Faltando menos de 30 dias para o início do plantio da soja no Brasil, o mercado observa alguns termômetros tradicionais que medem a intenção do agricultor em fazer investimentos.

No começo da lista está a venda de calcário agrícola. O calcário é usado para corrigir a acidez natural do solo, principalmente na região do Cerrado, responsável por 60% da produção agrícola.

A variação do consumo de calcário agrícola indica o otimismo dos agricultores – ou o pessimismo – em relação à safra que está para começar. Mas não é um termômetro perfeito.

É possível adiar em alguns meses a correção da acidez, mudar a dosagem ou diminuir a área. É uma forma de cortar gastos em momentos de crise. Afinal, o calcário representa 15% do custo do processo de preparo do solo.

Reduzir a correção pode ter consequências, como a perda de produtividade, mas alguns produtores ainda consideram os efeitos “administráveis”, como disse ao AgFeed, Paulo Bertolini, diretor do grupo Calpar, maior fabricante de calcário agrícola do Brasil.

Os dados oficiais mais recentes do mercado de calcário agrícola são de 2023. A Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola (Abracal) indica que houve um consumo recorde, de 61,6 milhões de toneladas do produto.

Para saber como está o consumo de calcário agrícola em 2024 – e o que ele diz sobre as próximas safras – o AgFeed conversou com Bertolini, da Calpar, empresa que produz 1,8 milhão de toneladas por ano, e também com o presidente da Abracal, João Bellato Júnior. Bertolini e Bellato concordam na estimativa: o consumo de calcário agrícola em 2024 está 15% menor do que em 2023.

Se realmente fechar o ano com 52 milhões de toneladas, o mercado terá seu primeiro retrocesso desde 2015. Daquele ano até agora, o consumo dobrou de tamanho, segundo eles.

Preço das commodities desce de elevador e insumos pela escada

Bertolini atribuiu a redução do consumo de calcário em 2024 à queda nas cotações de soja e milho no mercado internacional.

“O horizonte do agricultor é o preço do ano que vem e do próximo. Se a perspectiva é ruim, ele fica mais cauteloso ao tomar dívidas e fazer investimentos. Ele reduz ao essencial”, disse.

Mais do que o baixo preço dos grãos, o diretor da Calpar ressalta a elevação dos custos. “Durante a pandemia, o preço das commodities explodiu, assim como os preços de fertilizantes, defensivos, diesel, máquinas. Desde então o preço da commodity caiu de elevador, enquanto o preço dos insumos está descendo de escada. É esse descasamento que gera a crise”.

Já o presidente da Abracal destaca outros fatores que vêm contribuindo para a queda nas vendas. Bellato lembrou, por exemplo, que os eventos climáticos diminuíram o consumo de calcário agrícola em 2024.

As chuvas no Rio Grande do Sul interromperam estradas e encareceram o transporte entre os estados do Sul e a região Centro-Oeste, que é a maior consumidora.

“Como o valor agregado do calcário é relativamente baixo, o frete pesa. A partir de 250 quilômetros de distância, o transporte pode ser tornar mais caro do que o próprio insumo”, afirmou.

Bellato relata ainda que a instabilidade climática em dezembro de 2023 impediu o plantio em algumas regiões, por isso, quem já estava com o solo preparado pode esperar até a próxima safra. “Muitos agricultores, principalmente no Centro-Oeste, perderam a janela da safrinha. Então, quem tinha feito a correção do solo da forma ideal, agora pode se dar ao luxo de fazer uma menor, ou até pular o ano”, disse.

Onde o consumo caiu mais e onde subiu

O consumo de calcário agrícola no ano caiu principalmente na região Centro-Oeste, que respondeu por 44% do total, em 2023. Segundo a Abracal, a demanda ficou estável na região Sul e aparenta crescer no estado de São Paulo.

“Importantes nas fazendas paulistas, a cana-de-açúcar e a laranja estão valorizadas”, disse Bellato, explicando o maior investimento na região. “E os canaviais vinham cansados dos anos anteriores”.

O presidente da Abracal também aponta o crescimento no consumo em frentes de expansão do cultivo. “Existe uma fronteira nova no Piauí e a região do Matopiba, aumentou muito”, disse.

“Antigamente, o produtor plantava arroz por um ou dois anos, antes de partir para a soja. Agora existe uma cultura de usar uma quantidade bem maior de calcário, com 12 a 15 toneladas por hectare, para ter uma produção de soja condizente já no primeiro ano”.

Neste cenário, as previsões para o mercado de calcário são semelhantes as que tem sido vistas para os preços da soja, sem grande expectativa de melhora para o curto prazo.

“O mercado de calcário – e também o otimismo dos agricultores – voltará apenas em 2026. Eu acho que vai ser para a safra 26/27”, afirmou Paulo Bertolini. “A partir daí pode ser que o custo dos insumos se acomode e volte e acompanhar mais o preço das commodities”.