A escalada da taxa Selic pode interferir nos planos do governo de trazer juros mais baixos para alavancar o Programa Nacional de Recuperação de Pastagens Degradadas, plano anunciado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária no ano passado e que ainda não saiu totalmente do papel.
A ideia do governo federal era oferecer financiamentos aos produtores rurais com juros de 6,5% ao ano e prazo de dez anos para pagamento, fazendo a recuperação e conversão de até 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade em áreas agricultáveis nesse período.
Mas agora, com o nível mais elevado da Selic e a projeção de que a taxa suba ainda mais nos próximos meses, a tendência é de que o juro desse financiamento também fique um pouco mais caro, na avaliação do engenheiro agrônomo Eduardo Bastos, presidente da Câmara Agrocarbono Sustentável da pasta.
"Hoje, a maioria dos analistas já fala em uma Selic de 15% nos próximos meses. E tem gente mais pessimista falando em 16%. Se você tem um país onde a taxa é de 15%, 16%, emprestar a um juro de 6,5% é bem difícil", diz Bastos.
A taxa básica de juros hoje está em 13,25% e já tem um novo aumento contratado pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central para o mês que vem, passando para 14,25%.
O representante da câmara de carbono do Mapa também diz que o financiamento pode sofrer com um juro mais alto previsto para o Plano Safra deste ano, que será divulgado em julho.
No Plano Safra 2024/2025, as taxas de juros para custeio e comercialização estavam fixadas em 8% ao ano para os produtores enquadrados no Pronamp e para investimentos variavam entre 7% a 12% ao ano, a depender do tipo de linha de crédito escolhido.
"Ninguém sabe o número ainda, mas se o Plano Safra vier a 10,5%, o juro do programa precisava vir a 8,5%. No ano passado, a promessa era 6,5%. Então, 6,5% com essa taxa Selic, esquece. Dificilmente vai acontecer", afirma.
Enquanto o juro ainda é uma areia movediça no qual a pasta caminha, os investidores internacionais continuam interessados em aportar recursos no programa brasileiro.
Bastos conversou com a reportagem do AgFeed dias após ter retornado de Londres, capital do Reino Unido, onde apresentou a ferramenta a investidores estrangeiros.
"A recepção foi muito positiva. O que falta para nós - e foi um retorno praticamente unânime - é um instrumento para receber o recurso privado", explica Bastos.
No ano passado, o ministério já havia visitado mais de 10 países para apresentar o projeto. Carlos Augustin, assessor especial do Mapa, havia relatado que a aceitação no exterior tinha sido boa. "Só que você tem que ir da aceitação e ir para o operacional", disse Augustin ao AgFeed em setembro do ano passado.
Para trazer os recursos privados, o Ministério da Agricultura vai utilizar o Eco Invest, programa de hedge cambial e mobilização de capital externo do Tesouro Nacional.
O Eco Invest fez seu primeiro leilão, voltado para projetos sustentáveis em novembro do ano passado. O certame foi bem sucedido.
O modelo utilizado foi o de blended finance. O Tesouro entrou com R$ 6,8 bilhões de capital catalítico – ou seja, trazendo recursos para os bancos alavancarem esse valor e mobilizarem recursos no exterior, com o dinheiro do governo servindo para mitigar o risco.
O leilão contou com a participação de nove bancos vencedores, que se comprometeram a buscar R$ 37,545 bilhões no exterior para financiarem projetos no Brasil.
A ideia do Mapa agora é repetir a fórmula bem-sucedida com um novo leilão do Eco Invest. O certame, que inicialmente deveria ter acontecido em dezembro, foi adiado e agora deve acontecer em março, com a participação dos dez maiores bancos brasileiros, segundo Eduardo Bastos.
O Tesouro já teria reservado em torno de US$ 1,8 bilhão via Eco Invest, segundo revelou Augustin ao AgFeed ainda no ano passado.
O Ministério da Agricultura também está correndo contra o relógio para chegar à COP30, que será realizada em Belém, com as primeiras transformações de pastagens degradadas já com recurso garantido.
"O plano original do programa é a gente aprovar os recursos do Eco Invest, que vai ser a primeira tranche do recurso, ainda neste trimestre, para começar a jogar dinheiro no chão, fazer a transformação e ter áreas convertidas para mostrar na COP", afirma Bastos.
A intenção é alcançar inicialmente 1 mil produtores com 1 mil hectares cada, totalizando 1 milhão de hectares.
Segundo Bastos, o governo está finalizando, no momento, os detalhes de regramentos para a concessão de financiamentos, como a data de corte de desmatamento e o limite de financiamento por CPF ou CNPJ. A ideia é que esse limite seja o dobro do Plano Safra.
"Se você olhar a média dos produtores que a gente quer atingir, nós estamos falando de aproximadamente mil hectares de área a ser convertida. Mil hectares, a R$ 7,5 mil o hectare, vai dar R$ 7,5 milhões por CPF", afirma.
Essas regras precisam ser aprovadas pelo comitê gestor do programa de pastagens degradadas, que é liderado pelo Mapa e é composto por outras cinco pastas, órgãos como Banco Central, BNDES, CVM e Embrapa, de representantes da sociedade civil, do setor agropecuário e da agricultura familiar.
O regramento precisa ser aprovada também pelo comitê do Fundo Clima, segundo Bastos, pelo fato de o Eco Invest utilizar recursos desse instrumento financeiro vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.