Seguro rural é o que o Brasil precisa, mas é também um dos maiores gargalos da agropecuária nacional. Sobram sinistros em tempos de mudanças climáticas e faltam interessados em oferecer soluções que caibam no bolso dos produtores rurais.
Enquanto governo, lideranças do agro e parlamentares discutem um novo modelo para o seguro agrícola no País, o mundo das startups vai tentando encontrar e oferecer soluções alternativas ao mercado.
A principal delas é o seguro paramétrico. Nesta modalidade, as apólices se baseiam em índices pré-definidos entre os produtores rurais e as seguradoras. Para escolher estes parâmetros e depois auditá-los, o uso de dados e de inteligência artificial é fundamental no processo.
É aí que entra o trabalho da startup Trag, criada há cerca de um ano, por empresários que já haviam vinham se dedicando ao segmento e agora contam com outros sócios. A empresa se denomina uma “plataforma de inteligência agroclimática”, que conecta as seguradoras com os produtores rurais.
Um contrato fechado recentemente mostra como o paramétrico pode solucionar demandas que não eram atendidas pelo seguro tradicional.
A Fazenda Manacá, com sede em Patrocínio Paulista (SP), considerada modelo na produção de carne certificada Angus, contratou à Trag uma apólice no valor de R$ 3,2 milhões com um único objetivo: garantir o suprimento de milho silagem para os 2,5 mil animais que tem hoje, além dos 1,7 mil que estão para nascer nos próximos meses.
A Manacá foi a primeira propriedade de São Paulo e a segunda do Brasil a obter o selo de sustentabilidade Angus. Foi submetida a auditorias e consultorias externas para atestar a produção de carne de forma mais sustentável, passando pelos cuidados na alimentação e até pela prática da agricultura regenerativa.
“Temos essa preocupação de (usar) menos químicos e oferecer mais bem-estar animal. É um modelo que não é comum, bastante tecnificado, onde o animal nasce, ele reproduz, vai embora e deixa uma reposição. E a gente produz dentro de casa 90% do que esse animal come”, explicou Pompílio Roselli, proprietário da fazenda, em entrevista ao AgFeed.
A fazenda é uma das principais fornecedoras da agropecuária VPJ. Deve fornecer ao grupo 2,2 mil animais somente em 2025, segundo Roselli.
Para garantir a alimentação do rebanho, a Manacá tem 900 hectares plantados entre soja e milho na safra de verão. E o maior receio, todos os anos, é que o clima não colabore, e a produção de grãos fique abaixo do esperado.
Quando isso acontece, além de pagar mais caro tendo que comprar milho silagem de outros fornecedores, a fazenda cheia de padrões e certificações corre o risco de não conseguir manter o mesmo nível de qualidade.
No modelo tradicional de seguro, raramente empresas oferecem opções para milho silagem. Além disso, Pompílio conta que muitos exigem a contratação de outros serviços ao oferecer a apólice e cansa de ouvir de vizinhos “a dor de cabeça” vivida quando é necessário pedir a indenização. “Fazem o possível para não te pagar”.
Rodrigo Gandra, cofundador da Trag, explica no modelo antigo o processo é mais demorado e burocrático do seguro tradicional. “Demanda uma perícia em campo e aí tem um índice de subjetividade”, diz.
O pagamento do seguro costuma ser atrelado à produtividade de cada lavoura, caso tenha ficado abaixo dos índices da região. “Já o paramétrico é um dado muito objetivo e baseado em números que são certificados internacionalmente”.
No caso do paramétrico, Pompílio resolveu apostar e se diz satisfeito até agora. O risco na propriedade era que chovesse menos que o esperado e a produção de milho silagem também ficasse muito abaixo do que se projetava inicialmente.
“O seguro me dá um gatilho. A gente escolheu, por exemplo, os meses de novembro e dezembro, que são os momentos críticos. Eles (a Trag) fazem uma média histórica e definimos o gatilho. Se chover abaixo disso, eles vão nos indenizar e, com esse dinheiro, vou completar o volume silagem que faltou”, disse o produtor.
Neste contrato, especificamente, a Trag diz que o valor estabelecido foi um volume esperado de 450 mm de chuva para os 900 hectares que a fazenda cultiva. A diferença de chuva que vier a menos, o produtor recebe em forma de indenização, ou seja, se não chovesse uma única gota na sua propriedade ao longo dos dois meses, receberia na íntegra os R$ 3,2 milhões contratados.
