RI, tesouraria, FP&A e controladoria”.

Desde então, a empresa passou a fazer roadshows com investidores, estruturou ofertas e diversificou também seu funding.

Nos últimos anos, tem ido além das captações de mercado e com bancos e apostando em fundings “alternativos”. No final do ano passado, a ACP fechou uma operação de R$ 100 milhões com o Rabobank numa linha internacional chamada Agri3, focada em dívidas verdes. O recurso vem em contraparte de um upgrade nas práticas sustentáveis da ACP, como o uso de biológicos nas lavouras e conversão de áreas degradadas de pastagem.

Há pouco mais de um mês, a empresa anunciou uma captação junto ao “Fiagro de São Paulo”. O governo paulista anunciou R$ 600 milhões em aportes ao setor e o montante serviria para estruturar fundos exclusivos, um focado em biocombustíveis e outro na logística rural.

A ACP foi a escolhida para receber os recursos do primeiro e o montante levantado pela empresa foi de R$ 150 milhões. O FIDC envolve a Desenvolve SP, a companhia canavieira e o banco BTG Pactual.

“Fomos procurados pelo BTG no final do ano passado, em linha com a carta-consulta que o governo distribuiu para assets, buscando gestoras capazes de fazer a gestão dos fundos chancelados pela Desenvolve SP”, conta Marchini.

No início deste ano, a empresa passou pela due diligence e foi escolhida para receber o capital. Marchini cita que a estrutura do FIDC paulista é parecida com a dos Fiagros do Paraná.

No caso do primeiro Fiagro do estado sulista, o governo paranaense entrou com R$ 350 milhões (algo em torno de 20% do fundo) por meio da Fomento Paraná sendo cotista sênior. Abaixo dela, o mercado de capitais entra com 40% do restante do fundo como cotista mezanino e, por fim, as agroindústrias ou cooperativas interessadas fecham o percentual restante numa cota subordinada.

A ideia é que a empresa tome o primeiro risco e que o governo estadual só seja afetado quando a inadimplência bater níveis astronômicos. No Paraná, o primeiro fundo será destinado à cooperativa C.Vale.

“É uma operação nova para nós, que nunca estruturamos um FIDC, mas a essência é parecida com o que estamos acostumados. É um financiamento de longo prazo e uma estrutura de custos adequada para suportar o Capex que fazemos ao longo do tempo”, afirma.

O capital será, naturalmente, aportado na operação paulista da ACP e a empresa utilizará o dinheiro para investir em plantio, seja em melhorias na lavoura ou renovação do canavial, e também no projeto de irrigação da companhia.

“Não é uma estratégia recente da ACP, mas está ganhando velocidade”, diz. Marchini cita que a empresa também vê uma necessidade de diversificação climática e, trazendo a irrigação, a companhia mitiga riscos de seca.

“Conseguimos, com a irrigação, controlar períodos de plantio e janela de safra. E o risco climático diminui”, completa.

Hoje, a empresa tem cerca de mil hectares irrigados e a meta, avaliando toda a operação da ACP, é aumentar para 10 mil hectares nos próximos anos, tanto na cana quanto nos grãos.

“A ACP faz seus projetos de forma faseada. Por uma estratégia conservadora da empresa, testamos muito antes de fazer grandes investimentos e a irrigação tem um alto custo ainda no Brasil”, explica.

A divisão do montante não está definida e a empresa não abre as taxas de juros do financiamento, mas garante que são abaixo do mercado. Marchini ainda citou que a já conversa para replicar o modelo nos outros estados em que atua e que também queiram fomentar o agro local com esse financiamento, parte público e parte privada.

Resumo

  • ACP Bioenergia cresceu quase 150% em receita nos últimos quatro anos e bateu recorde de cana entregue em 2024, com 4,3 milhões de toneladas
  • Diversificação em polos e culturas ganha força com expansão de grãos no Tocantins, com meta de 15 mil hectares adicionais nos próximos anos
  • Um terço da dívida de R$ 1 bi da empresa vem do mercado de capitais, com perfil de 75% no longo prazo e captações frequentes via CRAs

Caio Marchini, CFO da ACP Bioenergia