Os pedidos de recuperação judicial entre os produtores rurais tiveram uma nova alta no primeiro trimestre. Segundo dados divulgados pela Serasa Experian, de janeiro a março deste ano foram feitas 106 requisições.

No mesmo período do ano passado foram 17 pedidos, e no último trimestre de 2023 foram 47, menos da metade do registrado no primeiro trimestre deste ano. No ano passado inteiro, foram 127 pedidos de RJ.

Na visão de Marcelo Pimenta, head de agro da Serasa Experian, o Brasil ainda está muito longe de uma crise setorial, principalmente avaliando a quantidade de produtores rurais que existem no Brasil, mesmo com o aumento nos pedidos.

E, em sua avaliação, a velocidade do crescimento dos pedidos tem desacelerado nos últimos meses.

Ele acredita que os resultados do segundo trimestre deste ano (de abril a junho), o número de pedidos ainda deve vir alto, avaliando um delay natural até os produtores requisitarem o pedido e de fato entrarem em recuperação judicial. No segundo semestre, o número deve cair.

“No semestre passado houve muita discussão e atuação junto ao judiciário para entender a dinâmica das RJs e o real cenário. Com isso, vimos que apesar do aumento, a velocidade tem reduzido”, afirmou.

Pimenta avalia que após os dados de alta na inadimplência divulgados de um ano para cá, players do setor começaram a atuar de forma mais ativa para impedir uma disseminação da prática. “Houve uma campanha nos bastidores de conscientização que tem dado resultado, mas há um trabalho ainda grande a se fazer”, conta.

Uma reportagem do AgFeed publicada em fevereiro deste ano mostrou que alguns escritórios de advocacia estavam disseminando folders em tons comerciais mostrando supostos benefícios de se entrar em um processo de recuperação judicial.

Um desses PDFs, ao qual a reportagem teve acesso, circulou em grupos de produtores e mostrava uma lista de 10 motivos para tentar convencer endividados a adotarem a medida.

No texto desse folder, era dito, por exemplo, que "a recuperação judicial é a melhor ferramenta para que o produtor rural, que deve mais de R$ 15 milhões, consiga pagar todas suas dívidas".

Na época, entidades como Andav (Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários), Anda (Associação Nacional para a Difusão de Adubos), Anec (Associação Nacional dos Exportadores de Cereais) emitiram notas manifestando preocupação com a "banalização dos requerimentos de Recuperação Judicial".

Avaliando a jornada dos levantamentos da Serasa até aqui, Pimenta acredita que houve um pico entre o final do ano passado e o começo de 2024 nos pedidos, e que as ações de conscientização desaceleraram os pedidos no momento.

“O número bruto ainda vai crescer, mas tende a se estabilizar no segundo semestre. Existe um delay natural, com muito processo ainda sendo julgado”, afirma.

Nesse cenário de mais RJs, a Serasa está sendo também mais demandada por empresas e bancos. Pimenta vê que, num momento de crise, o mercado olha para onde vê segurança nos dados.

“Várias empresas de análise de crédito para o agro tiveram problemas e migraram para um um mercado seguro. Nesse momento de crise momentânea, conseguimos dar mais instrumentos para o mercado, assim como a Serasa dá para o mercado de crédito tradicional”, afirmou.

“Entramos no agro há 3 anos com a ideia de trazer o mesmo nível de confiança que entregamos no crédito comercial no crédito no agro. Naquele momento, vimos uma expansão grande na tomada de riscos de investimentos, e quando veio a crise, rolou uma ‘limpa’ no mercado”, acrescentou Marcelo Pimenta.

Quem pediu RJ no primeiro trimestre?

Pimenta ainda vê que o padrão dos pedidos segue o mesmo: produtores de perfil mais agressivo, arrendatários e grupos econômicos ou familiares relacionados ao setor continuam a liderar os pedidos de RJ.

Nas 106 requisições do primeiro trimestre, 53 vieram de produtores do Mato Grosso, 16 de Goiás, 12 do Paraná e 6 do Rio Grande do Sul. Demais estados registraram menos de quatro pedidos.

Do total, 39 pedidos de RJ vieram de arrendatários, 24 de grandes produtores, 22 de médios produtores e 21 de pequenos proprietários. Todos os números mostram avanço no comparativo com o primeiro trimestre de 2023,e o destaque fica nos médios proprietários, que não tiveram nenhum registro de RJ no ano passado.

O perfil médio - produtor que arrendou terras no Mato Grosso -, é explicado, segundo Pimenta, pois se tratam de produtores que expandiram áreas nos anos de margens mais elevadas no agro e se alavancaram para tal.

“De 2019 até 2021 esse produtor tinha margens de 45% e achou que isso ia ser o novo normal. As margens históricas dele eram de 25%. O produtor adicionou mais terra e se alavancou para financiar a produção, correndo mais riscos”, conta o head de agro da Serasa.

Pimenta afirma que pelas avaliações do Agro Score, “nota” dada pela empresa nas consultas de clientes, esses produtores já estavam há pelo menos dois anos com um alto risco.