Lucas do Rio Verde (MT) - Ampliar o uso de ferrovias na logística do agronegócio é um sonho antigo que, aos poucos, começa a se tornar realidade, mesmo que o custo ainda não seja tão baixo quanto gostariam os produtores e as empresas.

Em Mato Grosso, estado que lidera a produção de soja, milho, algodão, entre outros produtos, esse anseio é ainda mais relevante. E um dos maiores polos do agronegócio do estado é a chamada região da BR-163, que tem Lucas do Rio Verde como um dos municípios em busca a posição de “hub logístico” para os demais.

Por esse motivo, os organizadores do Show Safra, feira de tecnologia agrícola que já chega a 12ª edição na cidade, promoveram esse ano um painel para tratar dos projetos já anunciados de ferrovias para a região e dos impactos que podem trazer para a competitividade do agro de Mato Grosso.

Estiveram presentes a Rumo, que já está construindo a ferrovia “estadual”, de 740km, a VLI, que por enquanto atende Mato Grosso indiretamente, por meio de operações em estados vizinhos, e o idealizador da Ferrogrão, que detalhou o projeto ainda pendente de destravamentos em Brasília.

Um dos projetos que aguarda licitação para ser construído (nos trechos que ainda faltam) é o sistema Fico-Fiol, que contempla as ferrovias Centro-Oeste e Oeste-Leste e poderia ligar Lucas do Rio Verde até Ilhéus, na Bahia.

Na prática, os projetos se subdividem em Fico 1 e 2 e Fiol 1, 2 e 3. Há um trecho já concedido (Fiol 1, entre Caetité e Ilhéus, na Bahia), outro com o governo (obras em andamento entre Caetité e Barreiras na Bahia) e outros que ainda aguardam licitação.

A Fico 2, entre Mara Rosa, em Goiás, e Água Boa, em Mato Grosso, já tem obras em andamento com previsão de estar pronta até 2028. Já a Fico 1, que ligaria Água Boa a Lucas do Rio Verde, aguarda a licitação.

José Osvaldo Cruz, gerente da VLI Logística, disse ao AgFeed que a empresa hoje atende Mato Grosso “por influência”, já que cargas do agro são levadas de caminhão até os trilhos da empresa em locais como Palmeirante, Tocantins e Triângulo Mineiro.

“Mas obviamente que chegar aqui (em Mato Grosso) é muito mais interessante. Nesse momento estamos participando das audiências públicas do sistema Fico-Fiol, existem reuniões bilaterais que governo ainda está fazendo e a gente está procurando ajudar a aprimorar o projeto, porque ele é grande, tem alguns riscos, mas a VLI tem muito interesse”, explicou.

Em entrevista ao AgFeed no ano passado, a Rumo destacou que também tinha interesse no projeto, portanto a VLI não está sozinha na disputa.

Mas o executivo da VLI admitiu ao AgFeed que o chamado sistema de autorizações poderá também ser um “plano B” para empresa operar em Mato Grosso.

As autorizações – sem a necessidade de uma concessão – foram criadas pelo governo federal e o sistema já existe no estado de Mato Grosso.

“A gente não fez uso da lei estadual para buscar autorização mas é sempre uma alternativa. Quem sabe, num futuro breve, a gente esteja mais próximo”, afirmou Cruz.

Ele revelou que, em nível federal, a VLI já apresentou 6 solicitações para o sistema de autorização, mas está agora no momento de analisar se dará continuidade ou não.

Um dos trechos é justamente entre Lucas do Rio Verde e Água Boa. “Estamos esperando o processo da Fico-Fiol para ver como vai ficar essa logística, se nós não fomos vencedores, pode ser que seja um plano B, porque a autorização está aí, como a Rumo fez”, lembrou.

Um ponto que preocupa as empresas é que a nova legislação federal, em tese, permitiria que mais de uma companhia operasse o mesmo trecho de ferrovia, algo que é visto como injusto para aquele que fizer todo o investimento.

O trecho entre Lucas do Rio Verde e Água Boa tem cerca de 600km. Se considerados valores de referência que o governo tem divulgado para a construção de um quilômetro de ferrovia, é possível que o investimento ficasse entre R$ 6 bi e R$ 15 bilhões.

O superintendente da ANTT, (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Alexandre Baumgarter, que também participou do painel no Show Safra, disse ao AgFeed que já foram apresentados 20 pedidos de autorização.

Ele explicou que as “autorizações” são basicamente ferrovias privadas, onde empresas privadas pedem autorização ao governo para fazer um investimento privado, para uso próprio, por isso não é uma concessão.

Dos 20 assinados, nenhum teve obras iniciadas, mas há um caso já licenciado que é em Mato Grosso do Sul - um pedido feito pela Eldorado Celulose, companhia que pertence à J&F, mesma holding da JBS, dos irmãos Batista. “A previsão é começar a obra ainda esse ano”, disse Baumgarter.

Em Mato Grosso, foram apresentados 4 pedidos. Além desse da VLI, há também solicitações da Rumo, informou o superintendente. “Todas têm a ver com o agronegócio”.

