Cali, principal cidade do Pacífico colombiano, recebe a partir da próxima segunda-feira, dia 21 de outubro, a 16ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, mais conhecida como COP da Biodiversidade.

Realizada de dois em dois anos, o evento, que vai até o dia 1º de novembro, acontece semanas antes da COP29, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada entre os dias 11 e 22 de novembro, no Azerbaijão.

A COP vai reunir representastes da 196 países para discutir soluções e planos de conservação da biodiversidade, temática que ganha menos holofotes que as discussões climáticas da COP mais famosa, mas que é tão relevante quanto o assunto mais famoso.

Na última COP, em 2022, sediada em Montreal, no Canadá, os países definiram um conjunto de 23 metas, conhecido como Marco Global da Biodiversidade, que visam estabelecer formas de controle da perda de biodiversidade e impulsionar a sua restauração.

A principal dessas propostas, conhecida como ‘30-30’, envolve a proteção de 30% das áreas naturais do planeta, e a restauração de outros 30% dos ecossistemas terrestres, de águas continentais, costeiras e marinhas degradados, até 2030.

Nessa nova edição da COP da Biodiversidade, será o momento de discutir a implementação de todas as metas.

Esse debate interessa ao agronegócio por tratar de assuntos que estão na pauta inclusive do Ministério da Agricultura e Pecuária, que tem um ambicioso plano de recuperação de pastagens degradadas a ser executado.

Eventos do tipo sempre arregimentam empresas e setores que tem interesses ou são impactados pelas decisões dos representantes dos governos. Não a toa, uma delegação de 43 companhias, lideradas pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), vai ao evento. Multinacionais do agro como Bayer, Philips Morris e Unilever estão na lista.

Práticas amigáveis e sequenciamento genético

Rodrigo Lima, diretor geral da consultoria Agroicone, atenta para discussões envolvendo a meta 10 – que diz que “as superfícies dedicadas à agricultura, à aquicultura, à pesca e à silvicultura sejam manejadas de maneira sustentável, em particular através da utilização sustentável da diversidade biológica, entre outras cosas, mediante um aumento substancial da execução de práticas amigáveis com a diversidade biológica, tais como a intensificação sustentável, métodos agroecológicos e outros métodos inovadores.”

Lima questiona, no entanto, o que vai ser definido como “práticas amigáveis” na prática.

“Entendemos que tecnologias que permitam inovar cada vez mais, reduzindo impactos, reduzindo o uso de água, reduzindo a necessidade de novas terras que teriam que ser convertidas, tudo isso é benéfico dentro de uma equação de uso sustentável da biodiversidade”, afirma Lima.

“A União Europeia, por exemplo, defende que se não for agroecologia, a biodiversidade não é manejada de forma amigável. Cada país pode defender o que ele quiser. Agora, temos que concordar que existem elementos básicos para eu definir se aquilo melhora ou piora biodiversidade”, emenda ele.

Já o debate sobre o sequenciamento genético deve ser o tema mais “espinhoso” dessa COP, na avaliação de Lima.

Há uma década, em 2010, o Protocolo de Nagoia, criado durante a COP10, no Japão, nasceu com a ideia de viabilizar a repartição dos benefícios obtidos com a utilização de recursos genéticos da biodiversidade e conhecimentos tradicionais.

O problema, segundo Lima, é que o protocolo nasceu em um momento em que existia apenas a problemática da remuneração pelo acesso físico aos materiais.

Hoje, essas informações genéticas estão disponíveis em bancos de dados digitais, sem a necessidade de utilizar as matérias orgânicas, muito menos de viajar em busca das espécies.

Dessa forma, é possível, por exemplo o desenvolvimento de tipos de cana de açúcar resistentes à seca, exemplifica Lima.

“Para chegar a esse resultado, você acessou cana, acessou a bactéria e acessou sequências genéticas desses recursos que já tinham sido sequenciadas por alguém. Hoje, não dependo de acessar a folhinha, acesso o sequenciamento genético, que é praticamente de graça”, afirma ele.

Na COP15, os país concordaram com a criação de um fundo multilateral para a repartição equitativa de benefícios entre quem usa e quem detém o sequenciamento digital. A ideia é que esses recursos vão ser distribuídos para favorecer a conservação da biodiversidade e a implementação do marco global.

Mas ainda há dúvidas – que poderão ser solucionadas ou não nessa edição da COP da Biodiversidade – sobre o funcionamento desse mecanismo, como vai funcionar a cobrança e quem vai gerenciá-los.

