Demorou, mas chegou. Neste mês de dezembro, foi sancionada a Lei nº 15.042, que institui o mercado regulado de carbono e cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa.

É um passo importante para o Brasil no caminho da descarbonização e da formalização do comércio de créditos de carbono, que tem potencial de movimentar US$ 120 bilhões em 2030.

Apesar da criação do marco legal, o sistema regulado ainda levará pelo menos cinco anos para entrar totalmente em operação.

Ao todo serão cinco fases, a começar pela regulamentação, processo que deve ocorrer em até 12 meses a partir da publicação, com possibilidade de prorrogação por mais 12 meses.

A nova legislação fatia o mercado de carbono em dois setores: regulado e voluntário.

No primeiro, empresas que emitem acima de 25 mil toneladas de CO2 equivalente vão ter de reduzir suas emissões via compra de créditos, enquanto que companhias que emitem entre 10 mil e 25 toneladas de CO2e terão de reportar sua pegada de carbono, mas não necessariamente terão uma meta de redução.

Já no mercado voluntário, como o próprio nome sugere, a redução de emissões de CO2 é opcional, sem imposição de metas legais.

O setor agropecuário ficou fora do mercado regulado, participando apenas do voluntário, apesar de ser o maior emissor de CO2 do país considerando atividades econômicas, segundo o SEEG, sistema de estimativas de emissões de gases de efeito estufa, ligado ao Observatório do Clima, que reúne entidades ambientalistas.

Em 2023, as atividades agropecuárias foram responsáveis por 631,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente, de acordo com o SEEG, ficando atrás apenas das emissões provenientes de mudanças no uso da terra e desmatamento.

A exclusão do setor ocorreu após negociações entre o governo e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) durante a tramitação da lei no Congresso. Há consenso entre ambientalistas e produtores de que medir emissões no campo é um desafio técnico complexo.

A saída, portanto, envolve o estímulo de práticas agronômicas mais sustentáveis, como o plantio direto, o uso de bioinsumos, a recuperação de pastagens degradadas e a melhoria da saúde do solo, para evitar o avanço do desmatamento.

Apesar de operar no mercado voluntário, o agronegócio não está alheio às oportunidades oferecidas pelo novo sistema.

De acordo com especialistas ouvidos pelo AgFeed, o setor pode se beneficiar consideravelmente a partir de 2025 e nos próximos anos, tanto pela quantidade de emissões que precisa mitigar quanto pelas especificidades da legislação ambiental brasileira, como o Código Florestal.

A lei exige que propriedades rurais mantenham áreas mínimas de preservação, como a Reserva Legal. Na prática, produtores da Amazônia, por exemplo, precisam preservar 80% de suas áreas, podendo utilizar apenas 20% de seus terrenos para desmate e abertura de áreas agrícolas.

“O agro está em uma posição muito confortável. O setor não tem metas obrigatórias, mas dispõe de uma grande oportunidade de se beneficiar desse mercado institucionalizado”, explica Werner Grau, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

“Quando você olha para o Mato Grosso, o volume de terra conservada versus o volume de terra explorada, nenhum país rivaliza. Nenhum país pode bater no peito e dizer ‘eu tenho uma área em que eu desenvolvo atividade agrícola com conservação e recuperação ambiental e florestal’ como nós temos”, afirma.

Yuri Rugai, CEO da consultoria Eccon Soluções Ambientais, reforça a capacidade do agronegócio de impulsionar projetos no mercado de carbono.

“O agro é forte, organizado e capitalizado. Ele tem condições de ganhar escala rapidamente em projetos florestais, de conservação e de restauração”, afirma.

Desafios e oportunidades

Apesar do otimismo em relação ao potencial do mercado de carbono para o agronegócio, a adesão de agricultores brasileiros ainda é baixa.

Segundo um estudo global da consultoria McKinsey publicado neste ano, apenas 4% dos produtores brasileiros participam de programas de carbono, enquanto 71% não estão em iniciativas do tipo e sequer consideram essa possibilidade.

