O investimento em agricultura regenerativa no Cerrado pode gerar um retorno de mais de US$ 100 bilhões (R$ 572,8 bilhões) aos produtores do bioma e uma receita anual de US$ 20 bilhões (cerca de R$ 114,5 bilhões, na cotação atual) no PIB do Brasil até 2050 se houver uma combinação de adoção de práticas sustentáveis, incentivos financeiros capazes de viabilizar essa transformação e políticas públicas que premitam a virada de chave no campo.
A conclusão é da consultoria Boston Consulting Group (BCG), que desenvolveu desde o fim do ano passado um estudo chamado “Cultivando resiliência: um caminho viável para regenerar paisagens no Cerrado brasileiro”, para identificar os desafios e oportunidades para a produção agrícola do futuro no bioma.
A pesquisa ouviu mais de 1,5 mil produtores rurais e foi feito em parceria com o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD, na sigla em inglês) e o Ministério da Agricultura e Pecuária.
O Cerrado foi escolhido para análise, segundo a consultoria, pela representatividade que hoje já possui para a agropecuária brasileira e o potencial produtivo que tem para o futuro.
De acordo com o BCG, áreas produtivas do bioma serão responsáveis por 70% de toda a produção da soja brasileira e 49% da carne bovina nacional até 2050. Hoje, esse percentual é de 65% e 45%, respectivamente – e, há 40 anos, era muito menor.
Toda essa transformação do Cerrado, no entanto, teve um custo socioambiental considerável, com a conversão de 95 milhões de hectares, território equivalente duas vezes ao da Espanha, segundo o BCG. Hoje, as emissões de conversão de terra no Cerrado já excedem as do setor industrial no Brasil.
Também houve um impacto negativo significativo na fauna local ao longo dos anos, segundo a consultoria, com mais de 600 plantas, 100 peixes, 40 mamíferos e 30 aves em estado crítico ou extintos do bioma.
“Tinhamos um bioma de talvez 200 milhões de hectares e convertemos quase metade desse bioma em áreas de pecuária e agricultura e, obviamente isso não veio sem um impacto”, afirma Lucas Moino, sócio do BCG e um dos líderes do estudo.
Por outro lado, Moino lembra que a agricultura no Cerrado foi sendo desenvolvida historicamente com técnicas agrícolas que hoje são chamadas de “agricultura sustentável”, como o plantio direto.
“A ideia agora é discutir como a gente engrossa esse pacote e acelera a adoção, aumentando a escala e a adoção dessas técnicas para garantir que diminuamos o impacto dessa produção”, explica o sócio do BCG.
Dos 100 milhões de hectares que ainda “sobraram” no bioma, a consultoria identificou que o Cerrado tem 32,3 milhões de hectares que apresentam oportunidades viáveis para intensificação de práticas sustentáveis e que mais de 400 mil produtores rurais poderiam ser impactados com essa transição.
Outros 43 milhões de hectares de áreas naturais poderiam ser conservados. “Se a gente aumentar a produção por área e intensificar a produção, a gente diminui a pressão por novas áreas e acaba protegendo, de maneira economicamente viável, boa parte do que temos”, afirma Moino.
Dos 32,3 milhões de hectares que ainda podem ser explorados de alguma forma, a consultoria destaca que 23,7 milhões de hectares correspondem a pastagens degradadas.
No caso das pastagens degradadas, uma parte dos 23,7 milhões de hectares, contemplando 9,3 milhões, poderia ser transformado em pecuária regenerativa
Dessa forma, com a intensifcação do gado, ou seja, mais animais em menos espaço, haveria espaço para que 14,4 milhões de hectares restantes sejam destinados para a inserção de culturas regenerativas.
Além das áreas de pastagem degradadas, sobram ainda 8,6 milhões de hectares de áreas onde hoje já há cultivo de culturas agrícolas, mas que ainda não adotam práticas sustentáveis, e que teriam potencial para se somar aos territórios de pastagens degradadas a serem transformados, totalizando 23 milhões de áreas de culturas regenerativas.
Moino deixa claro que, para fazer essa transformação no campo, a ideia não é reinventar a roda. “Não tem ciência de foguete, fomos para os suspeitos usuais”, afirma ele.
O BCG elencou oito tecnologias já existentes que podem ser utilizadas pelos produtores nos modelos de agricultura e pecuária regenerativa, que envolvem a adoção de plantio direto, a melhora da gestão hídrica das propriedades, utilização de bioinsumos, a inserção de sistemas integrados de cultivo, a aplicação de técnicas de recuperação de pastagens, a quantidade de florestas plantadas, a gestão de resíduos animais e a terminação intensiva do gado.
