Parece uma história repetida, mas não é. A agfintech Grão Direto, plataforma que atua na comercialização digital de grãos na América Latina, trouxe novos gigantes do agro (e de fora dele) para uma rodada de captação.

Desta vez, captou R$ 90 milhões numa rodada liderada pelo Kaszek, maior fundo de investimento da América Latina. A captação ainda contou com a entrada de novos investidores como o Bradesco, por meio de sua área de venture capital, a SLC Ventures e o CME Ventures (que opera na Bolsa de Chicago) e a Endeavor Scale-Up Ventures.

Em entrevista ao AgFeed, Alexandre Borges, CEO da Grão Direto, considerou a rodada simbólica, tanto para o agro brasileiro, quanto para o mundo dos investimentos, que vive já há dois anos um “inverno das startups”, com aportes em novas empresas um pouco mais restritos.

“Ano passado foi complicado para o setor e, ao mesmo tempo, para o venture capital. Quando o presente está difícil as pessoas olham para a frente com incerteza. Conseguirmos essa rodada, com esses players e nesse contexto, traz um ‘extra’ para nós”, disse.

Para além do recurso captado, Borges acredita que os novos investidores trazem um smart money muito interessante.

Isso porque a empresa ganha um novo parceiro agrícola (SLC), um parceiro financeiro com forte atuação no agro (Bradesco), uma empresa ligada à Bolsa de Chicago (CME) e ainda conta com uma rede de empreendedores globais (Endeavor Scale-Up Ventures), explicou. O líder da rodada (Kaszek), ajuda com sua expertise em marketplaces e fintechs investidas.

Metade do valor captado será investido na ampliação de soluções tecnológicas, incluindo precificação e negociação em tempo real, avanços na digitalização do barter e novas soluções baseadas em inteligência artificial.

O restante ajudará a startup a expandir seus produtos e serviços financeiros. O CEO da companhia havia adiantado essa nova estratégia de expansão ao AgFeed em novembro.

Na época, ele citou que a base de usuários da plataforma, grande e espalhada pelo País, junto a uma crescente nas negociações, “trazia um um terreno fértil para plugar produtos financeiros".

Hoje a empresa já atua com barter e possui um cartão de crédito com bandeira Mastercard, com prazo safra. Agora, vai acrescentar ao portfólio serviços de antecipação de recebíveis, um cartão de crédito vinculado com pagamento em grãos e concessão de crédito vinculado a contratos futuros.

Até agora, todo o funding dessas operações era feito pelo próprio caixa da Grão Direto, mas a nova rodada deve acelerar parcerias e financiamentos de fora.

“Fizemos até hoje tudo dentro de casa para construir o case, criar aprendizado e ver o que funcionava. Agora partimos para uma estratégia mista. Algumas operações continuarão com capital próprio e outras vamos nos associar com capital de terceiros para ampliar acesso”, afirmou.

Ele cita que não há nenhum tipo de exclusividade de captação ou destinação com parceiros e investidores como, por exemplo, o Bradesco. Apesar disso, o banco paulista com certeza vai ajudar a empresa a entender como estruturar essas operações.

Toque de Midas

Alexandre Borges ainda destaca a entrada da Kaszek no negócio. A empresa de venture capital foi fundada pelos criadores do Mercado Livre, Hernán Kazah e Nicolás Szekasy, e tem em seu histórico investimentos em empresas como Nubank, Creditas e Quinto Andar. Essa é a primeira aposta da Kaszek no agronegócio.

“A Kaszek é o toque de Midas do venture capital na América Latina e possui diversos unicórnios no portfólio ”, diz o CEO.

“A empresa é criada por empreendedores vindos da Argentina, um país agrícola, com maior parte do portfólio no Brasil, que é outra potência no agro. Mesmo assim, nunca tinha ido para o setor”, acrescentou.

Hoje a Kaszek possui pouco mais de US$ 3 bilhões em investimentos e atualmente está em processo de investimento em dois fundos, que somam US$ 1 bilhão.

A expectativa é aportar metade do capital em empresas brasileiras, 25% no México e o restante em outros países.

