A JBS anunciou nesta quarta-feira, 12, um passo inédito dentro do agronegócio brasileiro. A companhia resolveu listar suas ações no mercado americano, e vender BDRs, ou recibos de ações, no Brasil, onde fica a sede e seu principal mercado.

Para analistas, o movimento de listagem dupla tem dois objetivos principais. A companhia busca facilitar o acesso a dinheiro mais barato. A partir do momento em que cumpre todas as regulações do mercado de capitais dos Estados Unidos, a JBS passa a ser tratada, de forma geral, como uma empresa daquele país.

O segundo objetivo envolve o que é classificado como “destravamento” do valor de mercado da JBS. Isso porque, em termos relativos, este valor está muito depreciado quando se compara com os principais concorrentes globais da empresa, inclusive com as brasileiras Marfrig e BRF.

“Isso tem um potencial enorme para a companhia fazer aquisições transformacionais. E obviamente, tem um destravamento de valor”, disse o CEO da JBS, Gilberto Tomazoni, em entrevista ao NeoFeed.

Levantamento feito por Eduardo Rahal, analista chefe da Levante Corp., mostra que o múltiplo da JBS, medido pela relação entre o valor de mercado e o Ebitda acumulado em 12 meses, está pouco acima de 5,20 vezes.

Marfrig e BRF aparecem com 7 vezes e 10,5 vezes, respectivamente. Até mesmo a Pilgrim’s Pride, empresa americana controlada pela própria JBS, fica acima da controladora, com 5,96 vezes. A Tyson Foods tem múltiplo de 6,22 vezes.

Para os analistas Leonardo Alencar e Pedro Fonseca, da XP Investimentos, será difícil a JBS tirar essa diferença no curto prazo. “Mas acreditamos que a dupla listagem trará uma visão melhor dos investidores estrangeiros em relação à governança, uma vez que a companhia responderá tanto à CVM quanto à SEC, o que deve também ajudar a ampliar sua base acionária”, diz a XP.

Esta melhora na imagem junto aos investidores pode contribuir para melhores condições de crédito e de captação de recursos no exterior.

“Pode atrair mais capital por meio, por exemplo, de uma oferta de ações um pouco mais adiante, sem que dilua tanto os acionistas. A listagem traz uma melhora substancial em termos de estrutura de capital, com crescimento elevado e endividamento sob controle”, diz Rahal, da Levante.

Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research, diz que abrir o capital nos Estados Unidos era uma vontade antiga da JBS, e faz sentido para a empresa. No entanto, ele não acredita que haja fundamentos para uma melhora imediata no valor da empresa.

“No final das contas, essas empresas com múltiplos melhores vão entregar mais crescimento do que a JBS, pois estão menos alavancadas. E querendo ou não, o histórico de governança não é nada bom, e os controladores são os mesmos. Os reguladores são mais rígidos por lá”, diz Vaz.

Mesmo com estas questões, e com a necessidade de aprovação pela CVM e pela SEC, além dos acionistas, os investidores receberam bem a notícia. A ação ordinária da JBS fechou em alta de 9% nesta quarta-feira. Disparado, o melhor desempenho do Ibovespa no dia.

Para o analista independente Ricardo Schweitzer, o passo seguinte da JBS, após estar consolidada entre os investidores nas bolsas em Nova York, será a busca por expansão, mas não no Brasil.

“Hoje mais da metade do faturamento da empresa vem do exterior. Acredito que novos movimentos de expansão devam ocorrer em outros países”, diz Schweitzer.

Entenda a operação

A ação ordinária da JBS, negociada na B3, será trocada por uma ação preferencial resgatável, na proporção de duas por uma.

Estas novas ações serão convertidas em recibos de ações, ou BDRs, que vão representar papéis Classa A negociados em Nova York. Estas ações têm poder de voto 10 vezes menor que as da Classe B, que serão distribuídas aos controladores, mas não circulam no mercado.

Mas os minoritários poderão converter até 55% de suas ações Classa A em Classe B, até o final de 2026. Os direitos econômicos são os mesmos para as duas classes, e a opção pela B se justificaria pelo maior poder de decisão na companhia.

Portanto, a JBS passaria a ser uma empresa listada em Nova York, com BDRs negociados na B3.

Fabiano Vaz, da Nord Research, esclarece que este tipo de movimento ainda não é comum no Brasil. Somente o Banco Inter fez algo semelhante.

“Geralmente, as grandes empresas brasileiras têm recibos de ações negociados em Nova York (ADRs). Ou abrem capital diretamente lá, como é o caso do Nubank, da XP”, explica. Entre as empreas do agronegócio, a Cosan figura no time das ADRs. Já a Lavoro optou pela listagem direta da Nasdaq, bolsa eletrônica dos EUA.

Os analistas da XP lembram que a operação ainda precisa ser aprovada pelos acionistas, e que pode haver uma resistência por parte do BNDES, que detém pouco mais de 20% do capital da companhia.

Os pedidos de registro nos reguladores aqui e nos Estados Unidos devem ser apresentados ainda nesta quarta-feira, e a expectativa da JBS é de que sejam aprovados em até 30 dias.

Depois, será convocada uma Assembleia Geral Extraordinária, também com prazo de 30 dias para ser realizada. “O BNDES poderia votar contra a proposta, ou até sair do capital da JBS, o que consideramos improvável”, dizem os analistas da XP.