“A gente partiu de tecnologias para as quais existe espaço de expansão, mas que o produtor provou que já conhece e é capaz de implementar”, explica o sócio da consultoria.
Fazer a transformação desse processo, contudo, não é algo trivial. O BCG estima que os investimentos necessários para fazer toda a transformação num período de 25 anos chega a US$ 55 bilhões (R$ 315 bilhões), com uma média de taxa interna de retorno (TIR) de 19%.
Para fazer a transformação de cada hectare onde já há cultivo tradicional em regenerativo, é necessário um investimento de US$ 500 (R$ 2.864, no câmbio atual), cifra que sobe para US$ 1,8 mil (R$ 10,3 mil) por hectare na transformação de pastagens degradadas em pastagens regenerativas e chega a US$ 2,3 mil (R$ 13,1 mil) no caso das pastagens degradadas que são convertidas para áreas de cultivo regenerativos.
O retorno do investimento também não é rápido: varia de 4 a 5 anos no caso da transformação de culturas, de 7 a 9 anos na mudança de pastagens degradadas para pastagens regenerativas, e de 9 a 10 anos para pastagens degradadas que se transformam em áreas produtivas agrícolas.
Além disso, há uma janela de tempo em que os produtores vão ter de permanecer com um fluxo de caixa no vermelho para, só mais adiante, conseguirem lucrar.
“O prazo em que o produtor precisa realizar esses investimentos é, em média de 2 a 5 anos, seja em custo operacional, seja em capex mesmo, investimento na compra de novos maquinários e equipamentos”, explica Matheus Munhoz, líder de projeto no BCG.
A consultoria estima que, com os invesetimentos na transformação, o retorno possa chegar a mais de US$ 100 bilhões, e a mitigação e sequestro total do carbono chegariam a 140 milhões de toneladas de CO2 equivalente.
Como as cifras são expressivas, as fontes dos recursos para financiar toda essa transformação são variadas, segundo a consultoria.
O BCG sugere que boa parte do valor – US$ 26 bilhões (R$ 148,9 bilhões), o correspondente à 48% dos US$ 55 bilhões – venha de crédito subsdiado do governo, como a linha do programa Renovagro, do Plano Safra, e o Plano Nacional de Recuperação de Pastagens Degradadas.
Na sequência, vem o crédito comercial – US$ 24 bilhões (R$ 137,4 bilhões), ou 43% do todo –, oferecido pelos bancos e demais instituições financeiras. E por último, o capital concessional, aquele que é oferecido por instituições multilaterais, responsável por US$ 5 bilhões (R$ 28,6 bilhões), ou cerca de 9% do bolo.
Para Lucas Moino, sócio do BCG, o Brasil tem um grande potencial de exportar as soluções que foram criadas na agricultura nacional para o outras regiões do mundo de clima tropical e características semelhantes.
“Boa parte da produção agricola deve acontecer no Sul global e podemos exportar mosso modelo vencedor de tecnologia, não apenas grãos para regiões como Ásia e o Sul da África. No passado, nós importamos muita tecnologia da Europa e dos Estados Unidos, mas hoje todo um deslocamento desse eixo que eu acho que é importante e o Brasil serve bastante como modelo”, afirma Lucas.
O CEBDS e a WBCSD entram na história justamente para alavancar as propostas e engajar diferentes atores.
Só o CEBDS, por exemplo, tem mais de 120 empresas associadas, várias delas gigantes do agronegócio, como Amaggi, JBS e Bayer, citando apenas alguns exemplos.
"É importante reunir todos esses players para em volta de uma mesma para conseguir superar as atuais barreiras", afirma.
Em paralelo ao estudo, o CEBDS anunciou uma agenda de impulso para a transformação regenerativa chamada Landscape Aceelerator Brasil, cujo lançamento deve acontecer no dia 15 de abril, na Cúpula do Cerrado, um evento que vai ser realizado em Luiz Eduardo Magalhães (BA).
"A gente vem ampliando essa rede de atores nesse esforço de implementação de uma agenda de implementação. É uma oportunidade também de agora, daqui até a COP30, a gente avançar com esse modelo de implementação para acelerar a ação para a transição de paisagens regenerativa", diz Juliana Lopes, diretora de Natureza e Sociedade do CEBDS.