Em outubro de 2022 o advogado Renato Buranello, especialista em agronegócio e mercado de capitais recebeu uma ligação do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento, e diz ter ficado surpreso: o objetivo era traçar um plano para aproximar o órgão regulador dos produtores rurais.
A conversa deu origem a iniciativas que começam a ganhar força a partir de agora. O sinal disso é que um evento presencial que era planejado para maio, foi realizado já em abril deste ano, aproveitando a realização de uma feira agropecuária em Sinop, Mato Grosso. O estado lidera a produção nacional de soja, milho e algodão, além de ter o maior rebanho bovino do país.
O segundo encontro da série acontece nesta terça-feira, 2 de maio, dentro da Agrishow, em Ribeirão Preto. “Não adiantava mais fazer evento para aproximar o agro do mercado de capitais reunindo as mesmas pessoas em São Paulo, ou no Rio de Janeiro. Era hora de ir ao encontro das regiões produtoras, desmistificar este universo lá no interior”, disse Buranello ao AgFeed.
Ele é sócio da VBSO advogados, diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), além de integrar diferentes entidades representativas do agro.
A CVM já acompanha operações com os chamados Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros), mas agora quer “sair do balcão e trazer mais produtores rurais para o jogo”, afirmou Buranello.
O presidente da CVM compareceu ao evento de Sinop e deve percorrer outras regiões agrícolas do país nos próximos meses. Perguntado sobre quais metas possui, João Pedro Nascimento respondeu ao AgFeed que “o agronegócio ocupa algo em torno de 4 a 5% do mercado de capitais brasileiro e, de fato, há espaço para crescimento”.
A autarquia sinalizou que pretende, de um lado, abrir novas oportunidades de financiamento para todos os elos da cadeia do agronegócio e, de outro, “há de se esperar maior participação de pessoas físicas e maior volume de operações”.
No início de março a CVM assinou dois convênios: um deles com o Instituto Pensar Agropecuária (IPA), grupo que dá suporte à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e outro com o IBDA, ambos com o objetivo de desenvolver o acesso do setor ao mercado de capitais.
“É na linha do que se conhece como educação financeira, vamos explicar como funciona este mercado e mostrar que não é tão difícil assim ter acesso a estas fontes alternativas de financiamento no campo”, explicou Buranello.
Ao IBDA, caberá a organização de pelo menos 6 eventos regionais, que serão realizados em Mato Grosso, Goiás, Paraná e oeste da Bahia, além de cursos e treinamentos.
A expectativa é de que o presidente da CVM, João Pedro Nascimento, compareça à boa parte dos eventos, assim como dirigentes da B3, que também está envolvida no projeto, à medida que busca maior presença de produtores rurais nas ferramentas financeiras que oferece.
“Chegou a hora”
A escassez de recursos públicos para o crédito rural tradicional nas últimas décadas acelerou a busca por novas fontes de financiamento ao setor. A base de tudo foi a Cédula de Produto Rural (CPR), criada na década de 90. Mas somente em 2004, na gestão do ex-ministro Roberto Rodrigues, surgiu o que foi batizado de “novos títulos do agronegócio”.
Quem acompanhou diretamente este mercado de títulos que envolvia também outras siglas hoje conhecidas, como a LCA (Letra de Crédito do Agronegócio), sempre lamentou o ritmo lento em que avançavam as negociações e o uso das ferramentas.
“Mas chegou a hora! Agora está claro que o mercado de capitais pode financiar o agronegócio”, afirma Buranello. O entusiasmo do advogado pode ser ilustrado em números recentes divulgados pelo Ministério da Agricultura: o estoque de CPRs, por exemplo, saltou de R$ 27,7 bilhões, em fevereiro de 2021, para R$ 232,6 bilhões em fevereiro de 2023, um aumento de 741%.
O estoque de LCAs, neste mesmo período de 2 anos, subiu de menos de R$ 110 bilhões para cerca de R$ 363 bilhões, alta de 231%.
No mecanismo mais recente deste universo, os Fiagros, o crescimento também é expressivo. O número de fundos subiu de 14 para 50 e o patrimônio total saiu de R$2,9 bilhões para R$ 11,9 bilhões entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, em um avanço de 310%.