Quando se fala de sustentabilidade e até mesmo de produtividade na pecuária, o bem-estar do animal é um tema cada vez mais relevante. Mas no caso da criação de suínos, um relatório mostra que dos nove maiores produtores no Brasil, somente três estão dispostos a dar um passo a mais nesse sentido.
O relatório Porcos em Foco 2023, que monitora a indústria de carne suína no Brasil e que teve a segunda edição divulgada esta semana pela organização Sinergia Animal, indica que o setor ainda avança lentamente na solução de alguns pontos sensíveis no manejo animal.
O foco do documento está dividido em três pontos: as gaiolas de gestação para porcas, procedimentos apontados como dolorosos e uso indevido de antibióticos.
O uso de gaiolas ganha destaque por ser um procedimento que envolve um momento delicado da vida do animal, que é a gestação. Em alguns casos, as fêmeas são mantidas confinadas durante todo o período de gestação, que dura aproximadamente quatro meses, em espaços que têm praticamente o tamanho do animal.
A prática é proibida em diversos países, como Reino Unido, Suiça, Suécia e Noruega, além de alguns estados dos Estados Unidos. Em outros, como Austrália, Nova Zelândia e Holanda, há um limite de tempo para o uso das gaiolas, de até sete dias.
No Brasil, uma instrução do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento de 2020 permite que a prática de confinamento contínuo de porcas em gaiolas de gestação seja adotada até 2045. Após esse prazo, os produtores podem usar as gaiolas por um período de até 35 dias.
A Sinergia Animal defende o banimento completo da prática e foi buscar o posicionamento de Alegra, Alibem, Aurora, BRF, Frimesa, JBS, Master, Pamplona e Pif Paf sobre suas práticas.
De modo geral, levando-se em conta os oito critérios adotados pela organização, seis das nove maiores produtoras de carne suína mostraram alguma evolução em seus compromissos para melhorar o bem-estar animal.
A Pamplona não teve evolução, mas manteve a pontuação mais alta em relação ao relatório de 2022, patamar que foi alcançado também por JBS e BRF.
No entanto, nenhuma das nove empresas se comprometeu a banir completamente o uso de gaiolas de gestação e adotar o regime “cobre e solta”, em que as matrizes são mantidas em gaiolas somente por sete dias, para confirmar que estão prenhas - depois, são soltas para viver em grupos durante toda a gestação.
BRF, JBS e Pamplona se comprometem a banir ou reduzir o uso das gaiolas durante o período de gestação, adotando um período entre 28 e 42 dias. No entanto, nas novas unidades e operações, as três empresas se comprometem a adotar o “cobre e solta”.
No caso da BRF, o relatório conclui que a empresa evoluiu em seu compromisso em relação ao uso das gaiolas, inclusive tornando pública a adoção do “cobre e solta” em suas novas unidades já a partir deste ano. Mas ainda não há um prazo para o fim das gaiolas em todas as operações.
Em relação à JBS, segundo o relatório, o compromisso de adotar o regime mais livre para as matrizes em novos projetos deve ser iniciado em 2025 e também não há prazo para adoção em todas as operações.
Alega e Pif Paf, por sua vez, se comprometem a fazer uma transição para o sistema de gestação coletiva até 2029. A Aurora já adota esse sistema, mas não se posicionou sobre o fim das gaiolas.
A adoção do sistema misto, sem adotar o “cobre e solta”, é compromisso de Aurora e Frimesa. No caso de Alegra, Alibem, e Pif Paf, o compromisso ou a adoção é parcial. A Master é a única que não atende a esse critério.
Dores e antibióticos
Os procedimentos apontados como dolorosos são outro tema monitorado pela Sinergia Animal. Nesse quesito, de acordo com o documento, nenhuma empresa se compromete, por exemplo, a banir o corte de cauda.
A organização afirma que esse procedimento é muito comum na indústria e muitas vezes é feito sem o uso de anestésicos e analgésicos. O argumento para adotar esse corte, chamado de caudectomia, é prevenir lesões em casos de surtos de canibalismo entre os leitões.
Segundo a Sinergia Animal, “o enriquecimento ambiental e uma menor densidade de animais na baias são alternativas que podem atenuar o problema”.
Outro procedimento, o corte de orelha, já foi banido ou deve ser excluído de seis das nove empresas. Alibem, Aurora e Frimesa teriam, de acordo com a Sinergia Animal, se recusado a banir a prática, adotada como identificação dos animais.
No caso do corte de dentes de leitões, o compromisso ou o fim da prática já é realidade em sete das maiores do setor. A Master tem o compromisso de banir parcialmente e a Frimesa opta por não banir a prática.
Ainda segundo o relatório, a Frimesa também não se compromete a banir a castração cirúrgica. Todas as outras oito empresas já baniram ou se comprometem a excluir a castração de sua criação.
A questão do uso de antibióticos é outro ponto sensível, segundo o documento. A Sinergia Animal afirma que o Brasil é um dos maiores consumidores globais do produto e que a adoção traz riscos inclusive para humanos, já que os medicamentos podem se tornar ineficazes para doenças bacterianas.
Mesmo assim, a única empresa que baniu ou tem o compromisso de banir a utilização é a Master, usando somente em animais doentes. Todas as outras, incluindo as gigantes do setor, não se comprometem a paralisar o uso de antibióticos.
A BRF, por exemplo, afirma em seu Relatório Integrado de 2022 que administra antibióticos somente para fins terapêuticos, mas que, se necessário, usa também em animais saudáveis como forma de prevenção.
A Pamplona tem posicionamento parecido, mas não deixa claro se os medicamentos são fornecidos somente para animais diagnosticados como doentes por veterinários.
Em nota enviada ao AgFeed, a Pamplona afirma que, nos últimos anos, promoveu avanços em seu programa de bem-estar animal. “Em 2023, a empresa atingiu 92% do seu plantel em gestação coletiva, sendo esse o maior percentual entre as empresas que divulgam publicamente essas informações”.
A companhia ressalta ainda que teve um “ótimo desempenho” no relatório da Sinergia Animal.
“Com o objetivo de que as diretrizes estabelecidas ganhem ainda mais amplitude e agilidade dentro da organização, a empresa conta com um comitê permanente e multidisciplinar que se reúne regularmente para avaliar os resultados da iniciativa e propor ações de aperfeiçoamento”, diz a Pamplona.
A BRF afirma que não tem posicionamentos adicionais além daqueles que já constam no relatório. Procuradas pelo AgFeed, as outras empresas não se manifestaram até o momento da publicação.