“O seguro é sempre muito visto no âmbito de médias regionais, por exemplo, médias municipais. Mas no seguro paramétrico, a gente tem a possibilidade de olhar individualmente”, afirmou Rodrigo Gandra, ao AgFeed.
Ele explicou que a Fazenda Manacá, entre áreas próprias e arrendadas, tinha lavouras distribuídas em três municípios diferentes, um deles na divisa com Minas Gerais e os outros em São Paulo. “A gente conseguiu individualizar o risco”.
“Conseguimos mostrar num histórico de 40 anos, por exemplo, como a gente fez para o Pompílio, de quantas vezes esse gatilho menor que 450 milímetros de chuva teria sido acionado ele tivesse contratado o seguro nos anos anteriores”, disse.
No caso específico da Fazenda Manacá, para dois meses, o custo para o produtor do seguro paramétrico ficou em R$ 340 por hectare, mas os valores podem variar dependendo dos parâmetros que são acordados entre os contratantes.
Quanto à indenização, ela também pode ser parcial. “Se chover 300 mm, o Pompílio vai receber 150 milímetros de indenização por hectare. Tem um valor por milímetro por hectare”, explicou Gandra.
A “mensuração” para que o seguro seja acionado ou não é baseada nos relatórios mensais que trazem dados de satélites e outras informações tratadas por Inteligência Artificial.
Rodrigo Gandra diz que como fica mais fácil para as seguradoras “auditarem” o resultado, a expectativa é de que produtores como o proprietário da Fazenda Manacá venham a ter outros benefícios, como uma avaliação de “menor risco”, ao contratar um crédito, por exemplo.
“Além da cana”
Três dos atuais sócios da Trag já lideraram no passado uma empresa chamada, Ceres que, ao diferentemente do negócio atual, se denominava como empresa de seguros.
Em julho do ano passado o então CEO da Ceres - hoje CEO da Trag -, Leonardo Maia, revelou ao AgFeed que um contrato paramétrico - seria o primeiro do tipo no País - havia sido fechado com a Colombo Agroindústria, tradicional produtora de açúcar e álcool no interior de São Paulo.
“Antes era um modelo analógico, agora digitalizamos tudo, colocamos inteligência agronômica e climática, não atuamos mais no modelo de corretora de seguros. Estamos linkando bancos, produtores e corretor de seguros”, disse Maia, ao conversar esta semana, novamente, com o AgFeed.
O executivo diz que o seguro paramétrico foi mostrando bons resultados na cana, mas agora também já está sendo vendido para produtores de café, soja e milho.
Ele adiantou ao AgFeed que está próximo de fechar um contrato para a produção de algodão no Paraguai.
A expectativa também é de crescimento junto a perfis de pecuaristas como a Fazenda Manacá, que tinha dificuldade em acessar o seguro tradicional.
“Normalmente os produtos convencionais (de seguro agrícola) estão condensados em uma estrutura de produtividade e sempre é grãos, e não massa verde, como é o caso da silagem”, explicou Rodrigo, da Trag.
O produtor Pompílio Roselli diz que torce para que o modelo dê certo e já avalia a contratação do paramétrico para o milho safrinha, que costuma sofrer bem mais com a falta de chuva.
A expectativa é de que a Trag busque também maior presença junto a grandes produtores de leite. “Muitas vezes o problema é a qualidade. Precisa ter uma qualidade de silagem boa para que aquilo tenha um valor nutricional interessante para a engorda ou para o nicho, por exemplo, como é o caso do leite”, disse Rodrigo.
Na época da Ceres, Leonardo Maia chegou a divulgar uma meta de atingir R$ 1 bilhão na carteira de seguro paramétrico.
Agora, como Trag, os sócios evitam falar em valores financeiros e não revelam qual o total já contratado ao longo de 2024.
Para 2025, a Trag diz que tem como meta atingir com o paramétrico 50 mil hectares. “Meta conservadora”, segundo Rodrigo, “pois envolve uma quebra de paradigmas sobre a importância do seguro como investimento para o produtor, em lugar de ser visto como custo”.