“Os países ricos vão pôr o dinheiro na mesa? Não vão? O dinheiro tem que vir de várias fontes. Se os países ricos se negarem a colocar recursos neste fundo, a ambição de implementação do marco global pelos países de desenvolvimento diminui”, afirma ele.

São especuladas várias formas de cobrar quem usou esse material genético já sequenciado.

Lima explica que, uma dessas formas envolve a ideia de que o lucro obitdo com produtos gerados pela utilização do sequenciamento digital tenham de pagar um percentual ao mecanismo de repartição de benefícios. Dessa forma, uma cana-de-açúcar ou uma nova raça de frangos poderiam ter de pagar um valor, exemplifica ele.

“A questão é, como eu vou saber que aquele produto tem o da utilização da sequência? O mecanismo tem de ser capaz de assegurar que os países têm um forma de regular que uma empresa de verificar isso e conectar isso com o mecanismo.”

Há dúvidas também sobre a convivência de sistemas internos de repartição dos países. O próprio Brasil possui um Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios, criado em 2015.

O mecanismo recolhe 1% da receita líquida obtida com a exploração econômica de produto final ou material reprodutivo obtido de acesso ao patrimônio genético.

Crédito de biodiversidade

Yuri Rugai Marinho, sócio-diretor da Eccon Soluções Ambientais, vê um outro ponto que, apesar de não constar nas metas, também deve ganhar as discussões no entorno: os créditos de biodiversidade.

Para ele, a temática inclusive já deveria ter entrado no marco global firmado em 2022.

“Lá em Montreal a gente falou muito, muito mesmo, de crédito de biodiversidade, muito mesmo, mas o texto não criou, as decisões da COP não levaram a essa instrumentalização. Talvez nesse ano, a gente dê um passinho em direção ao crédito de biodiversidade.”

“O Brasil está com grande expectativa de ter crédito de biodiversidade porque crédito de carbono se mostrou insuficiente em diversas situações para remunerar conservação, restauração ou agricultura sustentável”, afirma ele.

“É preciso combinar receitas para viabilizar a conservação: crédito de carbono, crédito de biodiversidade, manejo sustentável, uma série de atividades dentro de um território sustentável para que faça sentido conservar quando tiver a oportunidade de plantar soja ou gado”, acrescenta.

No modelo atual, Marinho diz que a conta não fecha. “Hoje eu posso ganhar 10 reais por hectare, por exemplo, só que eu tenho que derrubar tudo. Mas, se for para crédito de carbono, eu vou ganhar 1 real. Tem gente que fala: “Não, eu prefiro um real e abro mão de nove reais para conservar.” Só que está perdendo muita coisa nessa história”, afirma ele.

“Subindo o preço do carbono, adicionando crédito de biodiversidade, adicionando manejo sustentável, o preço sobe e começa a ficar interessante.”

Rugai Marinho diz que o agronegócio pode se beneficiar de um hipotético mercado de créditos de biodiversidade também ao utilizar mecanismos que hoje existem no Código Florestal, como Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal.

“Nesses lugares, a gente vai medir biodiversidade, vai medir conservação, vai medir carbono, e são safras adicionais que a fazenda pode ter. Então, pode-se chegar a um cenário de que eu sou produtor de milho, vou vender milho, mas também vou vender todo ano uma “safra de carbono” e outra de biodiversidade, por exemplo”, afirma.

Nessa equação, os beneficiados seriam especialmente os pequenos produtores, que teriam uma receita adicional. “Isso faria a diferença na vida deles.”

Já os grandes produtores, que não dependem desse recursos, poderiam ganhar um incentivo para adotar práticas de agricultura regenerativa e sistemas agroflorestais a partir desses recursos, na avaliação de Rugai Marinho.

Só que ainda não há uma definição específica para definir o que seria crédito de biodiversidade, ao contrário do mercado de carbono, em que cada crédito representa uma tonelada de carbono que deixou de ser emitida para a atmosfera ou que foi capturada.

“A discussão hoje na COP de 2022, em Montreal, era: como é que eu meço a biodiversidade? Que critério que eu vou colocar? Por enquanto, o que eu mais ouvi lá e que fez sentido é que a unidade de medida vai ser hectare”, afirma.

Mesmo assim, ainda pairam muitas dúvidas sobre como conceituar essa temática, na avaliação de Rugai Marinho. “Pode ser que seja um hectare, mas do quê? De biodiversidade recuperada, de biodiversidade mantida? E se você pegar uma biodiversidade na Amazônia é uma coisa, na Mata Atlântica é outra, no Cerrado é outra.”