Dias antes do início da maior feira de tecnologia agrícola do Brasil, o clima era de muito otimismo. Em conversa com o AgFeed, o presidente da Agrishow, Francisco Maturro, chegou a falar em "chuva de inovação tecnológica" quando perguntado sobre qual seria a marca desta edição.
Antes fosse. O que chamou a atenção na abertura do evento, nesta segunda-feira 1º de maio, foram os efeitos de uma tormenta política, que dividiu as lideranças do agro, com preocupações para a imagem do setor e mais obstáculos na relação com o governo federal.
Os estandes lotados e a enorme fila para a entrada da feira foram potencializados pela controversa visita do ex-presidente Jair Bolsonaro, acompanhando seu afiliado político, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
No terreno institucional, porém, a ausência de representantes oficiais de Brasília alimentou a divisão no setor. Ao AgFeed, dirigentes e empresários do agronegócio lamentaram o episódio que levou à desistência da presença do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e o posterior cancelamento da cerimônia oficial de abertura, fato inédito nas 28 edições do evento.
Havia a expectativa, frustrada, de que Fávaro fizesse na Agrishow o anúncio de uma suplementação de R$ 1 bilhão em recursos do Tesouro Nacional para retomar a liberação de linhas de crédito que são importantes para os negócios da feira – os valores se referem ao plano safra 2022/2023 que está em vigor até 30 de junho.
“Desconvidado” do evento em função da presença de Bolsonaro, arquitetada por lideranças locais, o ministro cancelou sua visita a Agrishow e deixou em suspenso a questão do crédito suplementar.
Bolsonaro aproveitou a oportunidade. Mesmo sem cerimônia oficial, discursou ao lado do governador no auditório do IAC – Instituto Agronômico ligado à Secretaria Estadual de Agricultura de São Paulo - para dezenas de lideranças e produtores rurais.
Alguns líderes das entidades organizadoras acompanharam da plateia, mas apenas Francisco Maturro subiu ao palco. Em tom de campanha política, o ex-presidente criticou o atual governo e afirmou que o agro "precisa de políticos que não atrapalhem vocês".
Em seguida, Bolsonaro chegou a reunir centenas de produtores rurais ao visitar estandes da feira, subir em máquinas, onde acenava e ouvia os gritos de “mito”, marcando seu retorno a eventos presenciais desde que perdeu a eleição presidencial.
Entre as próprias lideranças do setor, pairava apreensão em relação aos efeitos negativos para a feira e para a imagem do agro.
Um dos líderes que mostrava desconforto no primeiro dia do evento foi Caio Carvalho, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), uma das entidades organizadoras da Agrishow.
"Tenho muita dificuldade de entender problemas políticos e ideológicos. Eu entendo de estratégias, acho que temos que ficar longe deste problema de vaidade humana", desabafou Caio.
O presidente da Abag afirma que o agro brasileiro é competitivo e independente do que chamou de “bobagens” e “radicalismos de ambas as partes", reafirmando que o clima é de otimismo para os negócios na feira.
A espera de mais de crédito
Lideranças ouvidas pelo AgFeed mantinham a expectativa de que, mesmo com a ausência de Fávaro, novos recursos federais irrigassem o evento. Alguns deles, mais próximos do ministro, disseram que o ministro pode anunciar em Brasília, ainda nesta terça-feira, o valor de R$ 400 milhões para esta subvenção.
Fontes do governo negam, porém, que seja este o volume autorizado. A informação seria divulgada após encontro com Nilson Leitão, presidente do Instituto Pensar Agropecuária (IPA), que dá suporte à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
O presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Sérgio Bortolozzo, afirmou que, mesmo que se anuncie R$ 1 bilhão, ainda assim os recursos não são suficientes para atender a demanda.
Ele manifestou preocupação com o fato de a área econômica do governo demorar em assegurar os recursos para o Plano Safra, em função da busca por aprovação do novo arcabouço fiscal.
Bortolozzo também defendeu que a Agrishow tenha foco cada vez maior nos negócios e no aspecto tecnológico, com menor ênfase em questões políticas. A SRB é uma das entidades que organizam a feira.
Apesar disso, a expectativa dos organizadores é de que a Agrishow 2023 supere os R$ 11 bilhões movimentados na edição do ano anterior, marcada pelo fim de um período de dois anos sem a realização presencial da feira, em função da pandemia. Alguns apostam em crescimento de 10% este ano, em relação à 2022.
O empresário Walter Baldan Filho, de uma das mais tradicionais fabricantes de implementos agrícolas, concorda que o cenário é de recuperação. “A Baldan deve crescer este ano entre 8% e 10%, o que inclui a Agrishow”, disse ao AgFeed.
Ele explica que o setor de máquinas agrícolas movimenta anualmente R$ 85 bilhões e que apenas um quarto deste volume depende de programas de investimento atrelados ao Plano Safra - o restante é garantido por bancos privados, pelas próprias empresas ou mesmo por cooperativas de crédito, segundo o executivo.
O fato é que a briga política deixou expositores e visitantes sem o anúncio do crédito extra no primeiro dia. Em nível federal, o setor conta com a linha já anunciada pelo BNDES de um financiamento em dólar para investimentos nas propriedades rurais, com potencial de liberar R$ 2 bilhões ao ano.
A nova linha deve partir de um custo final ao produtor rural em torno de 7,59% ao ano, acrescido da variação cambial.
Produtores rurais de São Paulo podem contar com o plano safra estadual, que em 2022 teria totalizado R$ 400 milhões em linhas de crédito com juros subsidiados, segundo Francisco Maturro, que foi secretário de agricultura até dezembro.
É o chamado FEAP, Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista que tem limite de R$ 300 mil por tomador. Na visita à Agrishow o governador Tarcísio de Freitas informou que este ano foram liberados R$ 18 milhões até agora.