No espaço de pouco mais de duas semanas a subsidiária brasileira da multinacional suíça Syngenta, controlada pelo grupo chinês ChemChina, fez três lançamentos em áreas distintas. Primeiro, uma plataforma comercial digital, a Synap. Dias depois, uma fintech, a Syde. E dias mais tarde, durante a Agrishow, a ferramenta de agricultura digital Cropwise.

Vistos isoladamente, as novas empreitadas são ferramentas que estão em linha com iniciativas semelhantes observadas nos seus respectivos mercados. A conexão desses e outros movimentos da Syngenta, no entanto, revela uma estratégia “fora da caixa” do setor, sobretudo no âmbito comercial.

Se, tradicionalmente, a indústria de insumos agrícolas costuma criar estratégias para se aproximar e jogar junto com as principais cadeias de distribuição de seus produtos, o que a Syngenta busca agora é consolidar uma espécie de voo solo.

“Operamos de forma completa, não precisamos de plataformas adicionais”, afirmou ao AgFeed o diretor regional da empresa na América Latina e Head para o Brasil, Juan Pablo Llobet. “Nossa rede consegue cobrir as principais regiões do mercado brasileiro”.

Desde 2019, quando inaugurou uma loja com a marca Atua Agro em Ijuí, no Rio Grande do Sul, a Syngenta vem se organizando para se posicionar frente a um mercado em franco processo de consolidação. Novos grupos como Lavoro e Agrogalaxy, criados com base em recursos de grandes fundos de investimentos, têm feito aquisições de redes de revendas e ganhado musculatura em um setor que, anualmente, fatura mais de R$ 110 bilhões.

Boa parte da indústria de insumos acompanha com cautela esses movimentos. Nenhuma das grandes marcas, porém, foi tão ousada e clara como a suíça.

“A dinâmica de transformação e consolidação do setor tem sido definida por atores externos ao setor agro”, afirma Lobet. Entendemos que esses atores novos não respondem às nossas necessidades de levar nossas inovações diretamente ao produtor rural”.

Na percepção da Syngenta, expressa por seu executivo, a dinâmica de consolidação do mercado pode sobrepor interesses financeiros a questões de interesse agronômico, produtivo e de sustentabilidade no setor.

“São dinâmicas de empresas diferentes e, portanto, temos objetivos distintos a respeito de inovação. Consideramos importante garantir que essas inovações fiquem próximas do agricultor, no curto, médio e longo prazos”.

Para Llobet, a estratégia dos novos grupos de distribuição está mais focada na geração de valor para os investidores no curto prazo, enquanto, segundo ele, a Syngenta busca a perenidade dos negócios do produtor e da própria marca.

“Não somos empresa que busca definir um caso de negócio, procurar um valor de curto prazo e depois vender. Somos empresa do agro, para o agro, queremos estar aqui nos próximos 200 anos”, diz.

Evolução natural

O novo posicionamento e as declarações mais incisivas do executivo vieram logo em seguida à aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) da aquisição, pela Syngenta, da Agrocerrado, rede com forte presença em Minas Gerais.

Somadas às bandeiras Atua Agro, Dipagro e Agro Jangada, também adquiridas pela empresa, elas formam hoje uma rede com 64 pontos de venda e mais de 350 consultores comerciais que, segundo a Syngenta, atendem a mais de 25 milhões de hectares no País.

Com a incorporação da quarta bandeira, a Syngenta deu o próximo passo na sua estratégia, com o lançamento da holding Synap (sigla para Syngenta Agriculture Platform). Por meio de uma nova plataforma comercial digital, as operações de todas as marcas ficam integradas em um só ambiente, permitindo maiores interação e oferta de produtos e serviços, inclusive financeiros.

“A Synap é uma evolução do conceito de formação de rede que temos construído nos últimos anos”, afirma Llobet. “Somos uma das poucas empresas no mundo que consegue trazer inovação de verdade para o agro e precisávamos garantir que nosso DNA fosse respeitado e nossas tecnologias sejam posicionadas de forma adequada”.

Segundo Llobet, a proposta de uma atuação direta junto ao produtor, sem a intermediação de outras redes de distribuição, vem sido ampliada nos últimos anos, à medida que a expansão geográfica da rede própria foi acontecendo.

Além de suas marcas, a empresa mantém relacionamentos estratégicos com segmentos como o de cooperativas, que hoje representam papel fundamental na distribuição de insumos a seus associados.

“Quando temos parceiros estratégicos e trabalhamos com eles, conseguimos posicionar a inovação técnica, comercial e de sustentabilidade da maneira que entendemos correta. Então, temos assegurados a responsabilidade, os investimentos e a dedicação”, diz.

Llobet afirma, sem abrir números, que sua rede própria tem ajudado a alavancar resultados nas regiões em que atua. “Crescemos comercialmente, em market share e negócios”, diz, afirmando que hoje o modelo já representa um “componente importante no faturamento global” da companhia.

“Temos gerados outros elementos em serviços e passamos a não depender apenas da venda de produtos”, afirma.

Tudo se conecta

É essa mesma lógica que explica também o movimento no setor financeiro, com o lançamento da fintech Syde. Definida por Llobet como “um hub de soluções financeiras”, a plataforma pretende centralizar ofertas próprias e de parceiros estratégicos para o financiamento das operações dos produtores clientes da marca.

“Também é uma evolução do que já fazíamos”, diz o executivo, lembrando que a Syngenta foi a responsável pela criação de um dos primeiros FIDCs voltados para o agro, há mais de 10 anos, e que, entre 2011 e 2021, disponibilizou mais de R$ 5 bilhões em acesso ao crédito. Apenas em 2022, a empresa levantou mais de R$ 6 bilhões em operações estruturadas, com dois novos FIDCs.

A Syde nasce com cerca de R$ 1 bilhão ofertados aos produtores, seja pela própria Syngenta, seja através de bancos como Itaú e AL5 Bank, ou agfintechs, como a Farm.

Se antes a divisão de soluções financeiras da empresa atendia prioritariamente clientes de maior porte e cooperativas, o objetivo agora é trazer médios e pequenos produtores também para o seu ambiente próprio.

“É um passo adicional para democratizar acesso a crédito, viabilizando para agricultores menores, que nem sempre tem capacidade de acessar soluções de crédito”, afirma Llobet.

A conexão entre Synap e Syde, praticamente ignorada nas divulgações independentes das duas plataformas, é uma consequência natural. Transações realizadas na plataforma comercial podem, evidentemente, ser financiadas por parceiros através da Syde.

O ciclo se fecha quando um terceiro elo é adicionado. A ferramenta de agricultura digital Cropwise, também recém-lançada, pode oferecer recomendações agronômicas que resultem em aquisição de produtos, que eventualmente serão feitos via Synap, com crédito viabilizado na Syde.

Assim, a Syngenta passa a ter um olhar mais amplo sobre o mercado como um todo – e cada produtor em particular. Llobet entende que a estratégia pode trazer benefícios a todos. “Quando delegamos a terceiros, pode haver outro tipo de interesse” diz. “Temos responsabilidade técnica e de sustentabilidade com o produtor rural. E responsabilidade não pode e não deve ser delegada”.