A ampulheta está virando: daqui a exatamente um ano, o Brasil será o anfitrião da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30, que será realizada em Belém, capital do Pará.

Por isso, o Brasil busca ganhar protagonismo já na COP29, realizada no Azerbaijão, tentando resolver pontos de interrogação agora para fortalecer seu papel de liderança na edição do ano que vem.

Um símbolo disso aconteceu nesta quarta-feira, 13 de novembro, quando o País detalhou – ainda que parcialmente – as metas de sua NDC (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada), que havia levado para Baku, a capital do Azerbejaião.

Até então, na última sexta-feira, dia 8 de novembro, o Brasil havia sido o primeiro país – e aí está mais um indicativo de que busca papel de liderança – a assumir o compromisso de reduzir suas emissões líquidas de gases de efeito estufa de 59% a 67% até 2035, em comparação com números de 2005 – mas não havia explicado como iria fazer isso.

A redução representa uma emissão entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de CO2 equivalente, bem abaixo das 2,3 bilhões de toneladas registradas no ano passado.

Entre os principais pontos do documento de mais de 60 páginas divulgado nesta quarta-feira, o País informou que vai implementar “esforços coordenados e contínuos” para suprimir o desmatamento ilegal e vai incentivar cada vez mais a preservação da vegetação nativa.

Também afirmou que vai incentivar a substituição de combustíveis fósseis, fazendo a promoção do desenvolvimento e uso de biocombustíveis sustentáveis e soluções de eletrificação. Não trouxe, no entanto, um cronograma de quando acontecerá essa troca.

Ao todo, o documento apresentou 26 matérias prioritárias, distribuídas entre três eixos: ordenamento territorial e fundiáro, transição energética e desenvolvimento sustentável com justiça social, ambiental e climática.

A estratégia nacional de mitigação, segundo o governo, será acompanhada de sete planos setoriais: agropecuário, uso da terra e florestas, energia, transporte, cidade e mobilidade urbana, resíduos e indústria.

A descrição desses planos, no entanto, foi feita de forma genérica, sem a apresentação, por exemplo, de um cronograma para cada setor se adaptar.

No caso específico do setor agropecuário, o País informou que seguirá demonstrando que é possível expandir “de forma sustentável” a produção agropecuária e indicou duas estratégias – ambas já conhecidas e repetidas à exaustão pelo ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e demais representantes do governo desde o começo do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Uma das estratégias envolve a conversão de novas áreas a partir de terras degradadas, utilizando sistemas como integração lavoura-pecuária e integração lavoura-pecuária-floresta.

O outro caminho está nos ganhos de produtividade dos sistemas produtivos, com maior migração para sistemas integrados e aumento de sistemas de alta produtividade.

O país também enfileirou, no documento, uma série de iniciativas que já foram anunciadas anteriormente, dizendo que vai implementar o Plano ABC, política de promoção da agricultura de baixo carbono, e uma série de outros instrumentos que já existem, como o Pronaf, de fortalecimento da agricultura familiar, o Programa Nacional de Bioinsumos e o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas.

Além do Brasil, somente Emirados Árabes Unidos e Reino Unido divulgaram suas metas climáticas até aqui, prevendo diminuições de reduções de emissões líquidas de gases do efeito estufa de 47% e 81%, respectivamente.

O próprio vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) já havia dito que o país quer ser o líder da agenda que se avizinha.

“Nossa NDC é muito mais que simplesmente uma meta de reduções para 2035. Ela reflete a visão de um País que se volta para o futuro e que está determinado a ser protagonista da nova economia global com energias renováveis, combate à desigualdade e comprometimento com o desenvolvimento sustentável”, afirmou Alckmin em discurso na terça-feira.

O Brasil pretendia também levar para a COP a aprovação do projeto de lei que cria o mercado regulado de carbono no País.

Mas, após idas e vindas, a proposta atrasou e acabou sendo aprovada pelo Senado somente nesta quarta-feira, após o começo da conferência no Azerbaijão. Agora, o projeto volta para a Câmara dos Deputados, que vai redigir o texto final.

Explicações de fora

Na avaliação de fontes ouvidas pelo AgFeed, faltou ao governo explicar no documento como os setores serão impactados pelas novas metas de emissões de CO2.

“Vai ser com restauração de pastagens, mais integração lavorua-pecuária, mais agricultura de baixo carbono, mas estamos falando de quanto? Quantos hectares?”, questiona Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) e colunista do AgFeed.

Ele afirma que a Abiec e outros representantes do setor já tinham manifestado ao Ministério do Meio Ambiente, antes da COP29, que havia a necessidade de mais diálogo em relação ao plano que seria apresentado.

“Apresentaram a meta, mas ninguém sabe o que se espera de cada setor para se atingir essa meta. Usaram um modelo para propor essa meta, mas ninguém sabe direito o que tem lá dentro”, afirma Sampaio.

“Tudo isso ainda terá de ser discutido para saber de fato a contribuição do agro e que condições vamos chegar nessas metas, porque precisa de financiamento, de políticas públicas, assistência técnica para pequenos produtores na pecuária e demais atividades”, emenda ele.

Renata Potenza, coordenadora de projetos em clima e emissões do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), tem opinião semelhante.

“A NDC não traz como essas metas vão ser implementadas e como isso vai aterrissar nos setores. No caso do setor agropecuário, cita o plano ABC e o programa nacional de conversão de áreas degradadas, mas não tem nada muito concreto”, afirma.

Potenza avalia ainda que houve falta de transparência em como o governo chegou na nova meta de redução – sem explicar a metodologia usada, por exemplo – e como cada um dos setores vão poder aplicá-las.

“Causou estranhamento também o lançamento das metas em banda com a ideia de ter um piso e um teto. Uma diferença de 200 milhões de toneladas em emissões é grande. Essa faixa de meta é algo que a gente não costuma ver em NDCs e traz uma flexibilidade para o País não ir atrás da meta ambiciosa: se não der certo, a gente já conseguiria ficar na meta menos ambiciosa”, afirma Potenza.

Para o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), Muni Lourenço, as metas dependem de diálogo para serem bem sucedidas.

“É muito importante esse diálogo entre todas as partes interessadas, setores privados e o governo principalmente para que essa NDC seja factível para contemplar, ao mesmo tempo, a necessidade e maior ambição em termos de meta e, de outros lado, compatibilizar a capacidade de implantação por parte dos diversos setores da economia”, afirma.