Aos 16 anos, Valda Gonçalves montou seu primeiro empreendimento, uma lojinha de artesanatos produzidos a partir de resíduos da floresta. Desde então, não parou mais. Hoje, aos 49 anos, ela lidera a Engenho Café de Açaí, uma empresa que tem como missão aproveitar tudo que o açaí oferece além da polpa, que é o primeiro subproduto que popularizou a fruta pelo Brasil e pelo mundo afora.
“A polpa é apenas 20% do açaí. O restante é desperdiçado e isso me incomodava muito”, conta a empresária, que desenvolveu uma máquina para triturar o caroço da fruta, transformando-o em um pó que se assemelha ao café.
Daí surgiu o nome “café de açaí”, um produto que já é comercializado em supermercados de estados da Amazônia Legal e em lojas de produtos orgânicos, incluindo da Alemanha e dos Estados Unidos.
A partir de uma fábrica instalada na garagem de sua casa, em Macapá, no Amapá, durante a pandemia, Valda produziu 600 quilos do pó de açaí na sua primeira entrega. Hoje, a Engenho produz 12 toneladas por mês e exporta 75% da produção.
“Meu foco hoje é internacionalização”, diz, explicando que a expansão lá fora está sendo possível porque no ano passado a Engenho conseguiu autorização do FDA (Food and Drug Administration) para comercializar nos Estados Unidos. E a expectativa é aumentar, pois a Engenho acaba de fechar um contrato de fornecimento do “café de açaí” para um grupo de lojas de Nova York.
O produto se assemelha ao café, mas tem sabor diferente e não contém cafeína. Por isso, a pedido de clientes, a Engenho desenvolveu um blend composto por 40% de café e o restante de pó açaí, que é comercializado também em cápsulas que, por enquanto, são vendidas apenas no exterior. “Em janeiro, faremos o lançamento em Nova York, com evento até na Times Square”, comemora Valda.
Diversificação além do açaí
Além do café, o resíduo do açaí tem sido aproveitado para produzir copos biodegradáveis, telhas e até mobiliário. A fruta também é utilizada na indústria farmacêutica, na composição de hidratantes, shampoos e óleos corporais. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a produção do fruto somou 1,7 bilhão de toneladas no ano passado, gerando receita de R$ 7,7 bilhões.
Mas o açaí é apenas um dos exemplos mais consistentes do potencial da bioeconomia amazônica, que tem estado em debate na COP 30, que acontece em Belém.
“Muito se fala do açaí, mas a floresta tem muitas outras coisas a oferecer, com inúmeras frutas que podemos saborear, além do conhecimento ancestral dos povos originários”, afirmou a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante painel sobre bioeconomia realizado na zona azul da COP.
Além do açaí, a bioeconomia amazônica oferece ainda o cacau, a amêndoa, a castanha-do-pará, o palmito, a borracha, o tucumã, o cupuaçu, o cumaru, o murumuru, o óleo de castanha-do-pará, a copaíba, a andiroba, o mel e o buriti. Todos com potencial de uso na indústria de alimentos, farmacêutica e até de energia, por meio da biomassa.
E esses potenciais produtos estão sendo mapeados no Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio), liderado pelo MMA, que visa ampliar o acesso a crédito e tecnologia com o objetivo de dar escala e melhorar a rentabilidade das comunidades que atuam com produtos considerados da economia verde. Além dele, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), tem desenvolvido linhas de crédito focadas em agricultura familiar e sustentável.
“Desde 2023 temos revisitado nossas linhas de crédito e microcrédito para deixá-los mais sustentáveis e com foco em programas agroecológicos e, principalmente, em mulheres”, afirmou Fernanda Machiaveli, Secretária-Executiva do MDA durante um painel sobre segurança alimentar na COP 30.
Ela disse que o objetivo é contemplar mais de 400 produtos provenientes de pequenos agricultores e de comunidades florestais, saindo do modelo de apoio à monocultura que sempre permeou o crédito agrícola no País.
Um levantamento realizado em 2021 pela The Nature Conservancy (TNC), em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Natura, com foco apenas no estado do Pará, analisou 30 produtos da bioeconomia e identificou que o PIB (Produto Interno Bruto) gerado por essas cadeias foi de R$ 5,4 bilhões, com geração de 224 mil empregos.
Ao projetar os ganhos econômicos potenciais futuros nas próximas duas décadas, com políticas públicas adequadas, o estudo mostra que com as cadeias produtivas do açaí, cacau-amêndoa, castanha, copaíba, cumaru, andiroba, mel, buriti, cupuaçu e palmito, a renda total gerada pode chegar a R$ 170 bilhões em 2040.
Associados aos produtos da bioeconomia estão ainda as Soluções Baseadas na Natureza, que têm o potencial de fornecer mais de um terço da mitigação climática necessária até 2030 para atingir as metas do Acordo de Paris, segundo levantamento da Deloitte Brasil e a Capital for Climate. Considerando que no caso do Brasil, 74% das emissões de gases de efeito estufa estão vinculadas ao uso da terra, pode-se fornecer mais de 90% da mitigação necessária para o país cumprir sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) até 2030.
Resumo
- Engenho Café de Açaí, uma empresa que aproveita tudo que o açaí oferece além da polpa, já está exportando um "pó de café" feito com a fruta
- Atualmente, a empresa produz 12 toneladas por mês e exporta 75% da produção, inclusive para os Estados Unidos
- Uma pesquisa de 2021 analisou 30 produtos da bioeconomia e identificou que o PIB (Produto Interno Bruto) gerado por essas cadeias foi de R$ 5,4 bilhões