Se o “boom" dos Fiagros já vinha captando cada vez mais interesse no setor privado – atraindo quem busca crédito agrícola, de um lado, e quem procura opções de investimento, de outro – agora é a vez dos governos apostarem na nova ferramenta. E o estado de São Paulo vai “puxar a fila".

O secretário estadual de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Guilherme Piai, revelou ao AgFeed, com exclusividade, que o projeto de criação de um Fiagro – Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustrias – para unir recursos públicos e dos investidores privados já foi aprovado nas duas instâncias essenciais.

Uma delas é o conselho do FEAP – Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista – uma espécie de órgão financiador do governo paulista que nos últimos anos destina crédito subsidiado para produtores rurais. O novo Fiagro, que está prestes a ser lançado, também já foi aprovado pelo conselho da Desenvolve SP, agência de fomento estadual que funciona como agente financeiro do FEAP.

"O lançamento está previsto para janeiro, quando esperamos já ter o nosso Fiagro listado na bolsa”, disse o secretário.

Segundo Piai, o fundo contará com "no mínimo" R$ 100 milhões. O AgFeed apurou que esta pode ser apenas a fatia que o FEAP vai aportar no Fiagro. Como haverá um aporte da própria Desenvolve SP e há a necessidade da chamada cota subordinada, o potencial do novo fundo ficaria próximo de R$ 190 milhões.

Em maio deste ano, o AgFeed mostrou que um acordo foi formalizado entre o governo paulista e a Suno Asset Management. O objetivo era criar um Fiagro para o estado, com foco no financiamento aos pequenos produtores rurais, com juros mais vantajosos.

Desde então as conversas foram avançando, mudou o secretário (Guilherme Piai assumiu em outubro) e o assunto ganhou mais importância na pauta. O secretário não confirma se o Fiagro paulista realmente será lançado em parceria com a Suno, mas as fontes do governo dizem que, com a gestora, as negociações foram as mais avançadas.

O AgFeed procurou a Suno Asset que preferiu não se manifestar.

A expectativa é de que seja um Fiagro-FDIC, ou seja, baseado em direitos creditórios. A Desenvolve SP abriu uma carta-consulta para escolher formalmente o parceiro.

O AgFeed também conversou com Ricardo Brito, presidente da Desenvolve SP. Ele evitou dar detalhes sobre valores, mas explicou que o FEAP deverá adquirir cotas sênior do Fiagro.

A Desenvolve ficaria na cota mezanino e os investidores privados estariam nas cotas subordinadas. Na prática, isso significa que se a inadimplência chegar até 20%, todo o prejuízo seria coberto pelo setor privado, sem nenhuma perda para o agente público

Brito lembrou que a Desenvolve SP tem como atividade fim, de acordo com legislação específica, investir em FDICS, por isso está pronta para apoiar o projeto que é de grande interesse para o governo.

Por meio das cotas subordinadas ou vinculadas, a expectativa também é trazer para o Fiagro “paulista” grandes cooperativas agropecuárias com presença no estado, além de agroindústrias.

O novo fundo só aceitará investidores qualificados (que possuem mais de R$ 1 milhão em investimentos) e, a princípio, terá seu foco nas operações com Cédulas de Produto Rural (CPR).

"Ainda não posso arriscar quanto será a taxa de juros ao produtor, mas certamente será mais baixa que a Selic", afirmou Piai. As linhas tradicionais do FEAP são de 3% ao ano, como ocorreu em empréstimos concedidos a famílias atingidas pelas chuvas em 2023.

O secretário garante que a criação do Fiagro não afetará as operações regulares do FEAP para 2024 – o fundo chega a financiar pequenos produtores com juros de 3% ao ano. “Teremos mais de R$ 200 milhões no FEAP do ano que vem, será o maior volume da história", destacou.

"Refundando o Plano Safra"

Os entusiastas dos “fiagros estaduais” acreditam que esta é uma espécie de reinvenção do Plano Safra – tradicional pacote anual do governo federal, de crédito rural, que antigamente também costumava ter versões nos estados. Mas com os recursos cada vez mais escassos nos cofres públicos, o modelo baseado simplesmente no juro subsidiado pelo caixa do governo está cada vez mais difícil de ser implementado.

A principal vantagem aos governos nesse novo mecanismo é o fato de, por meio desta presença no mercado de capitais, o poder público ser ressarcido, pelo menos em parte, do dinheiro que aporta para cobrir a diferença entre os juros de mercado e a taxa subsidiada que é oferecida ao produtor rural.

No sistema do Plano Safra do governo federal, por exemplo, esta é uma eterna briga entre os Ministérios da Agricultura e da Fazenda, afinal, é necessário que saia dinheiro do Tesouro Nacional para fazer a chamada equalização dos juros, um recurso dado praticamente a fundo perdido.

Ao criar o Fiagro, uma parte dessa diferença volta, ajuda a manter uma maior previsibilidade às políticas públicas. E, ao atrair os investidores privados, é ampliado o volume de crédito que será oferecido aos produtores rurais.

O AgFeed apurou que o objetivo, ao criar o Fiagro de São Paulo, é conseguir captar cerca de R$ 1 bilhão para financiar o agronegócio. O crédito será destinado a pequenos e médios produtores rurais, com receita menor que R$ 3 milhões por ano.

Será permitido utilizar o financiamento para a compra de máquinas e equipamentos e para a instalação de lavouras, além de outros investimentos como energia solar e conectividade. Ao todo as 10 principais atividades agropecuárias do estado devem ser contempladas.

O fundo deve ter prazo de 10 anos. Já o prazo para que o produtor pague o empréstimo ainda não estaria definido, mas há chances de que fique em 5 anos.

Uma das teses deste Fiagro-FDIC "paulista” se baseia na estratégia conhecida como blended finance, que, segundo fontes do setor, já é regulamentada pelo BNDES e prevê diferentes cotistas e agendas de financiamento, com objetivo de mobilizar recursos adicionais para projetos de países em desenvolvimento. Podem reunir diferentes instrumentos financeiros para dar apoio a projetos de assistência técnica, por exemplo.

No início de 2024 também é possível que o Paraná venha a entrar na onda dos Fiagros para ampliar o financiamento ao agro. Outros estados das regiões Sul, Sudeste e Norte também estariam avaliando essa possibilidade.