A tese de conversão de pastagem degradada em agricultura é uma daquelas que agrada tanto gregos quanto troianos no agro.

De um lado, aumenta-se a produção de grãos, criando mais mercado para agricultores e empresas do setor. Do outro, faz um aceno à sustentabilidade, deixando de emitir carbono e passando a sequestrá-lo em grande parte.

Desde gestoras que apostam em fundos para esse tipo de movimento para trazer retorno a acionistas até multinacionais como a John Deere olham para essa oportunidade como uma forma de transformá-la em receita.

O potencial é trilionário, se somadas as diferentes frentes com possíveis ganhos. Um estudo recente do Itaú BBA mostrou que a conversão de áreas degradadas pode ampliar em 52% a produção nacional de grãos, além de gerar R$ 904 bilhões apenas em valorização fundiária.

Do lado ambiental, o banco estima um potencial de 3,5 bilhões de toneladas de CO2 evitadas com a conversão de pastagens no Brasil.

No levantamento, que levou em consideração dados da Embrapa, foram mapeados 28 milhões de hectares de pastagem com algum nível de degradação, seja intermediário ou severo, com potencial para conversão.

Os estados com maior aptidão para essa conversão são Mato Grosso (5,1 milhões de hectares), Goiás (4,7 milhões de ha), Mato Grosso do Sul (4,3 milhões de ha), Minas Gerais (4,0 milhões de ha) e Pará (2,1 milhões de ha).

A conta para destravar esse potencial, contudo, não é barata. Nos cálculos das instituições, são necessários R$ 482,6 bilhões para tal.

“Ao considerarmos os custos médios por hectare dos clientes do programa Reverte, parceria entre Syngenta, The Nature Conservancy e Itaú BBA, que visa aliar a expansão da produção agrícola com a conservação da vegetação nativa e recursos naturais no Cerrado, chegamos nesse montante”, explicou o Itaú BBA no estudo.

O programa Reverte já realizou 86 operações até agora, somando R$ 1,9 bilhão em financiamento e 260 mil hectares recuperados. Além de áreas brasileiras, está começando a atuar no Paraguai.

A conta é pesada, mas a expectativa é que o retorno venha no médio prazo. Segundo o Itaú BBA, um projeto típico de conversão de pastagem degradada para soja seguida de milho safrinha tem uma taxa interna de retorno de 8% em 10 anos.

Os cálculos consideram produtividade crescente nas primeiras safras e preços atuais de mercado para os grãos. “Chegamos a uma taxa interna de retorno (TIR) real de 8% em 10 anos”, diz o relatório.

Boa parte desse retorno viria da valorização das terras. Áreas de pasto transformadas podem valer mais que o dobro, por exemplo, no cálculo feito pelo banco.

No Mato Grosso, terras de pastagem avaliadas em R$ 14,5 mil por hectare podem chegar a R$ 50 mil após a conversão. Em regiões consolidadas na produção agrícola, como Sorriso e Primavera do Leste, o valor pode passar de R$ 80 mil.

“Na média nacional, terras de lavoura valem cerca de 2,4 vezes o preço de terras de pastagem equivalentes”, afirma o estudo.

Francisco Queiroz, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA que conduziu o levantamento, acredita que para que esse potencial seja destravado, é necessário uma coordenação entre políticas públicas e financiamento privado. “Não tem como fazer isso tudo sem apoio do Governo”, disse.

Do lado público, o Governo Federal instituiu, ao final de 2023, o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis (PNCPD).

A pretensão é recuperar e converter até 40 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade em áreas agricultáveis em 10 anos.

“Podemos praticamente dobrar a área de produção de alimentos no Brasil sem desmatamento, evitando assim a expansão sobre áreas de vegetação nativa”, diz a autarquia federal em comunicado oficial da época.

Para chegar até lá, tudo demanda escala e tempo. Logo após a conversão, a produtividade ainda é baixa nos primeiros anos por conta da condição do solo. O BBA prevê que a recuperação plena da fertilidade e estrutura do solo pode levar de até duas ou três safras.

Queiroz, do Itaú BBA, acredita que avanços tecnológicos podem até encurtar esse tempo, como por exemplo o uso de produtos biológicos e fertilizantes especiais usados para aumentar a produtividade. Tudo depende, porém, do perfil do produtor.

“Se é um proprietário de terra, além da correção do solo ele pode passar uma primeira temporada só com plantio de cobertura, como capim ou milheto para formar massa verde. Só depois disso plantar soja. Do lado de quem arrenda, que tem necessidade de fazer dinheiro mais rápido, o plantio de soja começa já no primeiro ano, mas ainda com uma produtividade aquém do possível”, afirmou.

Queiroz acredita que a conversão de pastagens em terras agricultáveis ainda pode ser uma via de mão dupla com a pecuária.

“Mais soja e mais milho produzidos geram mais matéria-prima para ração, e no caso do etanol, DDG. Aumentando a produção de grãos a comida do animal tende a ficar mais barata, favorecendo a pecuária”, disse.

Resumo

  • Estudo do Itaú BBA mapeia 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial agrícola, que podem gerar R$ 904 bilhões apenas em valorização fundiária
  • Conversão das áreas poderia ampliar em 52% a produção de grãos e evitar emissoes de 3,5 bilhões de toneladas de CO2
  • Implantação exigiria um investimento de R$ 482,6 bilhões, com taxa de retorno real estimada em 8% ao longo de 10 anos, considerando dados do programa Reverte, em parceria com a Syngenta