Os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, Fiagros, chegaram ao mercado em 2021 com a promessa de aproximar o agronegócio do mercado de capitais, aumentar a oferta de financiamento aos produtores rurais e, por outro lado, oferecer uma opção de investimento isento de imposto de renda, para pessoa física e jurídica.
A missão foi sendo cumprida com sucesso e hoje na bolsa brasileira B3 já são 45 fundos listados. Até o fim de 2023, o produto atraiu mais de 470 mil investidores, com cerca de R$ 11 bilhões sob custódia. As pessoas físicas representam 76% do volume negociado.
O que ninguém esperava é que depois de anos seguidos de bonança, o agronegócio enfrentaria uma crise, causada principalmente pela forte queda no preço das commodities como soja e milho.
Maior consumidora de soja do mundo, a China aponta excesso de oferta. Entre dezembro de 2023 e março de 2024, o preço da oleaginosa no Brasil caiu de mais de R$ 130 para menos de R$ 110 – e essa queda não foi acompanhada por uma redução nos custos dos insumos. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a margem bruta da soja caiu 68% em relação à safra 2022/2023.
Enquanto isso, o estado que lidera a produção nacional de soja, Mato Grosso, teve falta de chuva no início da safra e colheu 15% menos em relação a temporada anterior. No Rio Grande do Sul, o problema foi o excesso de chuva, ao longo de toda a safra, além das enchentes, que afetaram também a logística do agro gaúcho a partir de maio.
Foi aí que surgiu a primeira crise dos Fiagros, no primeiro trimestre de 2024. Com imprevistos climáticos, queda no consumo, despesas em alta e receita em queda, muitos agricultores não pagaram no prazo os seus credores. Algumas destas transações eram os lastros de Fiagros.
Segundo a Serasa Experian, a taxa de inadimplência – 180 dias de atraso no pagamento de dívidas – cresce desde 2021. Entre o 1T21 e o dado mais recente, 4T23, aumentou de pouco mais de 6% para 7,1%.
A inadimplência afetou, entre outros, o primeiro Fiagro lançado no Brasil. Em março, a Galapagos Capital informou aos cotistas do fundo Galapagos Recebíveis do Agronegócio (GCRA11) que o CRA Castilho teria o vencimento antecipado, por inadimplência parcial. Em fevereiro, informou a recuperação judicial (RJ) do Grupo Elisa Agro, devedora do CRA Mitre.
Em meio ao cenário mais adverso, uma das consequências foi a redução do ritmo de crescimento dos Fiagros. Em 2023 estes fundos dobraram de tamanho em relação ao ano anterior. Mas o que está sendo visto em 2024 é um avanço mais tímido, em que volume financeiro passa a crescer dois dígitos e não três como ocorria até então.
Fim da crise?
Os números do mercado de Fiagros no segundo trimestre de 2024, divulgados essa semana pela Anbima, podem ser um termômetro para medir se a “crise” de confiança em relação a estes fundos, pode estar ficando para trás.
No anúncio da Anbima, o volume de emissões de Fiagros no segundo trimestre foi de R$ 934,6 milhões, 118,8% maior que o primeiro trimestre (R$ 427,1 mi). Porém, ficou 36,4% abaixo que o mesmo período de 2023. Até aqui, um copo meio cheio e meio vazio.
Para entender com maior clareza o momento do mercado, a AgFeed consolidou dados semestrais e entrevistou o consultor financeiro no agronegócio Luiz Cláudio Caffagni. “O mercado continua crescendo, mas em desaceleração”, afirmou.
A consolidação dos dados da Anbima confirma o diagnóstico de Caffagni. O primeiro semestre de 2024 mostra que houve o menor volume de emissões de Fiagros desde o começo da série, em 2022. As emissões no 1S24 somaram R$ 1,37 bilhão, contra R$ 4,72 bilhões no mesmo período de 2023. Uma queda de 71%.
Apesar de crescer menos que nos semestres anteriores, o volume de dinheiro investido em Fiagros cresceu. Se havia avançado 203,7% entre o primeiro semestre de 2022 e o mesmo período de 2023, agora avançou 41,2% entre os primeiros seis meses deste ano, na comparação com o mesmo semestre de 2023.
Apesar da desaceleração, o mercado de Fiagros continua em evolução. Em todos os trimestres até hoje, o dinheiro mais entrou do que saiu. A captação líquida (diferença entre aportes e resgates) no 1S24 foi de R$ 742,6 milhões. Um valor positivo, apesar de inferior aos R$ 2,14 bilhões registrados em 1S23, ou R$ 1 bilhão em 1S22.
“O mercado de Fiagros está passando por um freio de arrumação”, afirma Caffagni. “Os gestores dos fundos estão mais seletivos”.
Na noite da quarta-feira, 31 de julho, a Suno Asset anunciou o início do processo de follow on que poderá atrair mais R$ 352 milhões para seu Fiagro Imobiliário SNAG11 (leia mais aqui). É uma iniciativa isolada de um dos produtos mais bem sucedidos do mercado até aqui. Segundo a B3, o SNAG11 foi o quinto Fiagro mais negociado em junho de 2024 e o sétimo colocado nos últimos 12 meses.
Mercado deve amadurecer
Luiz Claudio Caffagni acredita que os dois lados do mercado de Fiagros podem amadurecer com a crise.
Os gestores de Fiagros, que emprestam para o agronegócio, estão refinando seus modelos matemáticos. “É difícil calcular um risco de crédito”, diz Caffagni. “Muita gente nas universidades está acompanhando essa crise de perto, tentando entender como estimar melhor os imprevistos”.
Os produtores rurais, que tomam empréstimo, podem (e devem) avançar em governança. No mercado de crédito privado, quem é pontual nos pagamentos e transparente nas demonstrações consegue condições mais vantajosas de financiamento.
“No futuro, o crédito rural do governo vai ficar limitado a pequenos e médios agricultores”, diz Caffagni. “Para se tornar um pagador mais previsível, o empresário vai precisar contratar seguro para a lavoura e operar no mercado de derivativos”.