A Terra Santa Propriedades Agrícolas foi definida por um de seus acionistas como uma empresa “simples, uma fazenda arrendada”. A companhia tem, no entanto, um cenário mais complexo quando se trata das relações entre os titulares de suas ações.

Exemplo disso foi o embate, nesta terça-feira, 15 de agosto, durante a Assembleia Geral Extraordinária (AGE) de acionistas que deliberou, entre várias pautas, sobre a perda de direitos de voto dos acionistas de referência da Terra Santa PA e a eleição de um novo conselho de administração, após a renúncia da conselheira Lucila Prazeres, em junho, em meio a um conflito aberto entre minoritários e majoritários.

A AGE foi convocada a pedido da gestora Esh Capital, que buscava a suspensão dos direitos da Bonsucex Holding, do empresário Silvio Tini, que detém 45% das ações da empresa..

No final de junho, o AgFeed revelou que a Esh questionava principalmente os valores de avaliação das terras da empresa em uma operação de venda, em 2021, para a SLC Agrícola, em negócio avaliado em cerca de R$ 550 milhões.

O resultado da reunião desta terça foi desfavorável aos pleitos da Esh, a começar pela tentativa de obter um assento no conselho.

Os conselheiros Silvio Tini, Julio Cesar Piza, Carlos Athayde e Ricardo Baldin foram confirmados. Piza e Baldin foram aprovados, inclusive, como conselheiros independentes.

Ana Malvestio, que esteve por mais de 30 anos na empresa de auditoria PwC e é conselheira fiscal de empresas como a C&A, foi escolhida também como conselheira independente.

O outro conselheiro aprovado foi Marcel Cecchi, que é CFO da gestora Latache Capital. Renato Carvalho, da Laplace Investimentos, ficou de fora do colegiado por ter menos votos na AGE.

A discórdia envolveu o nome de Vladimir Timmerman, fundador da Esh Capital, gestora que tem participação na Terra Santa e tem questionado a administração da empresa. Ele foi listado como candidato ao conselho, mas teve seu nome impugnado pelo presidente da AGE, André de Almeida.

A Esh, então, indicou outro nome, o de Fernanda Helena. Ela também teve sua candidatura impugnada.

A gestora alega que Helena teria votos suficientes para entrar no conselho, com o compromisso de voto de outros minoritários, inclusive de um fundo exclusivo gerido pelo BTG Pacutal.

Segundo a Esh Capital, os acionistas de referência da Terra Santa PA têm adotado práticas que configuram abuso de poder.

A gestora cita uma notificação extrajudicial, recebida em julho por ela e por outros acionistas, pedindo esclarecimentos sobre a ligação com a ex-conselheira Lucila Prazeres.

No documento, a Terra Santa afirma que a conselheira ficou pouco mais de dois meses no cargo, e que “diante do contexto da eleição e subsequente renúncia” de Prazeres, pede que os acionistas que votaram nela informem se houve algum contato ou se recebeu dela informações que “possam ser consideradas confidenciais ou sensíveis”.

Para impedir as candidaturas de Timmerman e Helena, o presidente da AGE se valeu do artigo 147 da Lei das S.A.. Nele está previsto o impedimento de um candidato em caso de “interesse conflitante” com a empresa.

Segundo relatos de um participante da AGE, Almeida argumentou que a Esh Capital move ações judiciais e arbitragens contra a Terra Santa. Por isso, um membro da gestora não poderia fazer parte do conselho de administração da companhia.

A Esh afirma que, ao perceber que Helena poderia ser eleita, a administração da Terra Santa partiu para “uma ilegalidade”. A gestora afirma que, caso eleita, Helena se desligaria, “para que pudesse fazer o trabalho de maneira independente”.

Procurado, Almeida requisitou que a Terra Santa fosse procurada. A empresa foi acionada pelo AgFeed, via departamento de Relações com Investidores, mas não respondeu até o fechamento da reportagem.

Outro acionista da Terra Santa afirma que a AGE ocorreu “dentro da normalidade”. Para ele, não há motivos para tanto barulho entre os acionistas.

“É uma empresa que tem uma estrutura muito simples, uma equipe de 12 a 15 funcionários. Ela só tem que cuidar do dinheiro que entra e da renovação de arrendamento de terras a cada três anos”, diz este acionista, que prefere não se identificar.

Ele afirma que a Esh tem contestado a administração em várias esferas, sem sucesso. “E acho que estão no direito deles. Eu acredito muito na Justiça, na democracia”, diz este acionista.

Para ele, até o momento da empresa deveria inspirar uma maior tranquilidade entre todos que possuem ações da Terra Santa PA.

No balanço do segundo trimestre, a companhia apurou lucro líquido de quase R$ 5,5 milhões, crescimento superior a 80% em relação ao mesmo período de 2022. No primeiro semestre, foram mais de R$ 13,5 milhões lucrados, mais que o quádruplo do ano passado.

A melhora no lucro foi impulsionada principalmente pelo maior controle de despesas operacionais, que caíram 30% em um ano.

A formação do conselho de administração se tornou o tema central da AGE, que, no primeiro momento, estava marcada para o final de julho. Mas ela havia sido requisitada pela Esh para votar a retirada do direito de voto dos principais acionistas da companhia.

Nesta matéria, os titulares de cerca de 85% das ações que participaram da assembleia votaram contra a perda do direito de voto, com a participação dos próprios acionistas apontados pela Esh.

A gestora havia pedido também a votação da abertura de uma ação de responsabilidade contra administradores e acionistas de referência. Neste caso, a rejeição foi de 90% das ações.

O curioso é o número de abstenções registrado na primeira pauta, que tratava de “prestação de esclarecimentos pela administração sobre questões relevantes”. Representantes de 44 milhões de ações, das 81 milhões totais que estavam na AGE, votaram contra, enquanto pouco mais de 30 milhões se abstiveram.

Ao que tudo indica, a Esh Capital não vai contestar na CVM ou judicialmente a impugnação das candidaturas que apresentou.

A ação da Terra Santa PA opera praticamente estável nesta quarta-feira. No ano, a companhia acumula perda de 15% do seu valor de mercado.