Rodrigo Verardino De Stéfani, gerente executivo de Projetos Regulados da Rumo Logística, também participou do evento em Lucas. O AgFeed perguntou a ele sobre quais trechos a empresa pleiteia como autorização. Ele respondeu que “está tudo em fase de amadurecimento de projeto e são trechos com prioridade inferior ao contrato estadual”.

Além do trecho entre Lucas do Rio Verde e Água Boa, haveria também pedidos em Ribeirão Cascalheira e Campo Novo do Parecis.

O fato é que a prioridade absoluta da Rumo é seguir avançando em seu mega projeto para Mato Grosso, de R$ 15 bilhões, que já está sendo construído. O executivo mostrou fotos do andamento das obras, comparando com o mesmo período do ano passado, aos produtores rurais que acompanharam o painel.

O primeiro terminal, na BR-070, no município de Dom Aquino, entre Campo Verde e Primavera do Leste, começa a operar em meados de 2026, já com os primeiros embarques de grãos. O investimento só nesse terminal é de R$ 300 milhões.

“Nós estamos falando de um trecho de aproximadamente 160 quilômetros, onde vai ser instalada essa unidade, que é um terminal para movimentar 10 milhões de toneladas de carga por ano, no sentido de exportação. Cargas essas que vão ser soja, milho ou farelos”, explicou De Stéfani.

O próximo terminal deve ser em Cuiabá, depois Nova Mutum e, finalmente, Lucas do Rio Verde, que está previsto para 2028.

“Essa previsão consta num cronograma referencial, que tem alguns gatilhos de modificação de prazo à medida que o projeto vai amadurecendo. Porque quando a gente assinou a autorização, a gente não tinha 100% dos projetos em nível executivo. Então, a gente tem ainda algumas melhorias de engenharia que estão sendo implantadas para reduzir ainda mais o impacto ambiental do empreendimento e tornar a obra cada vez mais rápida”, disse o executivo da Rumo.

Ferrogrão em 2026

Outra grande promessa para Mato Grosso é o projeto da Ferrogrão, que finalmente poderá sair do papel, após diversos questionamentos na justiça sobre eventuais impactos ao meio ambiente.

O responsável pela iniciativa, Guilherme Quintella, disse ao AgFeed que todos os estudos já foram apresentados e que o setor agora aguarda que o governo autorize a licitação, porque há grupos interessados. “É preciso avançar com os licenciamentos ambientais, é o grande desafio agora, que o governo possa correr com isso”.

O investimento estimado é de R$ 20 bilhões. Mesmo que saísse ainda esse ano o edital, ainda demorariam 7 anos para ter o trecho disponível, segundo ele.

Na visão do executivo, as demais iniciativas, como projeto principal da Rumo, já eram previstos e não prejudicam a atratividade da implementação da Ferrogrão

“Mas a Ferrogrão gasta a metade da energia dos outros sistemas para escoar até o porto, em função das distâncias de rodovia e hidrovia envolvidas”, disse.

Todos os executivos das empresas destacaram números de seus projetos sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa na comparação com o atual modelo predominantemente rodoviário.

O superintendente da ANTT confirmou que um estudo foi encaminhado ao STF “do jeito que ele pediu”. Embora não tenha havido manifestação do Supremo, ele diz que a agência está preparando o material sobre o edital neste primeiro semestre para encaminhar ao TCU (Tribunal de Contas da União).

“Qualquer concessão, ela passa obrigatoriamente pelo TCU pra fazer aprovação dos instrumentos do edital e contrato”, explicou.

A expectativa é que TCU devolva até o final deste ano e a licitação possa ocorrer no primeiro semestre de 2026, segundo Baumgarten.

Custo da logística deve baixar

Os produtores de Mato Grosso aguardam ansiosos pela chegada das ferrovias porque a expectativa é de redução significativa nos custos logísticos.

Grãos produzidos em Lucas do Rio Verde, por exemplo, hoje têm um trajeto rodoviário de 2 mil km até o porto de Santos ou de 1,2 mil km até Miritituba, para sair pelo Arco Norte.

“Nosso cálculo, por exemplo, quando a ferrovia ficar pronta de Lucas do Rio Verde a Rondonópolis, é que aproximadamente 69% das cargas dos caminhões vão migrar pra ferrovia. Se a Ferrogrão ficar pronta e vai pra Miritituba, em torno de 70%, 75% vai migrar também para o trem”, afirmou ao AgFeed, Edeon Vaz, do Movimento Pró-Logística, ligado às entidades de produtores.

Vaz acredita que quando houver várias opções de ferrovias no estado, com saídas para o Sul, Norte e Leste, haverá uma queda entre 20%e 25% no custo do frete.

Só com a presença da Rumo em Rondonópolis atualmente, ele calcula que 35% da produção de Mato Grosso já esteja com acesso ao escoamento por trilhos. Quando chegarem as outras ferrovias, a expectativa é que o modal ferroviário alcance entre 70% e 80% da produção no estado.

Por outro lado, o setor ainda se preocupa com um certo “monopólio” à medida que o transporte ferroviário do agro fica mais concentrado na Rumo, com menor participação da VLI e há pouca chance de concorrência, o que poderia baratear os custos do transporte ferroviário.

Sobre o modelo de autorizações, Vaz disse que seria bom para o setor que saíssem esses novos trechos, mas considera pouco provável em função do alto custo para as empresas, sem participação do governo.