Uma transação que fez a empresa dobrar de valor em menos de 18 meses agora origina um conflito aberto entre acionistas minoritários e majoritários. Esta é a situação da Terra Santa Propriedades Agrícolas.

Derivada da Terra Santa Agro, a empresa atua somente com negócios imobiliários e hoje está entre as maiores proprietárias de terras agrícolas do País. As operações de produção da companhia foram separadas e vendidas em 2021 para a SLC Agrícola, em negócio avaliado em cerca de R$ 550 milhões.

As sete propriedades rurais, todas localizadas no Mato Grosso, passaram a compor a nova empresa, Terra Santa PA, inclusive com a mudança do código de negociação da ação na B3, para LAND3. A nova identidade passou a valer desde o dia 6 de agosto de 2021, dias depois da conclusão da transação.

Na época, as terras foram avaliadas em cerca de R$ 2,5 bilhões. Segundo laudo realizado pela consultoria Delloite e publicado em fato relevante pela Terra Santa, em dezembro passado valiam R$ 3,35 bilhões.

A transação com a SLC foi também o gatilho para a polêmica entre os acionistas começar. Desde o fechamento da operação, a Esh Capital, que possui participação de 4,5% no capital da Terra Santa PA, tem contestado as bases da negociação.

O mais recente movimento foi a convocação, pela gestora de investimentos, de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE). O encontro, que promete ser quente, foi marcado pela Terra Santa para o dia 26 de julho, conforme edital publicado no início desta semana.

Uma das pautas da AGE é a votação da suspensão dos direitos políticos dentro da companhia dos acionistas que têm participações relevantes no capital da Terra Santa. A Esh pede a retirada do direito de voto da Bonsucex Holding, do empresário Silvio Tino, que tem 45% de participação na empresa.

A AGE vai votar também a perda de direitos de fundos da Laplace Investimentos, com participação de 23%, da Gávea Investimentos. A Laplace tem fatia de 13% da Terra Santa, somando as ações detidas via derivativos, do próprio Silvio Tini e de fundos da gestora EWZ, que segundo a Esh, estaria no capital também a serviço de Tini.

Todos os acionistas e a Terra Santa PA foram procurados pela reportagem do AgFeed. A Gávea Investimentos afirma que “as afirmações são totalmente improcedentes”. “A Gávea sempre cumpriu, de forma rigorosa e tempestiva, todas as obrigações legais e regulatórias decorrentes dos investimentos realizados pelos fundos por ela geridos”, completa a gestora.

Os outros acionistas e a Terra Santa não responderam o pedido de posicionamento.

A Esh Capital alega, por exemplo, que as terras estão subavaliadas. “Temos um laudo próprio, que coloca o valor das propriedades em R$ 4 bilhões”, diz um representante da gestora.

Uma fonte ligada à companhia, que prefere não se identificar, defende que laudos de avaliação podem ter um caráter subjetivo. “É sempre algo perigoso. Quem faz laudo não está comprando ou vendendo o ativo”.

Esta fonte conta que houve um longo processo de negociação com a SLC. “Poderia ter sido melhor? A transação foi negociada ao máximo. Foram oito meses de conversas”.

O próprio valor pego aos acionistas da Terra Santa pela SLC é contestado pela Esh. Em 2021, da avaliação de R$ 550 milhões pelas operações agrícolas da Terra Santa Agro, foram pagos R$ 65 milhões aos acionistas. O restante foi contabilizado como dívidas assumidas pela SLC.

“O retorno para os acionistas foi abaixo de qualquer título de renda fixa com baixo risco. Por que fizeram uma operação assim? Na verdade, os acionistas majoritários queriam tirar a faca de seus pescoços, pois eram avalistas juntos aos bancos”, diz o representante da Esh.

A fonte ligada à Terra Santa nega que esta tenha sido a motivação para fechar o negócio com a SLC. “Nós reestruturamos a dívida, conseguimos alongar junto ao Bradesco e ao Itaú”. Os bancos também fizeram a assessoria financeira para a Terra Santa na negociação com a SLC.