Grandes empresas, como Bayer e Citrosuco, para citar apenas dois exemplos, já investem em iniciativas de descarbonização.

Na Bayer, o programa PRO Carbono, criado há quase três anos, incentiva a implementação de práticas de manejo que promovam o aumento da retenção de carbono no solo. O projeto contabiliza a adesão de 1,9 mil produtores rurais, espalhados por 200 mil hectares. A ideia é aumentar a quantidade de terra abrangida para 1 milhão de hectares nesta safra 2024/25.

Já a Citrosuco remove cerca de 400 mil toneladas de carbono por ano em seus pomares próprios e pretende entrar oficialmente no mercado de carbono no futuro.

“Isso pode ser uma alavanca de valor e contribuir para a agenda de descarbonização. Mesmo se não comercializarmos créditos de carbono futuro, podemos abater isso da nossa própria meta de descarbonização. É um mar de oportunidades que desbravamos”, disse Orlando Nastri, head de ESG da Citrosuco, ao AgFeed em abril passado.

Se por um lado, grandes empresas estão apostando em iniciativas de carbono, por outro lado, os pequenos e médios produtores rurais enfrentam dificuldades de embarcar nessa tendência de mercado devido ao alto custo de implementação.

“Para projetos menores, a conta não fecha. É preciso reduzir custos tecnológicos e aumentar o valor dos créditos no mercado para viabilizar essas iniciativas”, alerta Yuri Rugai, da Eccon.

Rugai explica que os processos de obtenção de dados e posterior análise do que foi encontrado em campo ainda acontecem de forma manual.

“Será que o satélite, o drone não me dariam esse dado? Será que se não tivesse estudos sérios e uma amostra, um conjunto amostral relevante, eu não poderia testar do secundário e aplicar conforme a geolocalização?”, afirma Rugai.

E depois, ao invés de passar um mês escrevendo, será que eu não poderia usar uma ferramenta onde eu faço upload de um shape [porção de terra digitalizada] e ele gere dados? No momento em que você conseguir fazer tudo isso de forma automatizada, o custo baixa muito”, afirma Rugai.

A inclusão dos pequenos agricultores é crucial, tanto pela sua representatividade no setor quanto pela vulnerabilidade às mudanças climáticas, como aponta estudo do grupo de pesquisa Climate Policy Initiative, da PUC-Rio.

“[Os pequenos produtores] são o grupo mais vulnerável às mudanças climáticas, uma vez que a maioria possui acesso limitado a recursos financeiros que poderiam ser utilizados para expandir a produção agrícola através do uso de tecnologias inteligentes para o clima”, diz a pesquisa da PUC-Rio.

Outro desafio de maior inserção do agro no mercado de carbono está na credibilidade do mercado voluntário, abalada por acusações de fraudes e irregularidades nos processos de originação e certificação de créditos.

No episódio mais recente, em junho passado, a Polícia Federal deflagrou a Operação Greenwashing, com o objetivo de desarticular uma organização criminosa que era suspeita de vender cerca de R$ 180 milhões em créditos de carbonos gerados em áreas da União invadidas ilegalmente.

O empresário Ricardo Stoppe Júnior, dono do Grupo Ituxi, que se dizia o “maior produtor de créditos de carbono do mundo”, foi apontado como o líder da organização, que mantinha um esquema de fraudes fundiárias no Amazonas há mais de uma década.

“Esse é um problema que não é do mercado de carbono. É um problema do Brasil. Nós temos a questão fundiária complexa”, afirma Werner Grau, do Pinheiro Neto.

“E a gente sabe que na região amazônica, na região pantaneira e no Cerrado, há aqueles fazendeiros e aqueles detentores de terras que estão lá há muitos anos e que desenvolvem a atividade econômica há muitos anos. E esta atividade econômica, a produção agrícola, o agro só sobrevive com segurança jurídica”, acrescenta.