A “tempestade perfeita” vivida pela citricultura brasileira, responsável pela produção de mais da metade do suco de laranja consumido no mundo, vai se prolongar em 2024. A restrição da oferta de fruta e os estoques reduzidos da bebida levaram os preços para picos históricos em 2023, quadro que seguirá ao longo do próximo ano, de acordo com representantes do setor.
Os efeitos das mudanças climáticas no parque citrícola brasileiro, a escassez de mão-de-obra na colheita de laranja e o greening, principal praga da citricultura, são os motivos principais desse cenário inédito e de difícil solução no curto prazo. Pela primeira vez, a preocupação da indústria e dos produtores é ter oferta, tanto de suco quanto da fruta e, assim, não correr atrás da demanda.
A laranja é uma das chamadas culturas bianuais - aquelas que alternam anos de alta e de baixa produção. No entanto, a última supersafra brasileira foi a de 2019/2020, com 386,8 milhões de caixas de 40,8 quilos colhidas.
Nas quatro safras seguintes, a oferta foi restrita e a atual temporada, que deveria ser das grandes, deve ficar em 307 milhões de caixas, de acordo com dados divulgados em dezembro pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus).
“Agora só tem safra média e baixa. Não mais tem robusta, graças aos efeitos das mudanças climáticas nos pomares”, disse Ibiapaba Netto, diretor-executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR).
Um desses efeitos foi sentido na série de ondas de calor extremo que atingiu o País em 2023, a maior delas em novembro, com uma semana de temperaturas acima de 40 graus Celsius em grande parte da região produtora.
Naquela época, as laranjeiras estavam florescendo ou já com as frutas no estágio inicial de desenvolvimento, os chamados chumbinhos. “Como resultado, as flores e chumbinhos foram abortados”, explicou Marco Antonio dos Santos, presidente do Sindicato Rural de Taquaritinga (SP) e ex-presidente da Câmara Setorial da Citricultura do Ministério da Agricultura. “Resta esperar por um período mais chuvoso em janeiro para novas floradas, mas isso é incerto”.
Outra particularidade na citricultura é o fato de ser a única grande cadeia do agronegócio brasileiro cuja colheita é 100% manual. Por um motivo político, essa mão-de-obra sazonal, cada vez mais escassa, foi ainda mais rara na atual safra. No final do seu governo e na tentativa fracassada de reeleição, o ex-presidente Jair Bolsonaro fomentou a inclusão em massa de trabalhadores em programas sociais de renda.
Para ser contratado para um período curto de safra, o trabalhador precisa ser registrado e, consequentemente, deixar o programa social, e a maioria não trocou a renda certa pela temporária. “As empresas não conseguiram contratar e 8 milhões de caixas de laranja não foram colhidas nesta safra. Além disso, houve a colheita tardia de algumas variedades”, afirmou Netto, da CitrusBR. A associação calcula uma perda de 83 mil toneladas de suco por esses fatores, o que praticamente dobraria o estoque das companhias ao final da atual safra e aliviaria um pouco a oferta.
Nesse contexto, os preços do suco de laranja atingiram o recorde de US$ 6 mil dólares a tonelada na Bolsa de Nova York. No mercado físico, as empresas não fecham contratos por menos de US$ 4 mil a tonelada para a exportação, também os maiores preços nominais para a bebida. O preço da caixa ao produtor também atingiu níveis históricos, com negócios recentes fechados por até R$ 80 a caixa, o dobro dos preços pagos no início da safra e já considerados altos.
A disparada dos preços da fruta ligou outro alerta nos pomares. O greening, principal praga da citricultura, avançou pelo parque citrícola e ameaça ficar sem controle. A forma mais efetiva para controlar a praga é erradicar plantas doentes, mas produtores têm se recusado a adotar a prática, mesmo com o risco de contaminação, diante dos preços remuneradores recebidos pela fruta. “Existem regiões onde já perderam o controle, mas o produtor se recusa a erradicar”, lamentou Santos, do Sindicato Rural de Taquaritinga. “E essa situação atual não vai mudar para 2024”, conclui