Nos Países Baixos, BBB não tem nada a ver com reality show da TV. Trata-se da sigla para BoerBurgerBeweging, ou movimento dos fazendeiros-cidadãos, em uma tradução livre do holandês.

Criado há cerca de cinco anos e transformado em partido político com viés populista, desde o ano passado tem sido o motor de uma série de protestos contra o governo do primeiro-ministro Mark Rutte, que tenta fazer passar no parlamento local uma série de leis ambientais que contrariam interesses dos produtores rurais do país.

O BBB foi o grande vencedor das eleições regionais realizadas em março passado e ameaça agora retomar a rotina de bloqueios de estradas e tratoraços nas cidades, numa tentativa de forçar a derrubada de Rutte.

O novo impulso vem após o vazamento na semana passada, pelo canal de TV NOS, de um suposto projeto do governo para limitar o número de cabeças de gado nas propriedades rurais. A restrição, segundo o documento revelado, seria para um máximo de dois animais por hectare, quase metade da capacidade atual, na casa de 3,5 cabeças por hectare.

Seria mais um passo do avanço de Rutte sobre ao agronegócio holandês com o objetivo de fazer com que o país alcance as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa impostas pela União Europeia.

Há pouco menos de um ano, em julho de 2022, o governo anunciou metas de corte de 50% das emissões de nitrogênio e amônia até 2030. Isso implicaria, aos agricultores, redução significativa no uso de fertilizantes nitrogenados, além da diminuição de 30% em seus rebanhos.

O não cumprimento das metas representaria a exclusão dos produtores do sistema de crédito rural e, em casos extremos, até mesmo a desapropriação das propriedades.

A reação dos agricultores e pecuaristas foi imediata e contou com vasto apoio popular. Afinal, seria um impacto e tanto para a economia do país, maior produtor de alimentos da Europa e segundo maior exportador do mundo.

Também fora dos Países Baixos houve grande repercussão. Personalidades como Donald Trump e Elon Musk manifestaram-se a favor dos protestos e contra o governo. E o BBB, que não tinha representação política, acabou se tornando majoritário em todas as 12 províncias holandesas.

As eleições recentes foram, assim, vistas como uma espécie de plebiscito sobre a liderança de Rutte, o primeiro-ministro mais antigo da Holanda.

O próximo passo do movimento seria provocar a convocação de novas eleições gerais para o parlamento holandês. Outro bom desempenho do BBB poderia levar à substituição de Rutte, eventualmente por um nome do próprio movimento.

O documento vazado pela NOS cita uma pesquisa da Wageningen University & Research, que propões, como forma de atingir as metas climáticas de uso de insumos como nitrogênio e até de água, que o setor pecuário holandês precisava encolher em até 30%.

Uma negociação do governo com organizações de produtores rurais para definir u acordo agrícola para reduzir emissões até 2040 vem se arrastando, sem avanços, há alguns meses. Se a conversa já estava difícil, o cenário ficou ainda mais complexo.

O ministro da Agricultura, Piet Adema, condenou o vazamento, alegando que o documento – que popõe também reduzir o uso de pesticidas e melhorar o processamento do esterco – traz apenas ideias, ainda em discussão.

“Estou incrivelmente desapontado por haver um vazamento. Não sei de onde veio, mas é ruim porque não ajuda no processo”, disse ele aos parlamentares.

Adema tinha expectativa de chegar a um acordo ainda este mês. O documento revela que o governo estima em mais de 6,7 bilhões de euros o custo do acordo agrícola, além de outros 600 milhões de euros para “serviços ecossistêmicos”.

Esses recursos seria usados para pagar aos agricultores reflorestarem e fazerem uma melhor gestão hídrica de suas propriedades, criando habitats para insetos e pássaros. Mas mesmo esse valor não foi aprovado pelo governo até o momento.

Rutte já havia destinado mais de 25 bilhões de euros para medidas como desapropriação de fazendas e redução do número de animais nas propriedades até 2035. A questão é que, com o novo impulso do BBB, são grandes as chances de que não seja o seu governo o responsável por avançar nessa questão.