A Esh tem contestado também o valor de arrendamento das propriedades da Terra Santa para a SLC. “Em uma fazenda no Mato Grosso, o valor corresponde a 600 sacas de soja pela área, enquanto em outras fazendas da região, este valor fica entre 1.000 e 1.200 sacas”, alega a gestora.

O prazo do contrato também é fruto de discussão. “Originalmente, o contrato era de 20 anos. E foi prorrogado para 25 anos sem qualquer comunicado ao mercado”, sustenta a Esh.

Sobre estes pontos, a fonte ligada à Terra Santa afirma que a avaliação dos valores de arrendamento segue uma lógica de mercado, que leva em conta diversos fatores.

“Algumas fazendas de uma região valem mais, outras menos, e se tem uma média. Quanto ao prazo, há uma cláusula para revisão dos valores a cada três anos. Isso garante o adequado retorno para a Terra Santa”.

A empresa não se manifestou para a reportagem, mas na Proposta da Administração que segue a convocação, a empresa se defende dos pontos levantados pela Esh para justificar a AGE.

Segundo a Terra Santa, as manifestações do acionista minoritário “contêm alegações inverídicas, distorcidas, falaciosas, repetitivas e especulativas, e têm por finalidade atender unicamente aos interesses particulares (...), sem qualquer relação com o melhor interesse da Companhia”.

Sobre a ligação entre Silvio Tini e a EWZ, a Terra Santa afirma que a Esh não apresenta evidências de que existe a ligação e que já prestou os esclarecimentos previstos em lei sobre o assunto.

A Esh pede também esclarecimentos sobre a participação efetiva da Gávea no capital da Terra Santa. No site de Relações com Investidores, no campo de composição acionária, além da participação direta de 8,38%, consta uma consideração que fala da posição em derivativos de aproximadamente 4,94%.

A queda recente das ações também é fruto de questionamento pela Esh, mas a companhia afirma que não tem como se manifestar sobre as condições de mercado nas negociações realizadas na B3.

Estes pontos fazem parte da primeira ordem da pauta da assembleia. A Terra Santa recomenda a sua rejeição.

A segunda pauta é exatamente a deliberação sobre a perda dos direitos políticos dos acionistas majoritários. Uma das alegações feitas pela Esh é que haveria um acordo de acionistas que caracterizaria um bloco de controle.

Sobre isso, a fonte ligada à Terra Santa nega que haja um bloco de controle. “O que houve é que, especificamente no acordo com a SLC, estes acionistas se posicionaram a favor da transação. Mas não há um acordo de acionistas”.

Na proposta da AGE, a Terra Santa afirma que este questionamento da Esh já foi respondido “em diversas ocasiões”. “São apenas alegações genéricas e não fundamentadas do Acionista Solicitante, que tenta impor sua vontade em detrimento do melhor interesse da Companhia e de seus demais stakeholders”, diz a companhia.

A empresa inclusive lembra que a própria Esh foi alvo de um pedido semelhante junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que foi rejeitado pela Superintendência de Relações com Empresas.

Por isso, a administração da Terra Santa afirma que o pedido de suspensão dos direitos dos acionistas é ilegal. Mas caso seja colocada em votação, a questão deve ser rejeitada, recomenda a Terra Santa.

A Esh alega que a companhia não apresentou, na íntegra, a documentação que baseia a pauta da assembleia. “Aliás, a empresa não apresenta os documentos que pedimos. Inclusive os laudos que justificam as operações”.

Os dois lados usam o valor da ação para justificar suas posições. Para a Esh, o papel vale hoje um terço do que poderia valer.

A fonte próxima à companhia afirma que o desempenho da ação é um indicativo do sucesso da operação com a SLC.
De agosto de 2021, quando a ação da Terra Santa PA estreou na B3, até janeiro deste ano, o papel mais que dobrou de preço, passando de pouco mais de R$ 14,50 para mais de R$ 30.

Na terça-feira, 27 de junho, a ação da Terra Santa PA fechou a R$ 23,47, acumulando alta superior a 60% desde a estreia. Mas com queda de quase 24% desde que atingiu seu pico, em janeiro.