A ideia é que o fundo traga sua expertise em fintechs e marketplaces para ajudar na nova fase de crescimento da agtech.

“A Kaszek traz toda a revolução que as fintechs que eles investiram fizeram no mercado e o Bradesco traz uma experiência de décadas atuando com crédito rural”, afirmou Borges.

Além deles, a CME, que numa ponta atua com hedge e travamento de preços na Bolsa de Chicago, pode descer na cadeia com esses produtos financeiros da startup, acrescentou o CEO.

Fundada há quase dez anos pelos amigos Alexandre Borges, Frederico Marques e Pedro Paiva, a Grão Direto fez sua primeira captação de R$ 2,3 milhões com a Monsanto, que hoje faz parte da Bayer. A rodada ainda contou com o fundo Canary e os criadores do OpenVC.

A companhia levantou outros R$ 13 milhões em 2021, numa rodada que contou com a Barn e outros fundos.

A última rodada até o momento havia sido em 2022, quando captou R$ 40 milhões com gigantes como Amaggi, ADM, Cargill e Dreyfus. De lá pra cá, ainda trouxe a Basf para o quadro de sócios.

Borges explica que todos estes investidores possuem participações minoritárias, sem controle ou exclusividade.

Ele conta que, nessa rodada, nenhum investidor institucional deixou o barco, pelo contrário: alguns até reinvestiram no negócio. Para dar mais espaço aos novos entrantes, Borges cita que alguns investidores pessoa física, que fizeram alguns aportes em períodos pré-seed, venderam suas participações.

“Foi mais no sentido de acomodar para caber todo mundo. Eles foram gentis em entender que a empresa precisava de espaço e, ao mesmo tempo, demos retornos relevantes no investimento, o que vai criando uma boa história”.

Em novembro do ano passado, Borges adiantou ao AgFeed que conversava com “potenciais novos investidores interessantes que continuariam a agregar valor à Grão Direto”. Ele admitiu que, no horizonte de um ano, a empresa deveria fazer uma nova captação, que acabou não demorando a se confirmar.

A Grão Direto possui hoje cerca de 85 mil usuários ativos em seu aplicativo de comercialização de grãos. Borges estima que hoje a plataforma é a mais instalada do mundo.

No modelo de negócio, a empresa reúne produtores, revendas, cooperativas, armazéns, indústrias e tradings. A startup não cobra nada por venda para os produtores, somente das indústrias e empresas compradoras.

No caso dos produtores, a empresa cobra apenas por serviços adicionais, como contratos digitais.

"Mesmo para as empresas, cobramos taxas sem custo transacional alto. A ideia de não cobrar do produtor é porque ele faz parte da ponta mais frágil da cadeia".

Hoje, a Grão Direto possui mais de 14 mil pontos de entrega precificados na plataforma, cobrindo 100% das regiões produtoras de maior relevância no Brasil.

Diariamente, a startup calcula mais de 40 milhões de preços e, no ano passado, transacionou 8 milhões de toneladas de grãos na sua plataforma.

Atualmente, o app da Grão Direto permite a transação de grãos de soja, milho, sorgo e recentemente também entrou no mercado de farelo de soja.

De acordo com Borges, as companhias que compram a soja acabam virando vendedoras dentro da plataforma, pois, em alguns casos, elas são as mesmas que processam a oleaginosa.

Sem um prazo ou meta definida, o CEO acredita que, pela sinergia dos atuais clientes, os próximos passos devem envolver algodão e café. De um lado, muitos sojicultores clientes cultivam a fibra na segunda safra.

Do outro, algumas tradings compradoras também operam com café. A empresa já tem atuado com essas culturas no seu serviço de barter, mas ainda não nas negociações.

“Não digo que a rodada vai acelerar essa entrada em outras culturas por si só. Apesar de não ser a prioridade do investimento, tudo na Grão Direto vai acelerar. Já estávamos com o pé no acelerador e afundamos mais. Os novos produtos financeiros e tecnológicos vão acelerar o negócio como um todo”, concluiu o CEO, Alexandre Borges.