Quando o estadunidense Eric Cardoni desembarcou no Brasil em 2009 para trabalhar como diretor da área de grãos e oleaginosas da Louis Dreyfus Company (LDC), o País produzia cerca de 50 milhões de toneladas de milho. Chegamos aos 130 milhões na temporada recorde 2022/2023 e, ao passar dos anos, o executivo um gap no mercado brasileiro.

Diferente dos Estados Unidos, onde existem balcões formais de negociação de grãos espalhadas pelo continente, no País o mercado agrícola ainda carecia de ferramentas locais de hedge, que fossem adaptadas à moeda nacional e conectadas às regiões produtoras.

Cardoni percebeu que os produtores e compradores brasileiros estavam à mercê de oscilações cambiais e dos prêmios portuários, dependentes de referências internacionais, como a Bolsa de commodities de Chicago, e sem instrumentos que oferecessem previsibilidade no mercado interno.

Depois de atuar na LDC até 2020, ele deu início a um projeto que foi ao ar nesta semana: o Balcão Agrícola do Brasil (BAB). Cerca de 15 anos depois de seus primeiros passos por aqui - e com um aporte de US$ 1 milhão da Rumo e outros US$ 700 mil de outros investidores - o gap de mercado percebido pelo norte-americano começa a ser preenchido.

O Balcão Agrícola do Brasil nada mais é do que um sistema que reúne compradores e vendedores de grãos que fixam o preço futuro do grão em reais por saca, protegendo das oscilações do dólar ou do preço dos portos.

Em uma tacada só, além da fixação dos preços para comprador e vendedor, a negociação sendo em real protege ambos de oscilações cambiais e de prêmios, resume o CEO.

A empresa é um balcão de negociação, como o próprio nome diz. “Informamos os participantes de suas exposições, mas não funcionamos como uma contraparte. Não somos uma bolsa, então o risco é bilateral entre quem compra e vende”, explica.

Ao AgFeed, Cardoni afirmou que já existem 50 empresas, entre tradings, corretoras e produtores em processo de aprovação na plataforma para que possam operar de forma oficial. “Acho que em fevereiro já teremos negócios rodando”, diz o CEO e fundador.

Cardoni projeta movimentar 400 mil toneladas ao mês em contratos em 2025, 1 milhão de toneladas ao mês em 2026, e 2 milhões de toneladas em 2027.

Por enquanto, estão disponíveis negociações de soja e milho. Ao longo do ano o balcão também permitirá negociar farelo e óleo de soja.

“O Brasil precisava de um instrumento que refletisse a realidade do campo, e chegamos num momento de maturidade no agro para isso. O Balcão é o instrumento de hedge com entrega física”, resume Eric Cardoni.

Ele explica que hoje, no País, quem negocia soja, seja, produtores, tradings ou cooperativas, está sujeito à variação do dólar e do prêmio pago nos portos.

Na prática, por mais que um produtor trave seu preço baseado na cotação em Chicago, o lucro ou custo final pode sofrer variações com fretes, problemas climáticos e outras variáveis.

De acordo com Cardoni, o diferencial do Balcão está na simplicidade do modelo de derivativos oferecido.

Hoje, o BAB possui dois locais de entrega física, um em Rondonópolis (MT) e outro em Rio Verde (GO). Ambos estão localizados nos terminais da Rumo, parceiro do negócio. A próxima praça que contará com entrega física deverá ser no norte do Paraná.

Com isso, um produtor que queira vender soja e o seu comprador travam um contrato com preços definidos e escolhe um desses locais de entrega. No futuro, a soja pode ser entregue fisicamente ou o contrato é repassado para outra pessoa.

No caso de um cancelamento de contrato, a parte paga ou recebe a diferença de preço do mercado no momento.

Para cada tonelada negociada, o vendedor e o comprador pagam juntos uma taxa de R$ 1, sendo R$ 0,50 de cada parte. É assim que a empresa gera receita.

Esse sistema de balcões de negociação com entrega física é comum no interior dos Estados Unidos. Por aqui, estão restritos aos portos. Cardoni explica que uma das ideias do negócio é organizar as praças do agro, que muitas vezes trazem cotações, mas não negociações.

“Uma coisa é saber a que preço a soja foi negociada em Rio Verde. Outro é conseguir comprar e vender. Tendo o Balcão, um produtor consegue vender soja para entrega em maio de 2026, por exemplo”, diz.

“No Brasil, concentramos toda negociação de contratos para hedge em offshores em áreas portuárias. Claro, existe negociação no interior nas praças do agro, mas não existe negociação e entrega do produto físico”, acrescenta.

A aprovação pela CVM para atuar como balcão foi obtida em outubro, mas somente na semana passada o software foi ao ar.

“Ligamos o site para rodar testes e enviar relatórios diários para a CVM. Agora vamos para o mercado, com muita confiança baseada nas conversas que tive nos últimos anos com muitos players do mercado”, afirma.

Além de Cardoni, a companhia conta com Rogério Guimarães, que acumula passagens em empresas e startups como Cabify, como diretor executivo, Felipe Camargo, com passagens pelo banco UBS e pela gestora Asa Investments, e com 14 anos de experiência no mercado financeiro, além de Fernando Sampaio, ex-LDC e ex-Biosev como diretor de produtos.